Ontem, 3 de Fevereiro, passaram 56 anos sobre os acontecimentos que ficaram conhecidos como Massacre de Batepá. Agitando o perigo de uma conspiração comunista visando criar um governo dos nativos de S. Tomé, o governador Carlos Gorgulho fomentou uma onda de repressão que resultou num número ainda hoje indeterminado de mortos.
Muitos foram abatidos a tiro, em verdadeiras caçadas levadas a cabo por milícias de voluntários. Diversos foram queimados. Alguns morreram asfixiados em celas demasiado pequenas para o número de presos que continham. Muitos foram sujeitos a trabalhos forçados na praia de Fernão Dias. Um dos castigos consistia em «vazar o mar»: presos com correntes, eram obrigados a entrar no mar para encher grandes selhas de água salgada, apenas para as despejar em terra, pouco depois.
Interrogados sob tortura, chicoteados, submetidos à utilização de uma cadeira eléctrica, os presos eram obrigados a confessar o seu envovimento numa revolta que pretenderia matar o governador e os colonos e distribuir entre si as mulheres brancas. Mais tarde, a própria PIDE havia de negar a existência da conspiração referida pelo governador.
Crónica de uma guerra inventada, de Sum Marky, retrata esses acontecimentos, a que poetisa Alda Espírito Santo dedicou, entre outros, o poema Onde estão os homens caçados neste vento de loucura:
O sangue caindo em gotas na terra homens morrendo no mato e o sangue caindo, caindo... Fernão Dias para sempre na história da Ilha Verde, rubra de sangue, dos homens tombados na arena imensa do cais. Ai o cais, o sangue, os homens, os grilhões, os golpes das pancadas a soarem, a soarem, a soarem caindo no silêncio das vidas tombadas dos gritos, dos uivos de dor dos homens que não são homens, na mão dos verdugos sem nome. Zé Mulato, na história do cais baleando homens no silêncio do tombar dos corpos. Ai, Zé Mulato, Zé Mulato. As vítimas clamam vingança O mar, o mar de Fernão Dias engolindo vidas humanas está rubro de sangue. - Nós estamos de pé - nossos olhos se viram para ti. Nossas vidas enterradas nos campos da morte, os homens do cinco de Fevereiro os homens caídos na estufa da morte clamando piedade gritando pela vida, mortos sem ar e sem água levantam-se todos da vala comum e de pé no coro de justiça clamam vingança... ... Os corpos tombados no mato, as casas, as casas dos homens destruídas na voragem do fogo incendiário, as vias queimadas, erguem o coro insólito de justiça clamando vingança. E vós todos carrascos e vós todos algozes sentados nos bancos dos réus: - Que fizeste do meu povo?... - Que respondeis? - Onde está o meu povo? ...E eu respondo no silêncio das vozes erguidas clamando justiça... Um a um, todos em fila... Para vós, carrascos, o perdão não tem nome. A justiça vai soar, E o sangue das vidas caídas nos matos da morte ensopando a terra num silêncio de arrepios vai fecundar a terra, clamando justiça. É a chamada da humanidade cantando a esperança num mundo sem peias onde a liberdade é a pátria dos homens... (É nosso o solo sagrado da terra)
Quarta-feira, 04.Fev.2009 at 12:02:46
Portugal e os seus brandos costumes!
A violência e o espírito sanguinário de muitos de nós foi-se marcando pontualmente ao longo dos séculos. Umas vezes por motivos políticos, outras por motivos religiosos, outras para afirmação de poder, outras ainda por puro gozo.
E durante a Guerra Colonial quantos (pequenos ou grandes) massacres aconteceram! Enquanto estive em Moçambique lembro-me, por exemplo, de Wiriamu e, pouco depois de me vir embora, o de Inhaminga.
Mas hoje é aqui assinalado um massacre que eu desconhecia. Mais um que não poderá ficar esquecido e que marcará para sempre a nossa História, desmentindo o antigo conceito de portugalidade que nos irmanaria do Minho a Timor.
