A primeira parte deste texto foi publicada aqui.

Um escritor inglês, Aubrey FitzGerald Bell, testemunhou directamente como o chocava a situação de inferioridade das mulheres face aos homens, num texto publicado em 1915: «A posição das mulheres em Portugal é outro exemplo de vagos ideais. A mulher é colocada num pedestal mas as mulheres nem sempre são tratadas com consideração, e nalgumas zonas do País são pouco mais do que escravas. (…) Ninguém se lembra de protestar contra isto, nem ninguém nota, e nem o Parlamento Republicano, que tão copioso tem sido na produção de legislação, fez qualquer esforço para apresentar alguma lei que tratasse da situação das mulheres, embora lhes tenha negado o direito ao voto. As mulheres camponesas continuam a realizar o dobro do trabalho dos homens e a ganhar metade do salário.»

Outro grave assunto que preocupava as mulheres republicanas era a prostituição. Em 1914 o Governo convocou uma reunião para a debater. Esqueceu-se de convidar qualquer mulher para estar presente. Tal foi novamente motivo de protesto por parte da Liga.

As feministas associavam às suas lutas a situação das crianças, pelo que muitas também se empenharam na chamada Obra Maternal – mais uma vez com pouco sucesso.  Em 7 de Janeiro de 1911 reuniram com Afonso Costa, para pedir mais protecção para a infância e a extinção da mendicidade. Também solicitaram a cedência de uma casa,  (das muitas anteriormente pertencentes a ordens religiosas e que pela extinção destas tinham ficado vazias)  para poder acolher crianças ‘desvalidas’, mas não foram atendidas. Contudo, veio a ser aprovada importante legislação referente aos menores.

As mulheres desta época tiveram que reflectir acerca das suas estratégias: afinal o que era prioritário? Trabalhar para a mudança do estatuto das mulheres, mesmo que para tal fosse necessário combater os políticos no poder, ou era antes sua obrigação ‘defender’ a todo o custo o regime Republicano, que muito precocemente foi alvo de ataques. Algumas não teriam noção sequer deste dilema mas outras, como Maria Veleda, Adelaide Cabete e Ana de Castro Osório enfrentaram-no. Não foi por acaso que também no movimento feminista houve cisões e abandonos e a fundação de outras organizações para além da Liga Republicana, que aliás se extingue em 1919.  Em 1911 é criada a Associação de Propaganda Feminista; em 1914 fundou-se o Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas; em 1915, a Associação Feminina de Propaganda Democrática; em 1917, para apoiar o esforço de guerra, Ana de Castro Osório funda a Cruzada das Mulheres Portuguesas.

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O regime republicano que se implantou em Portugal em 5 de Outubro de 1910 visava transformar a sociedade, visava, como vários autores escreveram, acabar com um sistema baseado no poder, mesmo que simbólico, de um rei e dos círculos a ele conexos (aristocracia, igreja) substituindo-o por um sistema baseado numa comunidade de cidadãos.

Muito mais do que o 25 de Abril de 1974, cujo primeiro objectivo era acabar com as guerras coloniais, a República, preparada ao longo de décadas, sonhada e idealizada, tinha horizontes quase utópicos.

Contudo, ao contrário de outras utopias que se desenvolveram ao longo do século XX, com consequências catastróficas, a ideologia republicana estava longe de propôr soluções fixas e previamente delineadas. Tinha alguns princípios básicos, o mais importante dos quais seria a necessidade de separar os poderes da igreja e do estado. Por sua vez os perenes valores republicanos – Liberdade – Igualdade – Fraternidade -estavam bem presentes nas aspirações republicanas.

