Os «Caminhos da Memória» suspendem hoje a sua publicação. Começámos este projecto há quase dois anos, procurando corresponder às expectativas de todos os nossos colaboradores e leitores, e é por não querermos defraudá-las que a maioria de nós faz esta escolha: consideramos que o modelo que adoptámos está de certo modo esgotado e que seria necessário adoptarmos um outro para o qual não estamos neste momento preparados.

Como acérrimos defensores da preservação da memória que todos somos, poderemos vir a iniciar outros projectos e continuaremos entretanto a actuar nesse sentido, nas várias arenas em que nos movemos. Incluindo nestas, naturalmente, outros blogues nos quais participamos.

Por ironia trágica do destino, os últimos textos que publicámos incidiram sobre a morte de um dos nossos colaboradores da primeira hora – o José Luís Saldanha Sanches -, quase que em jeito de homenagem e recordando-nos simultaneamente a finitude dos seres e das coisas.

(O blogue manter-se-á em linha, intacto, como se de um livro se tratasse, podendo continuar a ser consultado e/ou citado. Porém, os comentários que possam ser introduzidos a partir de agora não serão publicados, nem haverá respostas aos anteriores.)

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Um texto de José Augusto Rocha (*)

Com a partida de Saldanha Sanches para as longínquas paragens do além, desaparece um cidadão que foi um grande exemplo de coragem, de dignidade e de lucidez e que soube libertar, desde a juventude, o coração de toda a inércia da indiferença. Desaparece alguém que soube dizer sim à fraternidade e ao amor e que na memória dos amigos nasce todos os dias, manhã cedo.

Foi vasta, dura e persistente a luta política de Saldanha Sanches e quando chegou a alvorada do 25 de Abril, estava preso e ia ser julgado no Tribunal Plenário, no seguimento de um despacho de pronúncia, de 1 de Fevereiro de 1974, subscrito pelo Juiz, Serafim das Neves. Militava então no MRPP, organização que o despacho de pronúncia descrevia como “uma organização embrionária do futuro Partido Revolucionário do Proletariado Português e rege-se, quer na sua linha política, quer nos seus métodos organizativos, pelas doutrinas e teorias do marxismo leninismo, adaptando na sua actuação prática os princípios básicos dos processos revolucionários de Lenine e Mao-Tsé-Tung.”

A acusação, para fazer o enquadramento dos crimes contra a segurança do Estado, prosseguia, dizendo: “ sendo portanto uma organização de índole comunista do tipo marxista-leninista-maoista e que preconiza a luta armada, adaptando ainda métodos anarquistas na prossecução da sua actividade e visa como seu principal objectivo, conseguir por meios violentos, quer pela insurreição armada, quer por táctica de guerrilha, o derrube do regime vigente com a consequente alteração da Constituição Política.

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Um texto de Justino Pinto de Andrade

(UM DIA ALGUÉM ESCREVEU NOS MUROS DE LISBOA:
“O POVO LIBERTARÁ SALDANHA SANCHES”)

Dedicatória:
Aos meus amigos, Diana Andringa e Fernando Rosas, seus amigos e companheiros de longa data. À Doutora Maria José Morgado, esposa de tantos anos e de tantas caminhadas.

1. A morte do Professor Saldanha Sanches é mais um momento de dor. É mais uma vela que se apaga dos tempos da minha juventude. Ele em Portugal, e nós aqui, em Angola, lutámos todos contra o regime injusto e anacrónico que nos oprimia. Somos, pois, contemporâneos das mesmas causas: a luta contra o colonialismo e contra o fascismo que alimentava e se alimentava do colonialismo.

2. Poucos dos que me ouvem (ou lêem) sabem quem foi Saldanha Sanches, já porque ele não era angolano e porque também, nos últimos anos, limitou a sua intervenção pública quase apenas à análise política e económico, em alguns dos órgãos de comunicação social de Portugal.

3. Saldanha Sanches era um brilhante professor de Direito Fiscal e de Finanças Públicas na Universidade Clássica de Lisboa, também na Universidade Católica Portuguesa. Desligado do activismo político directo, continuou, ainda assim, a ser um referencial da democracia e da luta pela democracia portuguesa. Sempre que estivessem em jogo grandes decisões como, por exemplo, actos eleitorais, lá ele surgia a público, dando opinião sobre os actores em concorrência, sobre as propostas políticas, sobre as razões que estavam por detrás das propostas. Comunicava, também, a sua opção de escolha. Ele não era, pois, um absentista da política. Estava sempre atento.

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A Biblioteca-Museu República e Resistência irá levar a cabo durante os meses de Maio e Junho o 3º Ciclo de conferências «Memórias literárias da guerra colonial». Aqui fica o programa:

7 Maio às 19h
Não sabes como vais morrer. 7 mais 1 histórias de guerra e regresso atribulado no Vera Cruz por Jaime Froufe Andrade

14 Maio às 19h
Memórias dos dias sem fim por Luís Rosa

21 Maio às 19h
Como vivi a guerra em Quípedra Angola no ano 1963 por António Cadete Leite

28 Maio às 19h
Cisne de África por Henrique Levy

4 Junho às 19h30
Caderno de memórias coloniais por Isabela Figueiredo

18 Junho às 19h
A pele dos séculos por Joana Ruas

25 Junho às 19h
O meu avô africano por Aniceto Afonso

Um texto de Isidoro de Machede (*)

O Bairro do Poço Entre as Vinhas era um lugar de habitações clandestinas construídas, tijolo a tijolo, por aqueles que demandavam a cidade grande em busca de uma vida de pão mais assegurado. A grande maioria, desterrados do campo pela mecanização da agricultura que, paulatinamente, os foi empurrando da sua terra pela ausência de jorna. Vivi neste meu Bairro dos momentos mais felizes da minha vida. Foi para mim a academia da sociabilidade solidária entre a infância e a adolescência. A seguir a Nossa Senhora de Machede era, na prática, a minha segunda aldeia, só que colada à cidade grande.

Por si só o nome do Bairro era um livro aberto sobre o local. Um poço entre vinhedos cuja água teria servido para dessedentar os trabalhadores da dita cultura agrícola. Por volta da década de sessenta um qualquer sacripanta, contumaz da beatitude, resolveu renomear o Bairro de Senhora da Saúde. O velhíssimo poço, com a boca em granito trabalhado, ainda lá mora completamente abandonado e ostracizado da história do local.

Tinha o Bairro a particularidade de ter as fronteiras de nascente e poente demarcadas por duas linhas ferroviárias. A nascente, a linha Évora-Estremoz. A poente, a linha Évora-Mora. A Sul do Bairro, na estrada que conduzia a Beja e Reguengos, junto da passagem de nível, bifurcava-se da linha para Estremoz o ramal de Évora-Reguendos de Monsaraz, distanciando-se em direcção a Este.

Daí sempre ter tratado os comboios tu cá tu lá. Ainda as locomotivas eram movidas a vapor. Só depois vieram as modernaças a diesel.
Ver passar aquelas enormes composições com carruagens de passageiros e uma infinidade de vagões de mercadorias, era o rotineiro filme diário. Parávamos as futeboladas e ficávamos ali de dedo espetado a contar o tamanho da serpente com cabeça de ferro.

O êxtase absoluto era viajar nos ditos com toda a gente a balançar certinho, de um lado para o outro, como se fossemos o pêndulo do relógio da avó. E a paisagem a correr vertiginosamente cortada regularmente pelos postes do telefone ferroviário.

Quando recordo o facto do Bairro do Poço Entre Vinhas ser quase uma península rodeada por todos os lados menos por um de linhas ferroviárias, há três coisas que ainda me deixam a remoer inquietudes e aprendizagens da infância. Ter aprendido de que lado estava o vento pela nitidez do apito da locomotiva. O comboio ter um lado fatal, dado ser o principal instrumento de suicídio das gentes das redondezas. E outra coisa que me produzia uma impressão que nunca consegui descortinar. Ainda hoje me aflige a sua nebulosidade. O facto das composições que exclusivamente transportavam militares, fardados de caqui amarelado, do quartel de Estremoz directamente para os barcos atracados em Alcântara e daí para a guerra colonial. A estranheza de os ver passar, com meio corpo fora das janelas, a acenar e a gritar uma alegria que não o era certamente.

