O interesse do empreendedor imobiliário do “Paço do Duque” em repor a placa evocativa dos jovens assassinados pela PIDE, em 25 de Abril de 1974, no local de origem, e em geral o interesse em preservar a memória da sede daquela polícia, deve ser tanto quanto o do Movimento Não Apaguem a Memória! ou de qualquer cidadão que preze a liberdade em promover a venda ou o aluguer dos apartamento de luxo do “Paço do Duque”. De modo que é natural que o empreendedor imobiliário registe no seu site que:
«A 25 de Junho de 1542 o Paço do Duque assistiu a uma grande festa de família: nada menos que as bodas do Duque D. Teodósio com a sua prima D. Isabel de Lencastre: os convidados eram numerosos e as ruas encheram-se de populares.»
E é igualmente natural que o Movimento Não Apaguem a Memória ! faça tudo o que estiver ao seu alcance para que o local da sede da PIDE/DGS não seja apagado da memória das gerações futuras. É que temos o dever de manter viva a memória da luta de muitos milhares de portugueses que por amor à liberdade ou por lutarem contra uma exploração desumana e uma vida de miséria, foram perseguidos, condenados ao desemprego e ao exílio, presos e torturados, condenados a muitos anos de prisão e à destruição da sua vida familiar, viram a sua saúde arruinada ou foram simplesmente assassinados pela polícia política do regime fascista.
No Paço do Duque, no século XVI, haveria duques e duquesas, festas sumptuosas, muitos convidados e populares na rua. Mas no “Paço” da PIDE, no século XX, havia trabalhadores, estudantes e intelectuais trazidos das prisões políticas ou das suas casas assaltadas pela madrugada por agentes da PIDE (que por vezes arrastavam com o preso a mulher e filhos menores) para serem submetidos à tortura do sono, à tortura da estátua, a choques eléctricos, a espancamentos, à chantagem da ameaça de tortura à mulher e aos filhos com a montagem de cenários com gritos de crianças, para que denunciassem os seus companheiros de luta.
É natural que o promotor dos apartamentos de luxo do Paço do Duque evoque o passado longínquo e convide os potenciais compradores a reviver a nobre memória da alta nobreza portuguesa que por ali passou e as bodas de D. Teodósio com a sua prima D. Isabel, no distante dia de 25 de Junho de 1542, e lembre que para os festejos «chegaram os embaixadores do imperador Carlos V de Áustria e do rei de França, Henrique II, tendo sido recebidos pelo Duque com grande cortesia.»
Mas o Movimento Não Apaguem a Memória! e certamente todos os se sentem solidários com a luta de tantos milhares de portugueses do “Terceiro Estado” que culminou com a libertação de 25 de Abril de 1974 têm o inalienável dever cívico de trazer à memória, não dos condóminos do Paço do Duque em especial, mas das gerações futuras de portugueses o que aquele local representou como instrumento da submissão de um povo. E de como é importante conhecermos a nossa História, não apenas a de glórias antigas, de Grandes Senhores e de fadas encantadas de um passado ancestral mas principalmente a de um passado recente prenhe de lições cívicas e políticas onde sobressai a altivez, a honra, o espírito de renúncia, a coragem e a combatividade de portugueses que se não submetiam às sevícias dos pides às ordens dos modernos duques do reinado de Salazar e Caetano.
Não pretendemos impedir que os futuros inquilinos a quem foram vendidos os condomínios de luxo sonhem com festas de duques e princesas e que em vez de tais fantasias sintam a casa assombrada com os gritos dos torturados. Mas temos a obrigação de lembrar que, se em 1542 o duque recebeu com grande cortesia os convidados e os populares que enchiam a rua, em 1974 os populares que na mesma rua exigiam o fim da polícia política foram por esta metralhados. Quarenta e cinco ficaram feridos e quatro viram a sua vida terminar ali no dia da libertação do seu país:
F. Carvalho Gesteiro, de 18 anos de idade, empregado de escritório, natural de Montalegre;
Fernando Luís Barreiros dos Reis, de 24 anos de idade, soldado, natural de Lisboa,
J. Guilherme Rego Arruda, de 20 anos de idade, estudante, natural dos Açores;
José James Harteley Barnetto, de 37 anos de idade, natural de Vendas Novas.
