Giovanni de Luna é professor de História Contemporânea na Universidade de Turim e acaba de publicar Le ragioni di un decennio, um livro sobre os anos setenta em Itália e as dinâmicas combativas da esquerda extra-parlamentar no país. Como se anuncia na introdução, este é um livro «muito particular», não só porque se propõe abordar os ainda fumegantes «anni di piombo», mas também porque Giovanni de Luna foi militante da Lotta Continua, uma das organizações mais activas da extrema-esquerda italiana daqueles anos, e esse traço é voluntariamente assumido. A contracorrente das visões mais comuns da tarefa historiográfica, cultoras do distanciamento e da neutralidade, o autor elabora uma narrativa que assume ser feita a partir de um lugar de observação, sem contudo reduzir o texto a um ajuste de contas individual ou geracional ou a abdicar da análise crítica do período. Nem a exterioridade asséptica, nem a interioridade prosélita, poder-se-ia dizer. Estamos nas proximidades daquilo que já foi definido como «ego-história» ou, nas palavras de Giovanni de Luna, como uma historiografia «vivida como autobiografia».
Isto é particularmente claro na escolha das fontes, entre as quais encontramos panfletos, jornais ou relatórios como canções, filmes e fotografias. Para além das reflexões sobre a violência no movimento, que o autor observa sob múltiplos ângulos, a recorrência da palavra «memória» demonstra bem o modo como De Luna se relaciona com um passado que lhe é, em certa medida, inescapável. O capítulo que situa o objecto «entre a memória e o esquecimento» critica o modo como a recusa do próprio passado foi assumida por vários antigos activistas e a forma perversa como desde a década de 1980 as visões dos «arrependidos» se tornaram hegemónicas, provocando uma espécie de «sequestro judiciário» do passado. Sobretudo a partir do assassinato de Aldo Moro, sobreveio uma narrativa sobre o período que «comprimia um decénio inteiro sobre a sua segunda metade e reduzia o tempo a um único trágico momento no qual todo o mal confluiu». Acossados pelo anátema da cumplicidade, muitos antigos militantes preferiram ficar «prisioneiros de recordações que não podem contar».
O autor é igualmente crítico do modo como, primeiro os partidos e depois o Estado italiano, construíram uma memória pública oficial sobre esse passado que remete para o estrito âmbito privado – ou mesmo para o silenciamento – as lembranças, os percursos e os lutos de quem, num momento ou noutro, pareceu pertencer ao campo do terrorismo. Ou, de outro modo, que foi vítima do envolvimento do Estado em actos de violência e assassinato político ainda hoje bastante nebulosos. A mãe de Fausto Tinelli, um jovem de 18 anos assassinado com um colega por neofascistas depois de assistir a um concerto num centro social em Milão, afirma sentir-se «como a mãe de um desaparecido». Em nome da justiça e da verdade, De Luna propõe um caminho que esteja descentrado do nexo memória / vingança e que se poderia inspirar, salvo as devidas diferenças de proporção, nas comissões de verdade e reconciliação da África do Sul.
É curioso notar como Giovanni de Luna tem necessidade de elaborar de seguida um relato em Itália daquilo que Jameson e mais tarde Marwick chamaram «long sixties». Em primeiro lugar, diz-nos, isso serve para colmatar um excesso de memória individual, muitas vezes sussurrada, que frequentemente esbarra na ausência de quadros historiográficos nos quais ela se possa encaixar e adquirir inteligibilidade. Por outro lado, nota-se no texto a clara preocupação em mostrar que as novidades do contexto político-social do final dos anos sessenta e os anos setenta não se podem reduzir às Brigadas Vermelhas e à irreverência magmática de uma juventude fundamentalmente localizada nas universidades. Esta preocupação – e mais claramente as reflexões finais sobre o antifascismo e a erosão da política na vida italiana contemporânea – não deixam de nos dar um pequeno flash da Itália de hoje: independentemente do carácter plural dos «longos anos sessenta» (e setenta, portanto), o seu legado parece estar hoje, como um todo, numa posição defensiva e exterior aos discursos hegemónicos.
Giovanni de Luna (2009), Le ragioni di un decennio. 1969-1979. Militanza, violenza, sconfitta, memoria. Milano: Feltrinelli.