Um texto de Fernanda Paraíso (*)
Há 66 anos morria no, Tarrafal, Bento António Gonçalves, secretário-geral do PCP desde 1929. A sua morte ocorreu a 11 de Setembro de 1942, conforme indica o director do Campo, capitão Olegário Antunes, numa nota enviada ao director da PVDE. Nessa nota pode-se ver que Bento Gonçalves terá falecido às 19 horas e 30 minutos do dia 11, «vitimado por febre biliosa hemoglobinúrica» (IANTT, SPS- 1664 – NT 4318 – f.36).
A esse respeito escreveu Manuel Francisco Rodrigues, prisioneiro no Tarrafal de 1941 a 1945:
«E é este homem, glória do Trabalho Português, este artista por excelência, que agora está dentro do caixão, amarelo, em decomposição já, morto pela biliosa, executado pelo carrasco mosquito em nome da ditadura … A morte é um imperativo categórico, o fim inevitável da vida. Todos os seres humanos caminham para essa interrogação sepulcral. A morte não deve, pois, causar-nos espanto … mas este homem não morreu … este homem foi assassinado!… Foi vítima de um crime de homicídio premeditado porque só veio para o Tarrafal da Morte para morrer!… – E porquê?… Qual fora o seu delito?…
Era membro de um partido político de trabalhadores, cujos meios se podem discutir e criticar, mas cujo fim era a paz social pela garantia a todos os seres humanos duma vida digna, alegre e feliz! … E esse desejo de paz abrangia toda a gente, não era um exclusivo, pois até os próprios que o mandaram assassinar nada perderiam se a miséria, a indigência e a ignorância desaparecessem da superfície da Terra…»
(Tarrafal, aldeia da morte, o diário da B5, Lisboa, 1974, pág. 95)
Manuel Francisco Rodrigues não pertencia ao PCP, considerava-se a si mesmo um «tolstiano». Mas, as suas palavras eloquentes e o elogio que dedica a Bento Gonçalves são recorrentes em todos os testemunhos que recolhi sobre Bento – incluindo os dos cinco sobreviventes que entrevistei -, independentemente da sua coloração partidária.
Miguel Wager Russell, militante comunista desde 1931 e que esteve preso no Tarrafal de 1937 a 1946, descreve assim a morte de Bento Gonçalves:
«Habituáramo-nos a ver no respeitado dirigente comunista o revolucionário indómito que não verga e vence todas as provações, até mesmo a morte. Contávamos com ele como os filhos fantasiam a imortalidade dos pais, […] a crua verdade, porém, desmoronara as nossas ilusões. O nosso luto era entranhado – luto carregado, luto maior que nos acompanharia pela vida fora.
No decurso dos cinco anos vividos no Campo de Concentração até à sua morte, Bento Gonçalves foi o companheiro sempre atento aos problemas colectivos que surgiam na nossa vida diária e o dirigente firme e cativante que incutia ânimo aos que o rodeavam, ajudando-os como amigo devotado a superarem as suas insuficiências culturais e a valorizarem-se como militantes revolucionários.»
(Recordações dos Tempos Difíceis, Lisboa, 1976, pág. 116)
(*) Biografia de Fernanda Paraíso
Domingo, 14.Set.2008 at 12:09:18
Olá Fernanda bonito post. Na minha tragetória política no PCP durante muitos anos, na clandestinidade, o nome de Bento Gonçalves era venerado e frequentemente lembrado no Avante e n’ O Militante mas pouco depois de 25 de Abril de 1974 o seu nome praticamente desapareceu da imprensa e da Memória do PCP? Porquê? Há quem creia que se trata de uma decisão de Cunhal. Aliás não podia ser de outro modo. Mas porque razões? Especula-se que o “lendário” prestígio de Bento pudesse fazer sombra ao crescente prestígio de Cunhal.
Sobre o Tarrafal ouvi muitas conversas e memórias do último prisioneiro a regressar de lá e que passou alguns meses sozinho no Campo, Francisco Miguel Duarte. Isso passou-se durante o mes e meio que viveu comigo e a Maria, na nossa casa clandestina em Benfica, na Rua dos Soeiros,enquanto não arranjou ele próprio com uma “companheira” de empréstimo, funcionária do PCP, com o marido preso em Peniche, uma “casa do partido”.
Domingo, 14.Set.2008 at 12:09:53
Trajectória com g fica muito mal. Por favor imaginem um j no sítio do g daquela “trajectória” no comentário anterior.
Sábado, 20.Set.2008 at 11:09:11
O (camarada) que acima se identifica por RN tem o dever de respeitar a memória destes dois camaradas a que se refere porque lutaram por causas e que ambos merecem o nosso respeito. Viva o Partido Comunista Português. AC.