O ramal de Mora, é hoje a ecopista da cidade. Faleceu vai para um ror de tempo. O ramal de Reguengos de Monsaraz foi pelo mesmo caminho. O ramal de Estremoz ainda existe, mas o seu uso é quase nulo. Daí que a estação de Évora é, a bem dizer, o final da linha. Entre as poucas composições que lhe dão uso, há seis ligações diárias de e para Lisboa realizadas pelo Intercidades. É uma composição rápida, confortável e a um preço módico. Mais barato que as dos autocarros expresso. Ultimamente tem surgido o rumor que a CP se prepara para encerrar a linha.
Decididamente não entendo a política de transportes deste país. Se é que há alguma coisa para entender?

(Publicado no blogue Alentejanando)

(*) Biografia de Isidoro de Machede

As minhas primeiras palavras são para recordar aqueles que, neste lugar, nesta rua, no dia 25 de Abril de 1974, foram barbaramente abatidos a tiro pela PIDE/DGS. Todos sabemos que a mais tenebrosa das polícias do regime levou a sua sanha criminosa até ao fim.

Ainda hoje, a 36 anos de distância, me custa pensar que as últimas vítimas do fascismo foram jovens, nossos irmãos na esperança de Democracia. Jovens que desejavam ver a sua terra libertada. E não lhes foi permitido. Sobre o que seria viver em Liberdade, não chegaram a saber mais do que o que ouviam dizer, e talvez tivessem lido, acerca das democracias que havia por esse mundo fora. Morreram precisamente quando acreditaram que o seu sonho se tornava realidade.

O tempo corre, falamos, escrevemos e não se esgotam as más memórias. Quando passo ali por trás, junto ao Teatro São Carlos, ainda recordo a força que me chegava de longe, nas vozes do coro em ensaio, enquanto eu procurava não adormecer na frente da agente policial. Alucinação ou magia.

Foi exactamente neste espaço que, durante décadas da ditadura, esteve sediada a polícia política. De tempos a tempos, o seu nome mudava, mas o martírio dos portugueses que se batiam pelos seus ideais e pelos seus mais básicos direitos prosseguia.

Agora, uma gente de negócios endinheirados quis trazer para o imaginário lisboeta uma história de sonhos, apagando uma história nacional de pesadelos e, sobre os escombros dessa sede, ergueu um condomínio de luxo, atribuindo-lhe uma designação que soa indecorosa aos nossos ouvidos de resistentes: “Paço do Duque”.

Olho do exterior a construção faraónica, repudio as pichagens que começaram a aparecer, mas a verdade é que me trazem o encarnado dos pingos de sangue e os desenhos indutores de alucinação que manchavam as paredes enegrecidas das salas de interrogatório. Olho este portão e quase tremo. Não se me apagam as emoções e os medos com que o atravessava, sentada por trás da grade de uma carrinha, vinda do Forte ou já de regresso a Caxias, entalada entre duas agentes da policia. Porque as mulheres, jovens ou não, eram presas na condição de revolucionárias, em igualdade de circunstâncias com os homens, mas depois, uma vez chegadas aos interrogatórios, tinham tratamento suplementar especial. Eram chantageadas na sua dignidade de mulheres, humilhadas, violadas no seu pudor feminino. Atingidas emocionalmente e ameaçadas, nos laços de maternidade. Ainda estão vivas, e festejam hoje o dia da Revolução, algumas companheiras da luta anti-fascista, cujo testemunho pessoal ultrapassaria o que, algum dia, eu poderia contar-vos. Outras já desapareceram: Sofia Ferreira muito tinha para contar. Morreu na semana que hoje termina, com uma impressionante história de vida, dedicada à Resistência.

Não têm conta os portugueses anónimos que aqui permaneceram noites e noites, submetidos à tortura do sono – às vezes, dias e dias de pé, impedidos de se sentarem. Poderão hoje estar mais, ou menos, satisfeitos com o estado do Estado Democrático, poderão divergir mais, ou menos, nas suas posições políticas actuais, mas estou ciente de todos eles se emocionam quando passam neste local.
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Saudação do NAM

25 de Abril 2010

O Movimento Cívico Não Apaguem A Memória! – NAM, saúda todos os participantes no acto da inauguração da placa que sinaliza o local onde se situava a sede da PIDE/DGS, na Rua António Maria Cardoso, em Lisboa, realizado no dia 25 de Abril de 2010.

Saudamos todos os que durante meio século lutaram contra a ditadura, pela democracia e pela liberdade e que sofreram a prisão e as torturas daquela tenebrosa polícia política. Em particular saudamos os que ali se encontravam presentes, nomeadamente Edmundo Pedro, António Borges Coelho, José Manuel Tengarrinha e Helena Pato. Saudamos os capitães do MFA pelo seu papel histórico no 25 de Abril de 1974 e em particular os que ali se associaram a este acto nomeadamente o cor. Vasco Lourenço e muito especialmente o comandante Luís da Costa Correia o “capitão de Abril” que tomou, com a força militar que comandava, precisamente ali, onde nos encontrávamos, a sede da PIDE/DGS.

Saudamos o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Dr. António Costa, a Senhora Vereadora da Cultura, Drª Catarina Vaz Pinto pela forma pronta como acolheram a proposta do NAM, lhe deram execução de modo a coincidir com o dia 25 de Abril e participaram neste importante acto de preservação da memória. Saudamos também o director da Cultura, Dr. Mota Veiga, o Director do Património Cultural, arquitecto Jorge Carvalho e demais funcionários da CML que participaram neste acto ou na sua preparação.

Sinalização da PIDE/DGS

De acordo com o programa da inauguração da placa de sinalização da PIDE/DGS na Rua António Maria Cardoso em Lisboa, realizou-se um cortejo que partiu dos paços do concelho da CML onde usaram da palavra a Senhora vereadora da Cultura Drª Cartarina Vaz Pinto e pelo NAM o Professor Jorge Martins que ao longo do mini-roteiro o animou e ofereceu de modo impressivo uma informação histórica da ditadura e do dia 25 de Abril de 1974 relacionada com os locais do percurso.

Após o descerramento da Placa, usaram da palavra Raimundo Narciso pelo NAM, José Manuel Tengarrinha, Edmundo Pedro e Helena Pato na qualidade de ex-presos políticos e lutadores anti-fascistas e o Presidente da CML Dr. António Costa.

O mini-roteiro e o acto final tiveram uma significativa participação de umas 150 a 200 pessoas.

Um texto de Jorge Martins (*)

 
A SAGA BEIRÃ DOS HENRIQUES – Apesar da insuficiência dos dados de que dispomos neste momento percebe-se já que as famílias judaicas do concelho do Sabugal se cruzaram. Na verdade, a conhecida prática endogâmica das comunidades judaicas ajuda-nos a perceber melhor como se organizaram, movimentaram e resistiram os2 judeus às perseguições inquisitoriais. No Sabugal não terá sido diferente do resto do país.

Com efeito, as Beiras e Trás-os-Montes são autênticos laboratórios de investigação da história do criptojudaísmo. Aliás, é muito provável que as Beiras constituam a principal referência para os estudos judaicos durante o período de vigência dos tribunais do Santo Ofício (Lisboa, Coimbra, Évora), entre 1536 e 1821.
Atendendo às referidas insuficiências de dados, escolhemos as duas grandes famílias judaicas do Sabugal: os Henriques e os Rodrigues, como vimos anteriormente. Obviamente, há que ter em conta que estamos a falar apenas daqueles que caíram nas malhas da Inquisição, o que deixa de fora os que podem ter saído incólumes, ou os que tenham emigrado.
Começamos com os Henriques. Cruzando os locais de nascimento desta grande família judaica do Sabugal com os locais de residência quando foram presos, veremos melhor os seus percursos, quer por fuga à Inquisição, quer por alastramento da sua presença na região das Beiras, por razões familiares (casamentos) ou profissionais (actividades comerciais).