Um dos horizontes propostos antes do 5 de Outubro dizia respeito à vida das mulheres – alguns republicanos (muito poucos) reconheciam que à face da lei e nos costumes a situação das mulheres era degradante e como tal deveria ser alterada. Mas a sua motivação principal não seria, na realidade, a condição específica das mulheres, mas antes o interesse em arregimentar o maior apoio possível para o ideal republicano. É isto que poderá explicar que se deva à iniciativa de três dirigentes republicanos a ideia da fundação da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, em 1909.  A proposta nasceu em Agosto de 1908 quando António José de Almeida, Bernardino Machado e Magalhães Lima convidaram todas as ‘senhoras’ que o desejassem para fazer parte de uma Liga. Os objectivos eram «orientar, educar e instruir, nos princípios democráticos a mulher portuguesa.» António José de Almeida chegou a prometer que, ao contrário do que se tinha passado com a revolução francesa, as mulheres não ficariam ‘logradas’ pela futura República. Mas note-se que a Liga era primeiro ‘Republicana’ e só depois ‘das Mulheres’, o que revela a intenção dos seus fundadores. Considerando o que se passou a seguir ao 5 de Outubro, concluímos, de novo, que as suas preocupações principais não se centravam na situação das mulheres, mas antes que consideraram útil do ponto de vista estratégico, cativá-las para os seus ideais. Em 1909 realizou-se um Congresso do Partido Republicano onde se anunciou a necessidade de decretar a igualdade de direitos políticos e sociais para as mulheres.
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Originalmente publicado na revista Janus, 1999-2000 

 
Na transição do milénio, onde estamos no que diz respeito aos direitos das mulheres? 

Olhando para a situação a nível mundial que se espraia para o nacional, há que assinalar um marco importante, a saber, a IV Conferência Mundial das Nações Unidas sobre as Mulheres que se realizou em Pequim, na China, em 1995. Aí a esmagadora maioria dos governos dos países membros, incluindo o português, aprovaram uma Declaração e uma Plataforma de Acção, já publicadas em Portugal. 

A partir desses e de outros documentos, inspirados, por outro lado, em movimentos sociais diversos, aprofundaram-se vários conceitos fundamentais, os quais se encontram interligados, e portanto de impossível hierarquização, e que têm constituído a base sobre a qual, em muito países do mundo, se têm adoptado medidas políticas, com mais ou menos força, a saber: 
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O primeiro texto desta série e a Bibliografia podem ser lidos aqui, o segundo aqui, o  terceiro aqui e o quarto aqui.

 
Volto às palavras iniciais do texto 1 – Mas de que amigo estou a falar, amigo de quem e em que circunstância? Refiro um evento trágico – a Guerra Civil que se desenrolou em Espanha entre 1936-39 e o apoio que o regime salazarista deu aos franquistas. Baseio esta série de textos numa comunicação que fiz num simpósio organizado pela Universidade Católica em 2006, cujas actas estão publicadas. (Jorge Fazenda Lourenço e Inês Espada Vieira (org), Guerra Civil de Espanha: cruzando fronteiras 70 anos depois, Lisboa, UC, 2007).

Neste texto e no anterior já se está a abordar o período pós Guerra Civil.

Numa época em que a mobilidade e os modos de comunicação eram muito distintas da actual também os encontros entre os dois governantes foram marcados pela parcimónia. Assim, entre 1939 e 1968, Salazar e Franco encontraram-se raras vezes, a saber: em Sevilha, a 12 de Fevereiro de 1942; por ocasião da visita oficial de Franco a Lisboa, que ocorreu de 22 a 27 de Outubro de 1949; em Pazo de Meirás e no Porto, em 26 e 27 de Setembro de 1950, respectivamente; em 14 e 15 de Abril de 1952, em Ciudad-Rodrigo; de novo em Ciudad-Rodrigo, em 8 e 9 de Julho de 1957; em Mérida, de 20 a 21 de Junho de 1960; de novo em Mérida, em 1963.

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O primeiro texto desta série e a Bibliografia podem ser lidos aqui, o segundo aqui e terceiro aqui.

 
Volto às palavras iniciais do texto 1 – Mas de que amigo estou a falar, amigo de quem e em que circunstância? Refiro um evento trágico – a Guerra Civil que se desenrolou em Espanha entre 1936-39 e o apoio que o regime salazarista deu aos franquistas. Baseio esta série de textos numa comunicação que fiz num simpósio organizado pela Universidade Católica em 2006, cujas actas estão publicadas. (Jorge Fazenda Lourenço e Inês Espada Vieira (org), Guerra Civil de Espanha: cruzando fronteiras 70 anos depois, Lisboa, UC, 2007).

Neste texto já se aborda o período pós guerra-civil.

