Após a chegada de vários comentários ao que escrevi no anterior post, que muito agradeço, gostaria de assinalar em primeiro lugar que algo vai mal na nossa democracia argumentativa. Situação aliás que tem a ver com a enorme fraqueza da nossa sociedade civil. De facto, alguns comentadores, cuja opinião têm todo o direito de defender, tal como eu tenho todo o direito de defender a minha, não conseguem argumentar, sem recorrer ao rótulo, por vezes insultuoso. «Cruzada indigna», «sectarismo», «fundamentalismo», defesa de «uma memória “antifascista”» (com as devidas aspas) são só alguns dos epítetos que têm sido lançados nos comentários. O interessante de um ponto de vista político é que não se distinguem pela área ideológica de onde provêm.
Além desta observação, gostaria também de referir algumas questões que, entre outras, me sugerem alguns comentários e servem de pretexto para explicitar melhor a minha ideia.
1 – Nunca pretendi que a fortaleza de Peniche ficasse exactamente como está, ao abandono, como realmente se encontra. A responsabilidade por esse estado é da autarquia e do Estado central. Numa visita que lá fiz, verifiquei que a pobreza «museológica» é total e que pouco serve para preservar a memória. Por isso, como muitos outros, já defendi que devia ser ali erguido um espaço museológico «a sério», actual e com preocupações estéticas, bem como pedagógicas. Essa defesa vem na mesma linha daquela que, com outros companheiros do «Não Apaguem a Memória!», temos vindo a fazer de outros espaços museológicos, não só onde funcionavam o tribunal plenário de Lisboa, na Boa-Hora, a sede da PIDE/DGS, na Rua António Maria Cardoso, como noutras sedes de delegações dessa polícia política e, em especial, na cadeia do Aljube e o campo de concentração do Tarrafal, onde estamos a tentar intervir.
2 – Por outro lado, verifico por alguns comentários que, segundo a opinião de alguns elementos ou apoiantes de um determinado partido, o PCP seria o guardião da memória do período ditatorial. Nada de mais falso. A memória é de todos, e não só devido ao facto de ter havido ao longo dos anos, em Peniche, bem como outros locais de repressão, muitos outros presos de partidos diferentes – anarquistas, «reviralhistas», republicanos e militantes de movimentos de libertação das ex-colónias portuguesas e dos chamados movimentos e grupos da extrema-esquerda e de luta armada. Também, e sobretudo, porque a preservação da memória se faz no presente, a pensar no futuro, envolvendo gerações que nada têm a ver com essas organizações.
3 – Outro argumento, que não aceito, é o de que eu não poderia defender a preservação de Peniche como espaço de memória, sem ser obrigada também, por exemplo, a defender o período anterior em que o forte serviu de fortaleza. O mesmo argumento já tinha aliás sido utilizado relativamente ao edifício da Rua António Maria Cardoso, que, antes de ser sede da PIDE, teve outras valências. Se quiserem defender essas memórias anteriores, que o façam. Tenho direito a escolher os meus objectos de defesa, ou não? Só posso garantir que expressarei essas ideias, sem recurso a «cruzadas», pois sou laica.
Quarta-feira, 01.Out.2008 at 04:10:47
Cara Irene Pimentel,
sou um dos que se recusou a aderir a uma causa mal explicada e aparentemente precipitada. No entanto tenho todas as razões para ser defensor do respeito pelas memórias da luta pela liberdade em Portugal.
Perdoar-me-á mas não gosto que se tomem como óbvios certos pressupostos, normalmente preconceitos, e que se estimatize quem apenas pretende tornar a argumentação mais sólida para ser mais eficaz.
Aquilo que me parece é que está a argumentar como se fosse evidente que:
– a memória só será respeitada se o lugar não tiver qualquer uso que não seja do tipo museológico
– as actividades hoeteleiras conduzidas por entidades privadas têm, por definição, um carácter incompatível com a história do local
– quem frequenta “Pousadas de Portugal” tem hábitos de consumo que tornam pouco provável que se interesse pelos conteúdos museológicos projectados
– o facto de a autarquia de Peniche ser gerida por elementos ligados ao PCP não dá, à partida, qualquer garantia de respeito pelas memórias do Forte de Peniche
Eu não partilho este tipo de pressupostos, quanto mais “puro” for o projecto mais depressa estiolará.
A memória que, não tenhamos ilusões, dentro de algum tempo se desvanecerá, façamos nós o que fizermos, não passa no essencial pelo fetichismo dos locais.
Um grande filme ou alguns bons romances guardariam bem melhor as nossas histórias, que nós naturalmente sobrestimamos, para os vindouros.
Quarta-feira, 01.Out.2008 at 05:10:47
Desculpe, mas detesto – como toda a gente, presumo eu – que ponham palavras, que nunca proferi, na minha boca. E a sua argumentação é tão tão geral, que se esquece de mencionar o caso em concreto – o forte de Peniche.
Quanto aos argumentos que colocou na minha boca:
– «a memória só será respeitada se o lugar não tiver qualquer uso que não seja do tipo museológico»
– não. Há muitos outros meios de a preservar, mas, segundo penso, no caso concreto, dado que se trata de um local de memória, passa por aí.
– «as actividades hoteleiras conduzidas por entidades privadas têm, por definição, um carácter incompatível com a história do local»
não. Já agora, digo-lhe que gosto de hotéis e sou defensora da propriedade privada, e da propriedade pública. É o que é o forte de Peniche e, por isso, se pode e deve discutir publicamente o seu uso.