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Um Texto de Jorge Pires da Conceição (*)

 
Refiro-me à Avenida António Augusto de Aguiar, “roubada” em projecto de Ressano Garcia a terrenos que haviam sido agrícolas e materializada já sob a égide de Duarte Pacheco e também ao período de quase um ano em que um troço dessa Avenida voltou a ser terreno agrícola, no decurso das obras de ampliação da Estação do Metro de São Sebastião.

Permitam-me, no entanto, que tente fazer um pequeno enquadramento desta obra que tive a possibilidade de acompanhar diariamente chefiando a equipa responsável pela sua fiscalização.

A rede inicial do Metropolitano de Lisboa construída entre 1955 e 1966, isto é, ainda durante o período de governação de Salazar, ficou constituída por 15 estações, todas elas com cais com capacidade para receberem comboios apenas com duas carruagens. Eram orientações políticas superiores, que resultavam da conciliação de duas vontades: a de “mostrar ao mundo” que a Capital de Portugal também tinha metro e a de continuar com uma gestão caseira da economia. E o resultado foi o que muitos previram e para o qual alertaram, ou seja, a incapacidade de tal infra-estrutura dar resposta às necessidades de mobilidade da sua população urbana!

Na gíria popular, então, o tal metro era mesmo apelidado de centímetro.

Com a governação marcelista a mentalidade de fachada e de contenção modificou-se um pouco, pelo que as 5 novas estações construídas já possuíam cais comportando comboios com quatro carruagens, situação ainda insuficiente, mas sobretudo condicionada pelo facto das estações anteriormente construídas continuarem a apenas permitir o serviço de comboios com duas carruagens.

Foi assim que, ainda no período de governação da responsabilidade de Marcelo Caetano, foi decidido proceder-se às obras de ampliação das estações iniciais, primeiramente de duas para quatro carruagens, mas efectivamente de duas para seis carruagens, como veio a acontecer já após o 25 de Abril de 1974.

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Um texto de Cecília Cunha (*)

Apresentam-se aqui uma série de testemunhos que a memória deixou intactos – são sobrevivências no sedimentar dos anos, já que é do início da década de oitenta que faremos extracções. Em mil novecentos e oitenta e dois, um pequeno grupo de estudantes finalistas de letras, Lisboa, decidiu desafiar o destino certo e começar a leccionar muito longe de casa. A proposta rodou e pegou. E numa primeira quinzena de Setembro, ainda sem o certificado de habilitações, o grupo partiu num avião para a Guiné-Bissau.

Hoje e aqui recorda-se o dia em que os cooperantes assinaram contrato válido para um ano lectivo: celebravam de alguma forma o fim da guerra colonial e de todos os sobressaltos que a geração enfrentara; havia também o sabor da experiência e o apelo do desconhecido.

Questionemos, como quem introduz: poderão meros episódios soltos ter um fio condutor? O que podem experiências singulares absorver no terreno dos factos? Lançamos os dados e sugerimos combinações possíveis. Seja o que os leitores quiserem.

Acreditamos que as vivências conduzem à possibilidade de reflectirmos sobre um tempo e a partir de um espaço pouco conhecidos entre nós: partilharemos incomodidades, que advêm de acontecimentos cruéis. E acrescentamos: que dizer das revelações duma cultura ancestral e de um novo regime, se o que sempre elegemos saber foi sobre a luta de um povo africano, vigorosa, justa e cheia de futuro?

Sabemos que pareciam esponjas, os(as) cooperantes, gente sedenta de um outro tipo de conhecimento, porém mal informada à hora dos preparativos e do embarque: em Lisboa, um representante do ministério da educação guineense tinha oferecido alojamento e um conjunto de bens essenciais disponíveis. Esse género de informação não correspondia à exacta realidade, coisa que os(as) cooperantes descobriram poucas horas depois da largada do aeroporto de Lisboa e à chegada a Bissau.

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Um texto de Isidoro de Machede (*)

Quando gaiato, entre as diversas brincadeiras que praticávamos, havia um clímax de inesperado arroubo que era despoletado por um grito: cu à parede! A loucura era nem mais nem menos que uma desregrada peleja de todos contra todos a pontapear o parceiro mais a jeito nas nádegas. Daí o famigerado berro que um dos moços subitamente bradava, avisando assim do modo de acautelar ser chutado no traseiro. Tal como bruscamente começava a desordem total, igualmente parava de uma forma súbita, com a rapaziada completamente embezerrada por mou da caótica e violenta peleja. Os aleijões nunca eram de monta e desapareciam por encanto com uma forte risota geral.
Hoje, um arrebatamento semelhante, seria certamente apelidado de bullying grupal. Coisa que deixaria os circunspectos psicólogos a debitar teses da treta sobre comportamentos desviantes devido ao indevido blá, blá, blá, blá…
Actualmente nada disto acontece, apenas porque os putos já não brincam na rua. Nem sozinhos nem em grupo. Esta salutar fogosidade infantil foi, aos poucos e poucos, substituída por uma violência realmente maligna na formação do carácter, subtilmente transmitida solitariamente pelos écrans dos computadores e televisores superlotados de Rambos virtuais.

Agora, sarcasticamente, o berro de «cu à parede» entre a criançada, apenas continuaria a fazer sentido com o avizinhar dos pastores terrenos do Divino Mestre!

(Publicado no blogue Alentejanando)

(*) Biografia de Isidoro de Machede

Um texto de Jorge Martins (*)

AS SENTENÇAS INQUISITORIAIS – A apreciação das sentenças proferidas pelos tribunais da Inquisição pode ajudar-nos a traçar o panorama da acção do Santo Ofício no concelho do Sabugal.

Recordem-se, no entanto, duas contingências com que confrontavam os réus nesta matéria:
1) o advogado de defesa era escolhido pela própria Inquisição e, em consequência, era mais um denunciante dos indefesos réus;
2) o confisco dos bens dos réus era uma fonte de rendimento fundamental para aquele tribunal, pelo que importaria menos que as penas aplicadas fossem muito violentas, do que a apropriação de bens.

No actual estado de investigação não estamos em condições de analisar as sentenças de cerca de um quarto dos processos (38). Para os restantes três quartos de processos, sabemos que há um elevado número (40) de condenações ao cárcere e hábito, as mais das vezes perpétuo, seguido de perto pela sentença de soltura (32). Libertar muitos réus sem condenação a uma pena grave, que poderia ser a de simbólicas penitências espirituais, não se configura muito relevante, porque, entretanto, os seus bens haviam sido confiscados no momento da prisão e, por norma, já não seriam devolvidos, independentemente da sentença proferida.

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Recebemos da ASOCIACIÓN PARA LA RECUPERACIÓN DE LA MEMORIA HISTÓRICA DE EXTREMADURA o seguinte texto, com sugestão de publicação.


Trata-se da apresentação feita por
Dulce Simões durante o evento “Lisboa Porto de Saída”, organizado pelo Instituto Cervantes de Lisboa, nos passados dias 24 e 25 de Março. (Já publicado no blogue ARMHEX daquela Associação.)