Temos, os mais velhos que viveram esses tempos, e os mais novos que tiveram a oportunidade de os conhecer, a responsabilidade de salvaguardar essa Memória para que as lições a tanto custo obtidas se não percam. Para que se evitem a tempo os caminhos que conduzam a perigos de idêntica natureza.
Por isto, simplesmente por isto, temos a obrigação de exigir que a placa com os nomes dos fuzilados de 25 de Abril de 1974, às mãos da PIDE/DGS, volte ao seu lugar.
Segunda-feira, 28.Dez.2009 at 01:12:20
Já disse neste blog que o «Não apaguem…» está em mãos palacianas. Este texto de quem julgo ser o seu presidente só confirma essa opinião, embora me pareça pelo que aqui leio que nem toda a direcção afina pelo mesmo diapasão.
Não seria de esperar tanta brandura, tanta complacência perante os factos consumados – a revolta por ali existir um condomínio de luxo DESAPARECEU???
Leio escandalizada que «Não pretendemos impedir que os futuros inquilinos a quem foram vendidos os condomínios de luxo sonhem com festas de duques e princesas e que em vez de tais fantasias sintam a casa assombrada com os gritos dos torturados.» Pretendemos, SIM! E contem comigo para que isso aconteça!!! Anunciem aqui o que farão e lá estarei.
Segunda-feira, 28.Dez.2009 at 09:12:58
Teresa Valadares temos opiniões diferentes. A minha afirmação de que o que me move não é perturbar os eventuais sonhos “palacianos” dos futuros habitantes do ”Paço do Duque” é apenas ditada pelo bom senso de quem não se dispõe a gastar nem “revolta” nem indignação com assuntos colaterais e anda aqui a tratar de outra coisa mais séria: salvaguardar, o que ainda for possível da memória da sede da PIDE e de modo mais geral da luta de 48 anos de muitos portugueses contra a ditadura fascista.
35 anos após o 25 de Abril quase nada há neste país sem memória, feito pelos poderes públicos , para a preservação da memória da luta contra a ditadura em contraste aliás com toda essa Europa.
De modo que o seu entusiasmo é excelente mas aconselho-a a poupar a “revolta” e a indignação porque vai ser necessário mantê-la numa acção longa e difícil.
Não levo a mal a sua avaliação “palaciana” do NAM e das mãos em que se encontra. Acho-a errada apesar de legítima e tomo-a como uma fogosa manifestação de combatividade.
Palavras de entusiasmo são boas e em geral ajudam mas o que mais falta no Movimento Não Apaguem a Memória – NAM são pessoas com tempo e disponibilidade para trabalhar. A actividade que desenvolvemos no NAM é um trabalho de longo fôlego que assenta na perseverante militância de muitos activistas que nos antecederam e não se compadece com fogachos de entusiasmo (não estou a insinuar que seja o seu caso) e exige muita determinação.
O que interessa é atingir os objectivos e para isso é necessária uma adequada articulação daquilo que julga ser “palaciano” com a actividade mais exuberante e indispensável da pressão da rua, da pressão cidadã.
Não sei se está inscrita no NAM. Se não está aconselho-a a faze-lo no seu site http://maismemoria.org e colaborar numa das suas iniciativas, nomeadamente no projecto do memorial que procuramos realizar na Rua António Maria Cardoso e é um dos objectivos centrais do programa da actual direcção.
Obrigado pelo comentário.
Terça-feira, 29.Dez.2009 at 12:12:38
Raimundo
Discordo quando dizes que eventuais iniciativas para «perturbar os sonhos» dos futuros habitantes do P. do Duque façam gastar revolta ou indignação necessárias para fins mais nobres.