Sábado, 20.Set.2008 at 01:09:53
ALC, O seu comentário pressupõe que não respeitei a memória de 2 dos 3 dirigentes comunistas referidos. Creio que se refere a Cunhal e Francisco Miguel. Mas não vejo onde encontrou falta de respeito à sua memória? Para cabal esclarecimento desafio-o a explicar-se melhor com a garantia que da minha parte encontrará toda a disponibilidade para o ajudar.Sem acrimónia.
Raimundo Narciso
Sábado, 20.Set.2008 at 04:09:03
Meu caro Raimundo Narciso. Não estava à espera que me desses resposta mas por vistos o “camarada” gosta de “polémicas” mas eu não vou por aí porque ao me assumir militante comunista tenho consciência de classe e política e como tal estou afim a dialogar mas não em termos de mológano. Como disse em relação aos camaradas falecidos, que em vida lutaram pela liberdade do meu país na alvorada do 25 de abril de 1974, aqui e agora lhes deixo o meu respeito e homenagem. Viva o Partido Comunista Português. AC
Sábado, 20.Set.2008 at 11:09:12
Caro António Luís Carvalho, não se trata creio eu, de polémica. Conversamos aqui na caixa de comentários do blog e desde que o façamos com educação e cortesia podemos livremente discutir ideias ou esclarece-las.
No respeito àquelas três pessoas parece que não divergimos. Como acabou por não explicar o que no meu comentário representaria a seu ver menos respeito por aquelas pessoas é difícil dialogarmos.
Ter feito Álvaro Cunhal uma gestão cuidada da sua imagem, como agora se diz? Sem dúvida, como político talentoso. Que a tenha feito à custa da imagem ou projecção do muito prestigiado Bento Gonçalves é uma dúvida que existe com algum fundamento,(evocando certamente “boas razões”) entre quem conheceu de perto Cunhal, sacralizado para o fim da vida pelos mais “religiosos” dos seus camaradas. A Francisco Miguel ligaram-me sempre respeito, estima e amizade. Talvez o tenha impressionado negativamente a minha afirmação de que ele “viveu comigo … na nossa casa clandestina… enquanto não arranjou ele próprio com uma “companheira” de empréstimo, funcionária do PCP, com o marido preso em Peniche, uma “casa do partido”.
Era uma situação normal na clandestinidade sem nada de negativo ou “pecaminoso”. Viviam na mesma casa, fingiam para o exterior que eram marido e mulher, para poder, na clandestinidade, ter uma casa ponto de apoio logístico do partido. Nada mais. Aliás, no caso dele, logo que o marido da funcionária do partido que simulava ser sua mulher foi libertado de Peniche “desfez-se” a
casa e o suposto casal para que lógicamente marido e mulher voltassem a viver em comum.
Domingo, 28.Set.2008 at 02:09:16
Meu caro Narciso Raimundo, tenho muito gosto em voltar ao diálogo consigo. Em relação à sua resposta anterior não merece da minha parte qualquer comentário. Por mais bem intencionado que tenha sido, de uma coisa estou certo: não gosto de “vira casacas”. Diz-me que não diverge quanto ao dever da memória, o respeito pelos camaradas falecidos: Bento Gonçalves, Francisco Miguel, com quem manteve relacionamento e Alvaro Cunhal. Com este, por que me apercebo existiram divergências que o levaram a abandonar o partido comunista e mais tarde a fazer parte das listas do partido socialista nas legislativas de 1995, nas quais foi eleito deputado à assembleia da república. Estou certo ou estou errado? Como já se apercebeu, estou a par do seu percurso politico e como tal o apelidei de “vira casacas” porque sempre que tem havido dissidentes no PCP é por e simplesmnte por oportunismo. Tenho dito. BEM AJA. AC.
Domingo, 28.Set.2008 at 02:09:19
Peço desculpa pelo BEM AJA no comentário anterior. BEM HAJA com H é que está correcto.AC.
Segunda-feira, 29.Set.2008 at 05:09:48
Cara Fernanda Paraíso,
Parabéns pelo post.
Fraternais saudações democráticas
Saúde, felicidades e bom trabalho
Segunda-feira, 29.Set.2008 at 05:09:03
Caro Raimundo,
Sobre os teus comentários sobre o Álvaro e o Bento só me apetece dizer «não havia nechechidade»…
Aliás sabes perfeitamente que não foi assim. As divergências políticas, parafraseando o José Junqueiro do PS aqui de Viseu, não justificam tudo.