 
O governo regional da Estremadura espanhola atribuiu ao município de Barrancos o seu máximo galardão, a Medalha da Estremadura de 2008, como símbolo de reconhecimento e gratidão pela solidariedade e acolhimento a todos os estremenhos forçados a fugir do seu País em virtude de conflitos sociais e políticos. Ao longo do processo histórico a fronteira de Barrancos ligou e separou em função de contextos históricos específicos, pautados pela política dos Estados ibéricos e simultaneamente pela acção dos indivíduos, porque apesar de poder ser olhada como uma barreira, a fronteira foi sempre transcendida pelas redes sociais que servem de sustentação às culturas raianas. O reconhecimento institucional resultou de um movimento social iniciado em Fevereiro de 2009 no Facebook, na sequência da projecção do documentário “Los refugiados de Barrancos”, em Cáceres, por iniciativa de cidadãos espanhóis socialmente comprometidos com o movimento de recuperação da memória histórica da II Republica e do franquismo. O caso dos refugiados republicanos acolhidos em Barrancos, que permaneceu silenciado da história de ambos os países durante as ditaduras ibéricas, representando uma “memória colectiva” circunscrita à vida dos seus protagonistas e testemunhas, emerge assim como “objecto histórico” graças à sua mediatização. Neste caso a mediatização permitiu inscrever a memória do acontecimento na história contemporânea, numa versão legitimadora do presente, demonstrando como a memória representa simbolicamente um instrumento de poder. Como afirmou Jacques Le Goff, uma das grandes preocupações das classes e dos grupos que dominam as sociedades com História é tornarem-se senhores da memória e do esquecimento, e “os esquecimentos e os silêncios da História são reveladores desses mecanismos de manipulação da memória colectiva”.

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Um texto de Helena Cabeçadas (*)

As greves e o movimento estudantil de 1962 despertaram-me para a política e para a luta anti-fascista. Nessa altura eu tinha 14 anos e estava no Liceu D. Filipa de Lencastre, em Lisboa, mas a minha irmã mais velha já estava no 1º ano do Técnico e participava com entusiasmo no movimento estudantil de contestação ao regime. Eu e algumas das minhas amigas, da mesma idade, fugíamos do Liceu para ir assistir aos plenários, na Cidade Universitária. Não estávamos integradas no movimento associativo liceal e tínhamos imensa pena de não estar ainda na Universidade. Tentávamos disfarçar que vínhamos do Liceu, as batas enroladas dentro das pastas, com receio que os universitários nos mandassem embora. E ficávamos quase em êxtase a ouvir os dirigentes associativos de então, os seus discursos inflamados, tanto mais apreciados quanto mais radicais.

Foi, pois, com grande entusiasmo que, no ano lectivo seguinte (1962/63), já no Liceu Rainha D. Leonor, aderi à Comissão Pró-Associação dos Liceus. Vivia-se, nessa altura, uma certa euforia, apesar das expulsões decorrentes das greves estudantis de 62. Abriam-se brechas fundas no regime – com a guerra colonial nas suas diferentes frentes de luta, o movimento estudantil cada vez mais radicalizado, a grande jornada de luta que fora o 1º de Maio de 1962… tudo isto nos dava a esperança de um fim próximo da ditadura.

Pouco depois, com 15 anos, aderi ao Partido Comunista, a única força política antifascista organizada na altura. Tenho a noção, hoje, de que teria aderido a qualquer outro partido ou grupo organizado antifascista que me tivesse surgido, fosse socialista, comunista ou anarquista, tal era o meu desejo de me empenhar na luta pela liberdade e pela democracia. Claro que, para nós, adolescentes, era uma aventura excitante estar numa organização clandestina, ter um pseudónimo e actividades secretas tendo, ainda por cima, um objectivo último exaltante: a construção de uma sociedade mais justa, mais livre e mais fraterna. Sentíamo-nos heroínas de filme ou de romance (falo no feminino porque a minha experiência directa se passava, de facto, num universo adolescente feminino). O anticomunismo violento do regime salazarista ainda mais exacerbava a atracção que a actividade clandestina do PCP exercia sobre nós.

Claro que ler Marx era uma tarefa difícil e maçadora e Lenine ainda pior, mas também não nos eram exigidas tais leituras que, aliás, não estavam disponíveis porque eram proibidas. Recebíamos o jornal do partido, o “Avante” e tínhamos que o distribuir, às escondidas, nas caixas do correio ou em locais que não dessem muito nas vistas. Era uma tarefa divertida porque tinha os seus riscos, fazíamo-la aos pares e, quando surgia alguém nas escadas do prédio, fingíamos, para disfarçar, que estávamos a namorar.

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Um texto de José Augusto Rocha (*)

 
Na edição do dia 9 de Março dos Caminhos da Memória, publiquei uma memória sobre a proibição do I Encontro Nacional de Estudantes e agora que – em 24 de Março – passam quarenta e oito anos sobre a proibição do Dia do Estudante, (1) recordo aqui o conjunto dos acontecimentos que tiveram lugar na Academia de Coimbra, no âmbito da Associação Académica, e que integram o que se convencionou chamar – a Crise Académica de 62.

Trata-se de um texto cronológico dessa “crise” – que só é definível e interpretável, conhecendo todos os acontecimentos – elaborado por mim, José Luís Nunes e José Monteiro, com a colaboração de Judite Cortesão e Irene Namorado e que veio a ser publicado no número de Março de 1968, do jornal “O Badalo”, do “Conselho de Repúblicas”, acompanhado de uma entrevista que nessa altura lhe dei.

É uma reconstituição dos acontecimentos dessa época, com base exclusiva na memória dos seus autores – todos eles influentes actores na crise – e que tinha o objectivo de não deixar perder a memória do que se passou, para mais tarde ficar disponível a eventuais estudiosos. Eis o texto do documento, intitulado “Sumário da Crise,” tal qual foi – à data – manuscrito.
Sumário da Crise

Capítulo I

Outubro 61

Latada de Letras:

  1. Crítica a certos aspectos da vida política do país na “Latada de Letras”; (2)
  2. Prisão de um estudante implicado na organização da “latada”;
  3. Um estudante de Faculdade de Letras, em face da sua eminente prisão, pede asilo à Universidade, na pessoa do seu vice – reitor, Prof. Lobato Guimarães;
  4. O Vice-reitor, em conversa telefónica, obtém do Inspector de PIDE o compromisso de que o estudante não será preso nas três semanas seguintes;
  5. A Assembleia Magna considera reféns o estudante já detido e a Direcção da A.A.C. pede à PIDE a sua libertação;

Via Latina:

  1. Pela primeira vez o Professor Braga da Cruz manifesta o seu desagrado pela orientação do jornal “Via Latina”.

Capítulo II

Novembro 61

Tomada da Bastilha:

  1. Comemoração à escala nacional da Tomada da Bastilha;
  2. Decretus abolindo a praxe que é considerado político pelas autoridades;
  3. Prisão do Dux Veteranorum e mais quinze estudantes membros do Conselho de Veteranos signatários do decreto; (3)
  4. Intervenção da Direcção Associação da A.A.C. junto da PIDE e do Ministro do Interior, Santos Júnior;
  5. O Ministro do Interior anuncia uma política de dureza para com os estudantes;

Capítulo III

Novembro 61

Entrevista da Direcção da A.A.C. com o Reitor:

  1. O reitor manifesta preocupação e discordância da orientação da Via Latina:
  2. Classifica a Assembleia Magna de Tribunal do Povo;
  3. Preconiza a retoma do processo eleitoral com a substituição do sufrágio directo pelo sufrágio orgânico ou corporativo;
  4. Aconselha o rompimento da colaboração ao nível nacional da AAC com as outras Associações do País;

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Um texto de Jorge Pires da Conceição (*)

 
Acabadas as seis semanas do IAO em Santa Margarida e depois do curto período de férias de “despedida desta vida”, última oportunidade também para alguns “darem o salto” (recordo um camarada que nesses 10 dias teve tempo para dar o salto, telefonar para casa já para lá dos Pirenéus, conversar com uma familiar chorosa e regressar a Tomar, aguardando o embarque no Hotel Templários), na madrugada de 17 de Julho de 1971, entre a uma e as duas da manhã, embarcámos num longo comboio estacionado no apeadeiro de Santa Margarida.