Muito pelo contrário, essas acções podem potenciar outras e são importantes em si mesmas – e não colaterais, na minha opinião. Por exemplo, parece-me extremamente interessante a divulgação de panfletos a esses futuros habitantes, como o João Tunes propôs aqui:
https://caminhosdamemoria.wordpress.com/2009/12/26/a-placa-ja-esta-na-sede-da-pide-%E2%80%93-mas-mal-se-ve/#comment-2363
Segunda-feira, 28.Dez.2009 at 05:12:46
Raimundo
A lenga lenga do costume?
Pinchem-se as paredes
Pintem-se morais
Eu estou disponível
O que é preciso é passar naquela rua e ver
Lembrar os que tombaram
E todos os que por ali sofreram
Por lutarem pela Liberdade
Honrar os seus nomes
A memória de um povo
Não se reduz a uma placa
A placa é o supérfluo
A expressão revolucionária,
E é disto que se trata, pode concretizar-se
Por um simples panfleto
Colado num candeeiro
Uma faixa,
Um simples ponto de interrogação
Pintado no chão
Porquê?
Porque não?
Segunda-feira, 28.Dez.2009 at 10:12:54
Não estou certo de que Fernandes se trate, conheço mais que um, se é aquele.. aquele em que estou a pensar aí vai um abraço e a sugestão de que apareças nas iniciativas do NAM.
Quanto a aspectos teórico-doutrinários sobre a memória que andamos a querer guardar já gastei a tinta toda no comentário ao comentário mais acima.
Abraço mais uma vez.
RN
Terça-feira, 29.Dez.2009 at 01:12:44
Essencial, para mim, no texto do Raimundo Narciso, é a identificação e a memória concreta dos últimos 4 assassinados pela PIDE/DGS “no dia da libertação do seu país”:
F. Carvalho Gesteiro, de 18 anos de idade, empregado de escritório, natural de Montalegre;
Fernando Luís Barreiros dos Reis, de 24 anos de idade, soldado, natural de Lisboa,
J. Guilherme Rego Arruda, de 20 anos de idade, estudante, natural dos Açores;
José James Harteley Barnetto, de 37 anos de idade, natural de Vendas Novas.
Tiveram um nome, um rosto, e uma vida, como os que os antecederam. Acabada por um polícia política que agiu nos mais variados campos. Concentremo-nos no essencial, a ser lembrado na placa e no memorial.
Terça-feira, 29.Dez.2009 at 03:12:55
Se houvesse entre nós uma lei da Memória Histórica, que até poderia ser inspirada na espanhola, embora as duas situações sejam muito diferentes, esta questão poder-se-ia resolver mediante recurso aos tribunais. Sem a dita lei, com base apenas na Constituição, será difícil, embora não seja impossível. Tude depende de quem julga…
A minha sugestão é a seguinte: já se viu que em tudo que meta economia não se pode contar com Sócrates para fazer uma política sequer de centro-esquerda, mas, curiosamente, nas questões que não tratem directamente de dinheiro Sócrates é muito mais aberto do que qualquer outro Primeiro Ministro. Por que não sondá-lo sobre a a hipótese de uma lei da Memória Histórica?
JMCPinto
Terça-feira, 29.Dez.2009 at 06:12:34
Estou longe do país e nada de concreto posso fazer para participar no esforço desse colectivo, no sentido de manter a lembrança do que foi a generosidade e a coragem dos que ousaram bater-se pela emancipação do homem, no cenário concreto da ditadura salazarista.
É por isso que não me vou por para aqui a largar postas de pescada, e venho apenas saudar todos pela generosidade de hoje, que entendo sempre, ainda como um sinal de disponibilidade para amanhã. Que é como quem diz: para o que der e vier. Que os tempos são de maus prenúncios. Oh, se são!
nelson anjos