Na verdade é este o tal Povo dos brandos costumes!
Quinta-feira, 05.Fev.2009 at 03:02:41
A propósito deste massacre, desejo lembrar o nome de Manuel João da Palma Carlos que teve a coragem de se deslocar a São Tomé, fazer aí um levantamento do que se havia passado e, de regresso, ter pressionado quanto lhe foi possível para que, aos responsáveis daquela chacina, fossem atribuídas as correspondentes responsabilidades e ao acontecimento a devida denúncia pública.
Julgo que o Partido Comunista activou e fez os protestos que se impunham e que, em boa parte, graças a ele, aquela matança foi mais largamente conhecida.
Eu não tenho elementos que cheguem para falar apropriadamente do Massacre de Batefá, nem do Palma Carlos, mas no link http://www.lusotopie.sciencespobordeaux.fr/seibert97.rtf
há uma descrição detalhada de tal acontecimento, embora, aí seja muito episódica a referência a M. J. da Palma Carlos, o advogado que eu queria lembrar.
Não estou em condições de saber da pertinência deste texto, o do link, claro, e se corresponde ou não, com verdade, ao quadro então existente e ao que se passou.
Quinta-feira, 05.Fev.2009 at 03:02:16
Muito obrigada, José Eduardo de Sousa, pela sua referência ao Dr. Manuel João da Palma Carlos e à sua acção no caso do Massacre de Batepá. Ao deixar o nome do romance de Sum Marky tinha a esperança de que os leitores fossem levados a lê-lo – e aí tomassem conhecimento das muitas coisas que ficaram fora da minha curta chamada de atenção para a efeméride, incluindo da actuação desse advogado português. (Relendo recentemente o livro, não pude deixar de pensar que – como tantas outras histórias do nosso passado recente – daria um magnífico filme.)
No texto que indica – e que igualmente recomendo – a referência feita a Palma Carlos parece-me bastante mais exígua do que a memória que dele perdura em S. Tomé, entre os que recordam os acontecimentos de Batepá.
Quinta-feira, 05.Fev.2009 at 07:02:14
Excelente este exercício de memória!
Quarta-feira, 03.Jun.2009 at 02:06:49
Parabéns seu blog é d+ me ajudou muito no meu trabalho!!!! parabéns
Sexta-feira, 24.Jul.2009 at 03:07:30
Não basta ler o livro de Felicia Cabrita. É preciso saber quanto o homem de Santa Comba era desprezível. Ao provocar conflito entre os colonos cadastrados e analfabetos – alguns nem a 3ª classe possuiam – e os são tomenses que ascendiam ao funcionalismo público estava a acirrar a fogueira. Deitou-lhe depois Carlos Gorgulho, um assassino analfabeto envergando uma farda e fazendo pose de sábio, fazendo crer ás mentes encarneiradas que Portugal é um país de brandos costumes quando não nos faltam exemplos aviltantes cuja desonestidade do Estado Novo bem como algumas pressões a seguir ao 25 de Abril nunca deixaram ensinar na escola.
O colonialismo português não passa de uma abjecção tardia que até ignorou a Conferência de Bandung e fez com que fôssemos envegonhados a nível internacional. Nada de extraordinário, é uma herança que ainda hoje mantemos bem activa.
Terça-feira, 02.Fev.2010 at 05:02:31
correm me lagrimas,cada vez que leio algo sobre isso principalmente quando escuto um dos poemas celebre em homenagens a eles.
pequino trecho de uma poena escrito pela ANA MARIA.
” homens encoraçalhados nas selas da morte
inertes sem vida, sem ar
clamando pela ar que não vinha e pelo ar que ñ tenha”
” tu zé mulato que mal de fizeram eles
que mal de fizeram os teus irmãos
para serem assim troturando
e maltradado.
tu zé mulato que nem mereces ser chamando
filho desta terra e nem deste povo que com as tuas mão assassimas troturates e massacretes os teus irmão!”
amanha sera recordado muito dos que la ficaram ……