Éramos perto de mil homens os que compunham os dois batalhões de caçadores formados no RI15 de Tomar e considerados prontos, como “carne para canhão”, para o “teatro de guerra” de Moçambique.

Essa primeira etapa da nossa viagem, que decorreu até às seis ou sete horas da manhã e que terminou junto ao cais da Estação Marítima de Alcântara-Mar foi uma das mais angustiantes de que me recordo em toda a minha vida e, julgo, não só para mim, mas para muitos de nós todos, pois era a primeira prova concreta, a certeza última, de ser verdade aquilo que nos esperava: a guerra!

Dentro do comboio ainda estacionado recebemos os nossos novos galões de alferes e as divisas de furriéis. Depois, sem paragens do comboio (não fosse alguém arrepender-se), em silêncio durante toda a madrugada, enquanto nos campos e nas povoações que ladeavam a linha férrea todos dormiam indiferentes à nossa passagem, vinha-me constantemente à lembrança aquela arrepiante viagem de comboio tão bem descrita por Gabriel García Marquez, suponho que no livro “Cem Anos de Solidão”, na qual um comboio carregado de cadáveres de revoltosos atravessava de noite silenciosamente as povoações adormecidas, fazendo de conta que nada de importante se passara…

Na Gare Marítima de Alcântara a animação voltou com a presença de centenas ou de milhares de civis que traziam um último quinhão de calor aos que tinham a sorte de ali terem familiares ou amigos. Muitos vagueavam atónitos e solitários. Um destes abeirou-se da minha mãe e, perguntando-lhe se era de Lisboa, logo inquiriu se conhecia a Maria, uma rapariga de Viana do Castelo que servia em Lisboa e que, embora ele pessoalmente não a conhecesse, lhe traria recados ou uma encomenda de seus pais que viviam no Minho…

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Um texto de Luísa Tiago de Oliveira (*)

A propósito de um artigo de El País: Querido abuelo, vamos a enterrarte con la abuela, tu esposa”

Em 2010, um ancião alto e magro entrega as urnas com o que ficou dos corpos dos companheiros, mortos de fome, nos cárceres franquistas. Recebem estes despojos, recuperados, os familiares, procurando uns conter as lágrimas enquanto outros as abrem. Abraçam-se. Nas fotografias, distinguem-se bem os netos, que são também aqueles que erguem os punhos quando vão receber os restos dos avós. Em 2010, com este gesto de outrora, reactiva-se a simbólica dos anos 1930 em que à saudação fascista se opuseram os punhos cerrados.

Ao ver o artigo de El Pais e as fotografias anexas, percorremos também décadas de silêncio e emoções abafadas, gestos lacónicos para sentimentos de força calada.

Perguntamo-nos de onde terão vindo aquelas bandeiras tricolores da República, que não são a actual bandeira de Espanha. Interrogamo-nos se serão antigas, se terão estado escondidas, o que sentiram e como viveram os derrotados que as tiveram, o que lhes foi necessário calar, disfarçar, negar. Porém, fixamos mais atentamente as bandeiras, que de início nos tinham feito sonhar, e vemos que afinal parecem novas e podem ter sido feitas nas oficinas e ateliers que trabalham para qualquer loja, para qualquer mercado.

Mas, ao envolverem e embalarem pequenas urnas, estas bandeiras novas duma República passada falam. De quem as empunha, de quem as manuseia, de quem nem delas se abeira, de quem delas não gosta, das convicções de todos esses homens e mulheres.

E eu já ouvi uma enorme bandeira da República a falar.

Foi, em 2007, numa ceia comemorativa da implantação da República de 1931, em Ourense, organizada pela Associação dos Amigos da República. Naquela noite, corria dum lado ao outro do palco, onde se sucederam os oradores e as canções entoadas. Em longos anos anteriores, tinha estado enterrada num quintal, de onde fora resgatada há pouco, por um filho, já de certa idade. E, do seu novo lugar, a bandeira, comovida, ouviu o nosso Grândola e o Hino de Riego.

Aquilo que a terra escondeu, como terá ido lá parar? Terá sido a vontade de que não caísse nas mãos do inimigo? Terá sido a urgência de esconder algo que podia incriminar quem o tinha? Porque foi o seu local ensinado? O terror e o medo impostos, de sangue ou pedra fria, não teriam abrandado para permitir destruí-la sem levantar suspeitas, em 70 anos, incluindo 30 de pós-franquismo? Já não terá sido a força bruta mas, sim, o medo entranhado a obrigá-la a permanecer soterrada. Contudo, ao salvá-la, aqueles que deste modo agiram tiveram decerto, e também, a esperança de que um dia a bandeira pudesse ser desenterrada, utilizada, libertada. E, significativamente, só o foi muitos anos após o fim da ditadura franquista. E desde aí, num tempo em que as Associações dos Amigos da República e as Associações de Memória Histórica batalham, a bandeira surge, novamente.

Por trás de cada gesto épico, há muitos outros que o possibilitam, bem mais anónimos e invisíveis, de resistência continuada. A radical vontade de mudança está também na determinação quotidiana de, com os pés na terra, assegurar a vida das ideias. Através de palavras e silêncios, de gestos, de objectos simbolicamente investidos.

Que sucessivas histórias contarão estas bandeiras?

Que histórias contarão estes punhos erguidos, por netos, que não conheceram os avós?

 
(*) Biografia de Luísa Tiago de Oliveira

 
Um texto de José Augusto Rocha (*)

Passam, nos dias 9 a 11 de Março, quarenta e oito anos sobre a realização do I Encontro Nacional de Estudantes, (1) que abriu as portas à chamada “Crise Académica de 62” e inicia uma brutal repressão sobre o movimento estudantil e particularmente sobre os estudantes universitários de Coimbra e a Associação Académica, em cuja sede se realizou.

Muito embora sejam várias as abordagens escritas destes acontecimentos, a verdade é que elas se baseiam em testemunhos indirectos ou em documentos, em especial comunicados da época, mas nunca, no que a Coimbra se refere, a quem os viveu por dentro e deles foi, em certa medida, seu actor.

Enquanto dirigente da A.A.C., vivi intensamente estes acontecimentos e deles venho, hoje, dar curta memória.

Nos dias 3 e 4 de Fevereiro de 1962, realizou-se na Associação de Económicas de Lisboa, uma reunião dos dirigentes das associações de estudantes do Porto, Lisboa e Coimbra, para discutir e tomar importantes deliberações sobre o movimento associativo a nível nacional: a criação do Secretariado Nacional dos Estudantes Portugueses – embrião da União Nacional dos Estudantes Portugueses – e o I Encontro Nacional de Estudantes. Nessa reunião, a Associação Académica de Coimbra esteve representada pelos seus dirigentes, António Taborda, Eduardo Soeiro e por mim próprio. Foram muito polémicas e longamente discutidas qualquer uma dessas iniciativas, estando sobre a mesa a questão de saber se o movimento estudantil aguentaria a repressão política que se previa viesse a acontecer. Foi particularmente intenso o debate sobre a criação do Secretariado Nacional e a questão daí decorrente sobre se essa deliberação se deveria tornar, desde logo, pública. Após várias voltas à mesa da reunião, a A.A.C. defendeu e votou, integralmente e sem restrições, todas as propostas, sendo acompanhada, após uma primeira hesitação sobre a publicidade do Secretariado Nacional, pela Associação de Estudantes de Medicina, representada por Eurico Figueiredo, dirigente arguto e com apurada sensibilidade estratégica do movimento associativo, com quem, aliás, viria a ter conversas importantes, em momentos decisivos para o seu futuro, e, em particular, nos momentos mais altos da repressão.

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Albertina Lemos, uma das fundadoras do NAM!, morreu ontem (dia 26), no Porto, vítima de câncer. Há já alguns meses que sabíamos que o estado dela era grave, mas a força anímica que possuía levava-nos a acreditar, infantilmente, que ia resistir pelo menos até à Primavera e, depois, tudo seria possível.

