Sou homem de voltas trocadas. Transmontano de nascimento, fui criado como barreirense adoptivo. Filho biológico de camponeses com fome em demasia, uns parentes piedosos adoptaram-me para que tivesse “algum futuro”. Como estudante, andei mais na luta que de volta das “sebentas”. Pugnando pela liberdade, puseram-me a dormir em Caxias. Paisano enraizado, fardaram-me e fizeram-me oficial de comandar tropa para disparar canhão. Militante da luta anti-colonial, fiz comissão onde a guerra ferveu mais, na Guiné. Tendo gasto a juventude a intoxicar-me vivendo o fascismo à portuguesa, quando vinda a democracia, virei militante comunista a querer saltar para a revolução. Ateu e anticlerical de pequeno, sempre houve padres católicos que insistiram em serem meus amigos. Fui quadro técnico de uma grande empresa e, em vez de cuidar da carreira, andei feito dirigente sindical da classe operária organizada. Aliviei-me, farto, de tanta contradição. Quase só me resta o nojo pelas ditaduras (todas). Tento, com o jeito possível, dar testemunho, sobretudo dos meus enganos (que é do que mais sei em política). E olhar sempre nos olhos filhos e netos. Espero morrer coerente. Finalmente.