– «quem frequenta “Pousadas de Portugal” tem hábitos de consumo que tornam pouco provável que se interesse pelos conteúdos museológicos projectados»
não. Sou frequentadora das “Pousadas de Portugal”, mas jamais escolherei a do forte de Peniche se alguma ali for construída.
– «o facto de a autarquia de Peniche ser gerida por elementos ligados ao PCP não dá, à partida, qualquer garantia de respeito pelas memórias do Forte de Peniche»
E era isso que gostaria verdadeiramente que eu dissesse, nao era? E porque haveriam de dar, «à partida», garantia nesse sentido? Neste caso, não faço qualquer discriminação consoante os partidos. Não encaro os autarcas como uma «entidade colectiva», em que os de um partido sejam superiormente moldados para a preservação da memória, e outros não.
Quarta-feira, 01.Out.2008 at 05:10:53
Caros Irene Pimentel e
Fernando Penim Redondo,
Partilhando inteiramente dos argumentos que têm sido aduzidos pelo Fernando Penim Redondo, permito-me apenas sugerir, aproveitando eventualmente a audiência solicitada à Câmara de Peniche pela Direcção do Movimento «Não Apaguem a Memória!» com o objectivo de conhecer em concreto o projecto (e que, enquanto mero cidadão natural e residente em Peniche, estou certo, será de bom grado concedida pelos seus responsáveis) uma visita detalhada à Fortaleza de Peniche.
E já agora, uma vez vez que é de património e da preservação de bens culturais que afinal falamos, permito-me ainda sugerir a visita ao Forte de S. João Baptista, nas Berlengas, e ao Forte de Nossa Senhora da Consolação.
Estou em crer que uma visita assim contextualizada permitirá perceber melhor a importância da recuperação da Fortaleza de Peniche, fulcral para o desenvolvimento desta cidade, sem que isso constitua necessariamente qualquer tentativa por parte dos seus habitantes ou responsáveis autárquicos de apagar as suas memórias.
Um abraço.
Quarta-feira, 01.Out.2008 at 06:10:56
Correndo o risco de abrir aqui de novo uma caixa de Pandora quando os comentários parecem agora tão «racionais», depois de várias horas a ler tudo o que foi escrito sobre o primeiro post da Irene e a conversar com várias pessoas, cada vez me parece que a grande divergência se situa ao nível da SENSIBILIDADE. Podem mostrar-me todos os planos (e vê-los-ei com a maior atenção), dizer quem é ou não responsável de quê, provar-me que se trata de uma facto consumado, mas nada apagará, nem quero que apague, a repulsa do primeiro momento.
Vou entrar agora no domínio da heresia e do impensável: o que eu realmente queria era que lá existisse um museu pequeno ou grande – o possível. E que todos pagássemos para que o resto fosse restaurado e mantido como um enorme espaço aberto, vazio, de silêncio.
Quarta-feira, 01.Out.2008 at 07:10:33
Cara Irene Pimentel,
eu sei que nunca disse textualmente os pressupostos que eu listei mas, como muito bem sabe, qualquer discurso tem sempre implícitos vários “não ditos”.
Por vezes é importante desenterrar esses “não ditos” para desobstruir a troca de ideias.
Não tive, nem tenho, a intenção de atingir uma pessoa que me merece a maior consideração mas, por princípio, não dou cheques em branco. Talvez uma das maiores pechas da nossa democracia seja a incapacidade, que revelamos demasiadas vezes, de lidar com opiniões adversas.
Dito isto volto à posição que mantenho desde o início: quero saber mais sobre o projecto e admito, à partida, quer a rejeição quer a aceitação. Parece que o arquitecto é o Siza o que deveria ser um bom sinal.
Eu conheço grande parte das pousadas e considero que algumas são excelentes casos de recuperação e revalorização dos monumentos. Mesmo quando eles têm história “pesada” e muita dignidade arquitectónica.
O que eu vejo pelo GOOGLE Earth, em Peniche, é um edifício enorme onde não me parece impossível criar uma área hoteleira relativamente isolada.
Penso que a “Não apaguem a memória” podia, e devia, exigir que o projecto hoteleiro só fosse viabilizado se apresentado em conjunto com um projecto museológico complementar.
É a única forma de perceber como os dois poderiam conviver.
Domingo, 05.Out.2008 at 11:10:57
Curiosamente, a Srª Irene Pimentel no seu livro “A história da PIDE”, com 575 páginas nunca utilizou a palavra fascismo para classificar a ditadura salazarista.
Preferiu sempre o eufemismo criado por salazar, Estado Novo, em detrimento de Estado Fascista.
Estranho, também, é a orientação escolhida por Irene Pimentel: Fernando Rosas e Pacheco Pereira, que tal como a PIDE, têm uma estrutura mental anticomunista.
Concluo, com este dama ofendida da Irene Pimentel ao atacar a câmara de Peniche, que afinal hà quem tenha mais habilidade do que outros para apagar e alterar (às vezes é mais grave)a memória.
Afirmo sem qualquer preconceito porque é verdade, em Portugal, Srª Pimentel, tivemos um Estado Fascista, e não um Estado Novo.
Sexta-feira, 31.Out.2008 at 12:10:15
Descobri este blog agora e acabei por chegar aos comentários a este assunto.
E o que me ocorre, lendo o comentário de Mário Figueiredo, análogo na substância a vários outros que se podem encontrar pela net sobre o trabalho de Irene Pimentel, é que há quem nunca se liberte da pulsão para usar o Paint Shop Pro de cada vez que vê uma fotografia em História que mostre as bexigas da cara do querido líder…