Não foi, como humanamente sabemos.

A Albertina tornou-se uma personagem conhecida no NAM! porque era ela que fazia a ligação entre Lisboa e o núcleo do Porto. Sofria de poliomielite, que contraiu muito jovem, no Brasil, para onde emigraram os pais, mas a discrição e a tenacidade com que se apresentava depressa faziam esquecer essa «particularidade», como a designava a Maria Rodrigues, uma amiga de longa data.

A Albertina, na sua simplicidade, era um cérebro. Foi uma das alunas mais distintas do curso de Farmácia na Universidade do Porto. Pertenceu à pró-associação de estudantes e, recorda Luísa Oliveira, caloira da promoção de 1968/69, quando a Albertina chegava a finalista, ela fazia a «diferença» no ambiente «conservador e situacionista» da escola.

Foi para Paris como bolseira e aí vincou-se a sua adesão antifascista, militando nas organizações maoístas da esquerda radical. Depois da revolução de Abril foi activista da OCMLP – Organização Comunista Marxista-Leninista Portuguesa e participou no seu órgão de imprensa, O Grito do Povo!

Viveu as vicissitudes do processo revolucionário em curso e não soçobrou ao desânimo. Manteve-se atenta aos movimentos sociais e foi sem surpresa que os amigos a viram a intervir no Tolerância, na luta pela interrupção voluntária da gravidez, assim como no NAM! quando ele surgiu, no seguimento da manifestação que se realizou frente à antiga sede da PIDE, na Rua António Maria Cardoso, em Lisboa, protestando contra o apagamento da memória na resistência à ditadura.

A Albertina Lemos já não está entre nós, mas permanece dentro da nossa fraterna amizade. Adeus companheira!

António Melo

Um texto de Jorge Martins (*)

OS ANOS DAS PRISÕES INQUISITORIAIS – Os judeus sabugalenses desde cedo começaram a ser atormentados pela Inquisição. O primeiro processo data de 1544, oito anos após a introdução do Santo Ofício em Portugal e o último de 1795, numa altura em que aqueles tribunais religiosos já estavam em declínio.

Com efeito, se a Inquisição foi autorizada pelo Papa em 1536, o primeiro auto-de-fé realizou-se em Lisboa em 1540, para apenas quatro anos depois serem suspensos (1544-1548) pela Santa Sé, assim como o confisco de bens seria suspenso entre 1546 e 1558. Compreende-se assim a não existência de prisões no Sabugal durante 16 anos (1544-1560), pois, para a Inquisição, o mais importante era a fonte de rendimento que esses confiscos constituíam. Também se percebem os 21 anos sem prisões (1675-1696), pois a própria Inquisição foi suspensa pelo Papa entre 1674 e 1681.
Provavelmente, o maior período sem prisões (1634-1660) prender-se-á com a União Ibérica (1580-1640), período em que a Inquisição portuguesa terá sofrido a influência da Inquisição espanhola em decadência, aligeirando a sua acção em Portugal e muitos cristãos-novos se instalaram em terras do império espanhol e com mais facilidade no Brasil, designadamente em consequência da invasão e administração de territórios brasileiros pela Holanda entre 1624 e 1654, facultando aos judeus o livre culto.
A última prisão de um réu do Sabugal acusado de judaísmo ocorreu em 1773, justamente o ano da lei do Marquês de Pombal que pôs fim à distinção entre cristãos-novos e cristãos-velhos. Outro fenómeno curioso foi o da constatação de que nos primeiros cem anos de actividade da Inquisição as prisões terem ocorrido à baixa média de uma em cada três anos, mas nos cem anos seguintes terem triplicado para a média de um processo por ano.

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Um texto de Helena Cabeçadas (*)

A carta escrita pela Helena Pato, quando criança, e publicada aqui recentemente, fez-me recordar, de forma viva e crua, imagens das escolas primárias que eu frequentei, entre 1953 e 1957, em contextos geográficos e culturais diferentes. São recordações duras, desprovidas da alegria infantil que seria de esperar em escolas de e para crianças.

1-A minha primeira escola, num bairro periférico de Lisboa, que frequentei entre os seis e os oito anos,  funcionava num palacete meio podre, em que as escadas e as paredes se esboroavam, o vento e o frio penetravam por todos os lados. Havia as “meninas do Bairro” (da Madre de Deus), limpinhas e de bata branca, entre as quais me incluía, e as “miúdas das latas”, sujas e esfarrapadas, que vinham dos bairros de lata que o circundavam. Embora estivéssemos lado a lado, inclusive na mesma carteira, não nos dávamos entre nós. Havia uma tensão latente entre os dois grupos e que, por vezes, explodia em lutas verbais, muitas vezes cruéis. As casas de banho eram lá fora, imundas. Não havia recreio coberto. Se chovia, paciência, ou ficávamos na sala de aula ou íamos apanhar chuva. Recordo que um dos nossos principais divertimentos quando chovia, e esse era comum aos dois grupos, era ver quem matava mais piolhos dos que saltitavam nas carteiras…

Eu tinha sorte, a minha professora, a D. Cândida, uma senhora elegante e meiga, era “boazinha”; nunca a vi bater em nenhuma criança. Em contrapartida, na sala ao lado, reinava o terror. A Directora, a D. Alzira, era uma verdadeira megera: as bofetadas, as reguadas, os castigos violentos, eram o pão nosso de cada dia. Nós ouvíamos os gritos e os choros das nossas infelizes coleguinhas e chorávamos com pena. Uma das garotas morreu, segundo constou, na sequência do lançamento de um apagador atirado com fúria assassina. Como a vítima pertencia ao grupo das “miúdas das latas” não houve problema, o caso foi abafado. Aluna que fosse levada ao exame de admissão ao liceu pela Sr.ª Directora tinha sempre a classificação máxima; daí a sua reputação como “excelente professora”. Só que poucas eram as eleitas e claro que as suas alunas dos bairros de lata desistiam logo na 1ª ou na 2ª classe…

Nunca, nesta escola, houve uma festinha, por pequena que fosse, ou um passeio. Era um local triste, um espaço duro, de violência manifesta e latente.
Quando, na 3ª classe, aos oito anos, fui para Moçambique, o ambiente da escola mudou radicalmente. Em Lourenço Marques (actual Maputo) a Escola era ampla, moderna, luminosa, com recreios interiores e exteriores, onde podíamos correr e brincar à vontade. Eram só meninas brancas, todas do mesmo estrato social, filhas da burguesia colonial. Não me lembro de ver uma única menina negra ou mesmo mulata. Na altura não me questionava sobre isso, achava normal.

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Um texto de Miguel Teotónio Pereira (*)

Há quase cento e cinco anos que José repousa naquela cripta. Tempo de mais para uma vida, quase chegaria para duas. A esse repouso, imposto pela tirania da mãe de todas as mães – a Natureza -, ficava todavia José em débito por lhe ter poupado a excitação dos seus nervos, já de seu natural basto inflamáveis, que certamente o fluir dos acontecimentos não deixaria de provocar. A morte é dual – uma condenação original, e uma libertação prometida.

Ficou José a cinco anos de viver o triunfo do que fora a mola, e a seiva, da sua existência. Não conheceria o sobressalto da monarquia do Norte, não assistiria à degradação dos alicerces morais e sociais daquele triunfo, e à sua implosão na revanche reaccionária do 28 de Maio. Já nada poderia fazer para contrariar, com o seu ânimo poderoso e exaltado, o rumo da Revolução Nacional, a implementação de uma ditadura de inspiração fascista, a consolidação de um regime policial de partido único, que os desfechos da Guerra Mundial não puderam quebrar. E nem em sonhos – que não parecem ser plausíveis em meio do gelo do Sono eterno – lhe chegariam o viço libertador e os aromas redentores da flor de Abril.