No período em análise, as relações entre Portugal e Espanha, devido aos laços e entrelaços do passado, longínquo ou pretérito, operavam-se a dois níveis: o oficial, caloroso, ideológico, pomposo até, e o não-expresso, feito de uma algo desconfiada observação mútua e permanente, atenta aos avanços, recuos e posições, quer a nível interno quer a nível internacional, numa demarcação clara de esferas de influência e de independência de actuações de ambos os países. Necessariamente, contudo, a disparidade na dimensão dos dois países  determinava também as respectivas atitudes.

É possível e até vantajoso periodizar as relações entre os dois países.

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O primeiro texto desta série e a Bibliografia pode ser lidos aqui e o segundo aqui.

 
Volto às palavras iniciais do texto 1 – Mas de que amigo estou a falar, amigo de quem e em que circunstância? Refiro um evento trágico – a Guerra Civil que se desenrolou em Espanha entre 1936-39 e o apoio que o regime salazarista deu aos franquistas. Baseio esta série de textos numa comunicação que fiz num simpósio organizado pela Universidade Católica em 2006, cujas actas estão publicadas. (Jorge Fazenda Lourenço e Inês Espada Vieira (org), Guerra Civil de Espanha: cruzando fronteiras 70 anos depois, Lisboa, UC, 2007).

Aproveitei uma estadia num Curso de Verão ligado à Universidade de Oviedo, nas Astúrias, precisamente sobre relações Portugal-Espanha, para recolher uma reflexão de dois estudiosos:

Juan Velarde Fuertes – historiador económico, professor catedrático jubilado, conselheiro do Tribunal de Contas de Espanha:

«A reacção de Salazar frente ao Governo da República foi muito forte porque ele sabia que Azaña tinha na cabeça (e é ele que o diz nos seus Diários) deixar uma grande herança histórica, que era o retorno ao Iberismo – à União Ibérica – além disso deu apoio a exilados portugueses em Espanha o que leva Salazar a ajudar Sanjurjo e todos os que fossem contra a II República e dar-lhes todo o amparo. Depois de 18 de Julho de 36, os inimigos de Salazar estão com a República. A partir desse momento houve três tipos de ajuda:
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O primeiro texto desta série e a Bibliografia podem ser lidos aqui.
 
Volto às palavras iniciais do texto 1 – Mas de que amigo estou a falar, amigo de quem e em que circunstância? Refiro um evento trágico – a Guerra Civil que se desenrolou em Espanha entre 1936-39 e o apoio que o regime salazarista deu aos franquistas. Baseio esta série de textos numa comunicação que fiz num simpósio organizado pela Universidade Católica em 2006, cujas actas estão publicadas. (Jorge Fazenda Lourenço e Inês Espada Vieira (org), Guerra Civil de Espanha: cruzando fronteiras 70 anos depois, Lisboa, UC, 2007).

E se o governo legítimo de Espanha tivesse conseguido ganhar a guerra? O que teria acontecido? Ter-se-ia implantado posteriormente uma ditadura comunista? O que teria acontecido em Portugal se fosse esse o caso? Podemos enveredar por este tipo de especulação mas não é esse o caminho que eu aqui escolhi.

Voltando ao tema, sublinho que, durante largos anos, o apoio prestado pelo amigo lusitano não foi reconhecido pela historiografia espanhola e internacional. Por exemplo, o livro de Hugh Thomas, A Guerra Civil Espanhola, que durante anos foi a principal obra de referência, refere o apoio mas sem lhe dar a devida importância. Mesmo o notabilíssimo ‘The Battle for Spain’ (La Guerra Civil Española) de Antony Beevor, publicado em 2005, (refazendo completamente um seu livro de há 22 anos) não aprofunda suficientemente, a meu ver, a contribuição do regime salazarista para a vitória franquista. Contudo há uma tese de doutoramento do espanhol Alberto Pena Rodríguez cujo tema é precisamente El Gran Aliado de Franco – Portugal y la Guerra Civil Espanhola: Prensa, Rádio, Cine y Propaganda, mas terá tido uma distribuição muito limitada, pois Beevor não o inclui na sua extensa bibliografia. A única obra portuguesa que aí figura é a coordenada por Fernando Rosas – as actas de um colóquio internacional realizado em 1996 (Portugal e a Guerra Civil de Espanha).