Mas, estou em crer, se os mortos falassem – para os vivos, já se vê, que lá entre eles ninguém sabe de que conversam – não se queixaria José; quero dizer, queixas teria, e não poucas seriam – de adversários mas também de correligionários -, mas não da ausência de protagonismo nos acontecimentos do seu tempo; quando digo protagonismo, não estou pensando na acepção vulgar que hoje, e infelizmente, essa palavra carrega, mais aparentada com vaidade, mas naquela que verdadeiramente significa – a de alguém que protagoniza, que está por dentro, em três palavras – que é sujeito.

E que sujeito era José! Errático, instável, mas voluntarioso e de ideias assentes! O destino que o berço lhe proporcionou, sendo o pai um abastado proprietário agrícola, rejeitou-o ele, preferindo a vida tumultuosa das escolas e das academias citadinas (Portalegre, Coimbra, Porto, Lisboa), cursando sem concluir, e sempre escrevendo, em gazetas várias, assumindo diversas correspondências, até achar o leito do rio da sua vida: seria editor e livreiro, e para começar, fundou, em 1871, na alfacinha e proletária Rua do Arsenal, a Nova Livraria Internacional.

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Para: Assembleia da República

 
CLASSIFICAR O POSTO DE COMANDO DO M.F.A. COMO MONUMENTO NACIONAL

O Núcleo Museológico do Posto de Comando do MFA tem um problema grave desde que foi criado, em 2001: a falta de garantia da sua preservação enquanto espaço de memória do 25 de Abril de 1974. Na verdade, não se trata verdadeiramente de um museu, integrado na rede nacional (nem local) e, em consequência, está dependente do quartel onde está instalado, o Regimento de Engenharia Nº 1 – Pontinha. Se o quartel for desactivado, o NMPC corre sério risco de desaparecer.

É imperioso, portanto, que se faça alguma coisa antes que esse cenário possa ser uma realidade. E mesmo que não se perfile no horizonte – como já se perfilou seriamente –, há que dignificar aquele espaço como merece. A melhor forma de afastar definitivamente esse perigo e de o dignificar é classificar o Posto de Comando como imóvel de interesse nacional ou de interesse público. Nenhuma autoridade pública manifestou a intenção de o fazer: quer os poderes locais, quer os poderes centrais, sempre se mantiveram à margem do problema. Resta o poder dos cidadãos. Só um significativo movimento cívico poderá forçar quem de direito a cuidar deste património tão simbólico para a conquista da democracia e da liberdade proporcionadas pelo MFA.

É essa a finalidade desta petição a apresentar à Assembleia da República, com o objectivo de os deputados tomarem todas as providências necessárias à preservação e dignificação do edifício onde se instalaram os militares que comandaram as operações do 25 de Abril, garantindo a classificação do Posto de Comando do MFA como “Monumento Nacional” ou “Tesouro Nacional”, de acordo com a Lei do Património (Lei nº 107/2001 de 8 de Setembro).

Assine a Petição AQUI.

Divulgue-a.

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A recordar:

 

 
Um texto de Jorge Martins (*)

 
O Posto de Comando não é tão reconhecido fora (e dentro?) concelho de Odivelas como seria desejável, atendendo ao papel decisivo desempenhado no 25 de Abril. Há que fazer alguma coisa para inverter essa situação.

Não se pode imputar ao município odivelense – e à própria Junta de Freguesia da Pontinha – a responsabilidade exclusiva por esse défice de projecção externa. Não obstante, a inércia nada resolverá. Há uma obrigação inalienável dos poderes locais para superar o problema, pois dificilmente essa iniciativa virá de fora.

Reconheça-se algum esforço para criar roteiros culturais que incluem a visita ao Posto de Comando. Mas não foram eficazes para proporcionar uma maior procura, por exemplo, das escolas dos concelhos limítrofes. O crescimento em espiral parece ser a melhor estratégia, até porque estamos paredes-meias com a capital.

Na realidade, os municípios estão habitualmente muito fechados sobre si próprios, quando a solução para muitos problemas passa forçosamente por um planeamento estratégico integrado. Isto é verdade para os transportes e as comunicações, para o abastecimento e os serviços, para a saúde e a educação e para a cultura e o turismo. Parcerias culturais e patrimoniais precisam-se!

Se olharmos à nossa volta, verificamos que estamos circundados por municípios mais antigos e experientes, com uma dinâmica cultural compreensivelmente mais consolidada. Não podemos isolar-nos de Loures (da desanexação do qual nasceu o de Odivelas), de Lisboa, da Amadora e de Sintra, nossos vizinhos. Muito ganharíamos (e eles também) se estabelecêssemos protocolos culturais com esses municípios e o Posto de Comando teria uma boa oportunidade de afirmar externamente. Alguém te de tomar a iniciativa. Por que não Odivelas?

 

(*) Biografia de Jorge Martins

 
A reler.

(Contributo de Lúcia Ezaguy)

Acabámos de actualizar a Antologia deste blogue, que inclui uma selecção de posts publicados entre Junho de 2008 e Janeiro de 2010 – um modesto mas significativo repositório sobre a ditadura e a resistência em Portugal.

 
Um texto de José Augusto Rocha (*)

 
Na edição dos “Caminhos da Memória”, de 27 de Janeiro, num exercício literário de luminosa simplicidade, Diana Andringa, deu-nos conta da sua prisão, no âmbito do processo que ficou conhecido por “julgamento MPLA”. É um texto sinfónico, onde se podem surpreender quatro andamentos: a espera da chegada da polícia, a despedida da liberdade, a prisão, o tempo do cárcere. Narrativa rítmica que flui e respira com uma naturalidade que nos inspira a sensação perigosa de almejar uma repetição…

Mas é um texto incompleto, onde falta uma segunda parte: o julgamento. Porque fui seu advogado no processo, aqui vai uma breve memória do acontecido no Tribunal Plenário.

Naquele assustado dia 27 de Janeiro de 1971, era ainda manhã cedo, o telefone tocou e, do outro lado, suou a voz, ao mesmo tempo serena e aflita, de Diana Andringa, a solicitar os termos de uma procuração forense, dado que a PIDE já farejava as instalações de sua casa e outros amigos tinham acabado de ser presos. Se a prisão de alguém é sempre indesejada, a de um amigo causa um ranger de dentes que angustia o coração.

O julgamento começou a 11 de Fevereiro de 1971 e viria a terminar em 30 de Março do mesmo ano. Trata-se de um julgamento onde ocorre a particularidade de se discutir um crime contra a segurança exterior do Estado – o “crime de Traição à Pátria” – quando, o que era normal e corrente no Tribunal Plenário, era serem julgados crimes contra a segurança interior do Estado, imputados aos membros das chamadas organizações subversivas, que muitas foram as que passaram por aquele tribunal.

Nos termos do art.º141º, nº1, do Código Penal da época, esse crime, concretamente imputado, consistia em “intentar, por qualquer meio violento ou fraudulento ou com o auxílio do estrangeiro, separar da mãe Pátria ou entregar a país estrangeiro todo ou parte do território português, ou por qualquer desses meios ofender ou puser em perigo a independência do País”. Para além dos concretos incidentes que viriam a verificar-se, ao longo do julgamento, travou-se um forte debate sobre o sentido da incriminação da traição à Pátria e sobre a própria guerra colonial, pela primeira vez d vez dveeslocada para o palco de um tribunal.

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Um texto de Jorge Martins (*)

 
DESLOCAÇÕES DOS RÉUS SABUGALENSES – A mobilidade dos judeus apanhados nas malhas da Inquisição constitui um precioso indicador para o conhecimento das teias genealógicas judaicas numa determinada região. Isso configura-se particularmente claro na região das Beiras.

 
Repare-se, que só estamos a analisar processos referentes ao concelho do Sabugal. Imagine-se o que seria se o fizéssemos para os restantes concelhos das Beiras.

Analisando a naturalidade dos réus que vieram morar para o concelho do Sabugal, verificamos que 22 (30%) não saíram do concelho, sendo originários das freguesias do Sabugal (11), do Soito (5), de Alfaiates (4), da Nave (1) e de Vilar Maior (1). De fora do concelho do Sabugal vieram residir 37 réus para o Sabugal, 12 para o Soito, 7 para Aldeia da Ponte e 5 para Alfaiates, perfazendo um total de 50. Ficámos também a saber que os locais mais frequentes dos réus que vieram, de outros concelhos, residir para as freguesias do Sabugal foram os seguintes: 8 da Guarda vieram viver para o Sabugal e 2 para o Soito; 7 de Almeida para o Sabugal; 5 de Pinhel para o Soito e 2 para o Sabugal e 3 de Idanha-a-Nova para o Sabugal.

Quanto aos locais para onde foram residir os réus naturais do concelho do Sabugal, constatamos que se mantém, obviamente, o número (22) dos que permaneceram no concelho onde nasceram, como vimos. Para fora do concelho foram viver 49 réus, número idêntico aos que vieram de fora para o Sabugal, como também vimos.
Os destinos mais frequentes dos réus naturais de Sabugal foram os seguintes: Guarda, com 10 réus; Lisboa, com 7; Rio de Janeiro, com 4; Penamacor, Covilhã e Fundão, com 3 réus cada. Sublinhe-se alguma tendência para os réus se manterem relativamente perto do Sabugal. O estudo futuro da genealogia poderá revelar a familiaridade de muitos desses réus, que se deslocavam permanentemente, quer para fugir às perseguições da Inquisição, quer devido ao seu envolvimento em redes comerciais, também elas praticadas por membros das mesmas famílias.
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Um texto de Jorge Martins (*)

Já aqui referimos a insustentabilidade de o Núcleo Museológico do Posto de Comando se limitar a passar o mesmo filme há oito anos. Há que produzir novos recursos multimédia. Um desses recursos deveria ser obtido a partir de entrevistas aos operacionais do MFA que estiveram no Posto de Comando a dirigir as operações do 25 de Abril.

Para além destes – Otelo Saraiva de Carvalho, Garcia dos Santos, Victor Crespo, Sanches Osório, Hugo dos Santos e Lopes Pires –, muitos outros Capitães de Abril passaram pelo Posto de Comando durante aquele período. Todos eles têm histórias fantásticas para contar.

A recolha dos seus testemunhos não exige meios dispendiosos. Basta utilizar os recursos da Câmara Municipal de Odivelas (CMO), a saber:

1) Técnicos da Divisão de Cultura, que, se forem destacados para o Núcleo Museológico, como já sugerimos, podem fazer os guiões e realizar as entrevistas;

2) Câmara de filmar e cassete vídeo (ou outro suporte digital) da CMO, cujos gravações se podem guardar num computador e voltar a utilizá-las, minimizando assim os custos;

3) Utilizar a Sala de Operações do Posto de Comando como local de recolha dos testemunhos.

O tratamento desse material proporcionaria a produção de pequenos filmes para passar nas visitas, organizar ciclos de projecções e editar pequenas biografias para distribuir nas escolas. Simultaneamente, estaria a criar-se um acervo documental, que se poderia disponibilizar on-line, no espaço do Núcleo Museológico da página Internet da CMO. O que constituiria um interessante apoio aos estudantes das escolas do nosso concelho e não só.

Esta é mais uma sugestão cuja execução está perfeitamente ao alcance da CMO, que dinamizaria, divulgaria e projectaria para o exterior o Posto de Comando, contrariando a inércia em que sobrevive neste momento.

 

(*) Biografia de Jorge Martins

Um texto de Jorge Martins (*)

O primeiro post desta série pode ser lido aqui , o segundo aqui, o terceiro aqui e quarto aqui

 
Naturalidade e morada dos réus

Para conhecer o percurso geográfico dos réus do Sabugal, designadamente a mudança de residência em consequência das perseguições inquisitoriais, vamos analisar a sua naturalidade e morada, por freguesia, tanto quanto nos é possível neste momento.

Temos 131 processos (91,6% do total) com identificação da naturalidade e/ou morada quando da sua prisão, dos quais, 104 (79,4%) se referem a réus acusados de judaísmo. Podemos verificar, portanto, que a elevada percentagem de judaizantes se mantém, pelo que nem seria necessário discriminá-los por freguesia.

Das 40 freguesias actualmente existentes no concelho do Sabugal só conseguimos apurar processos da Inquisição para 18. Convém, desde já, assinalar duas condicionantes para os resultados obtidos. A primeira é que só depois de lidos os processos na íntegra é que poderemos confirmar se todos eles se referem efectivamente a naturais ou moradores na freguesia do Sabugal, dada a enorme diferença verificada em relação às restantes freguesias. A segunda condicionante para compreendermos os valores com que vamos trabalhar, prende-se com o facto de não haver coincidência entre o número de processos para cada freguesia e a soma dos naturais e moradores, em virtude de alguns deles serem simultaneamente naturais e moradores.
Refira-se também que a morada diz respeito, em alguns (poucos) casos a réus que foram presos em locais onde exerciam a sua actividade profissional ou podiam mesmo estar apenas de passagem ou escondidos. Finalmente, registe-se que estamos a analisar processos e não réus, alguns dos quais foram presos mais de uma vez e até com uma grande diferença de anos, pelo que surgem repetidos, acontecendo mudar de morada entre as duas prisões.
Se hierarquizarmos as freguesias pelo número de processos existentes, temos quatro que se destacam das restantes 14, a saber: o Sabugal a grande distância com 71 (54,2%), seguida do Soito com 13 (9,9%), de Alfaiates com 11 (8,4%) e da Aldeia da Ponte com 10 (7,6%).
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Recebemos a seguinte carta do Núcleo em Lisboa do PT [Partido da Terra]

Por favor divulguem.
Eu estava lá e acho que são uns covarde que não aceitam a democracia e nossos heróis como Carlos Marighela.

   
Companheir@s

Ontem, dia 15 de janeiro de 2010, houve uma ameaça de bomba no prédio da Caixa Cultural, no centro do Rio de Janeiro, durante um evento em homenagem à Marighella e aos combatentes mortos/desaparecidos durante a ditadura militar.

O evento foi organizado pelos respectivos grupos: Grupo Tortura Nunca Mais/RJ, Marighella Vive e Exposição Marighella. O ato teve início com a exibição do filme do Sylvio Tendeler sobre Marighella, seguido de debate. Em seguida, seria iniciada uma homenagem aos companheiros que tombaram à época da ditadura, quando chegou o aviso para todos deixarem o recinto, (eram mais de 100 pessoas), porque a administração do prédio recebeu um comunicado que haviam colocado uma bomba no local.

A maioria dos presentes permaneceu por algum tempo no auditório para assistir a entrega de diplomas as famílias de alguns militantes: Sônia (neta de Cléia Moraes) recebeu em nome da família a homenagem à Sônia Moraes Angel Jones; Zilda Xavier por seus filhos Yuri e Alex Xavier; Ana Müller em nome da família de Mário Alves; Victória Grabois por seu pai Maurício Grabois,seu irmão André Grabois e seu marido Gilberto Olímpio.

Companheir@s a ameaça que nos fizeram é muito grave, temos que divulgar o ocorrido e denunciar esta atitude fascista para todos os órgãos de governo, sindicatos, entidades da sociedade civil organizada, etc.
Aqueles que tiverem contato com jornalistas devem procurá-los para divulgar este ato indecoroso contra a democracia.
O Globo emitiu uma notinha na seção de Notas – pág 13, muito incipiente.

Saudações fraternais,
Victória Grabois

   
P.S. – A curta notícia em O Globo

Quem foi Carlos Marighella.