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Mas de que amigo estou a falar, amigo de quem e em que circunstância? Refiro um evento trágico – a Guerra Civil que se desenrolou em Espanha entre 1936-39 e o apoio que o regime salazarista deu aos franquistas. Baseio esta série de textos numa comunicação que fiz num simpósio organizado pela Universidade Católica em 2006, cujas actas estão publicadas. (Jorge Fazenda Lourenço e Inês Espada Vieira (org), Guerra Civil de Espanha: cruzando fronteiras 70 anos depois, Lisboa, UC, 2007).

Primeira nota: Recordo as palavras de Antoine de Saint-Exupéry: «uma guerra civil não é uma guerra mas uma doença pois o inimigo está no interior de nós mesmos».

Não sendo historiadora por profissão, mas antes investigadora, nem por isso deixo de pensar que escrever História não é compilar dados e «factos», sendo muito mais a sua apresentação, consubstanciando uma perspectiva, neste caso a minha, com toda a sua subjectividade.

Servi-me de múltiplas fontes (veja-se a bibliografia) para estes textos que pouco terão, portanto, de original – e recordo o comentário assassino de Marcelo Caetano dirigindo-se a ao candidato em provas de doutoramento: «o pior é que nesta tese o que é bom não é original e o que é original não é bom.»

Entrando no tema da minha intervenção – A minha hipótese é a seguinte: o apoio do Amigo Lusitano, ou seja de Salazar e das estruturas do Estado Novo, à preparação e ao desencadear da rebelião militar que se manifestou em Espanha a partir de 18 de Julho de 1936 contra um governo democraticamente eleito (mas que tinha grandes dificuldades em garantir que as instituições funcionassem democraticamente) foi imprescindível para a vitória dessa rebelião, que, por sua vez, introduziu um Governo ditatorial, liderado por Francisco Franco, de ideologia de extrema direita, que governou a Espanha durante 40 anos.

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Um texto de Ana Vicente (*)

Sabemos, pela investigação histórica, que, desde sempre, todas as comunidades humanas, qualquer que fosse/seja a sua organização social, as suas raízes culturais e religiosas, do este e do leste, do sul ou do norte, têm um traço em comum: a assimetria de poder entre mulheres e homens, ocupando estes o lugar predominante. Aliás, o Relatório do Desenvolvimento Humano de 1992, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, o confirma mais uma vez, na base da análise de indicadores económicos e sociais colhidos em todo o mundo: «de todas as desigualdades do desenvolvimento humano, a mais flagrante é a que diz respeito aos dois sexos.» (1)

Constata-se que são os homens, ou alguns entre eles, que estabelecem as regras sociais e que dominam os sistemas simbólicos. As mulheres poderão ter uma maior ou menor reconhecimento formal ou informal, mas estão sempre ausentes ou insuficientemente representadas nos processos de decisão, a nível público como no privado. Por outro lado verifica-se que em todas as sociedades havia/há desigualdade entre os homens, em função do estatuto social, mas nunca em função do género, enquanto que as exclusões aplicadas às mulheres justificavam-se pela sua pertença de género, acumuladas ou não com quaisquer outras.

Já antes das Revoluções Americana e Francesa há muitos exemplos de pensamento elaborado, quer por mulheres quer por homens, acerca do deficiente estatuto das mulheres. Assim, a voz de Antígona nunca deixou de se ouvir de uma ou outra maneira, confrontando os milhares de escritos explicitando a «natural» inferioridade do sexo feminino. Entretanto, a partir do século XIX brotou um pensamento e uma acção feminista organizada, em Portugal como no resto da Europa.

Essa reflexão tem questionado não só a injustiça do sistema para as mulheres, mas também tem demonstrado como esses desequilíbrios afectam negativamente os homens, ao impor-lhes comportamentos considerados «masculinos», igualmente normativos. É assim, a título de exemplo, que os homens têm estado afastados da esfera da parentalidade afectiva, sendo-lhe também atribuídos como «naturais» comportamentos agressivos e de risco.

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