A Sarah P. Saint-Maxent tem 17 anos e é aluna do 12º ano de uma escola secundária de Lisboa. Como ela explica, participou recentemente numa visita à Fortaleza de Peniche e deixa aqui as suas impressões. Como também refere, tive ocasião de a acompanhar, juntamente com professores e cerca de cinquenta colegas e, alguns dias antes, de com eles conversar sobre repressão durante o Estado Novo, censura, prisões e tortura. Que ninguém me venha dizer, nos tempos mais próximos, que os jovens não se interessam por estas matérias: durante noventa minutos, não houve qualquer manifestação de indisciplina, apenas vi olhares atentos e interessados, só ouvi perguntas precisas e pertinentes. Joana Lopes
Um texto de Sarah P. Saint-Maxent
Esperava algo um bocadinho diferente do que foi…
Eu explico; terça-feira passada fui até Peniche, em visita de estudo, ao «Museu da Resistência»… muito bem acompanhada. Antes de mais posso, então, referir as particularidades desta visita: primeiro, não seríamos acompanhados pela guia do Museu, mas antes por um ex-preso da cadeia, que funcionava no Forte de Peniche durante o Estado Novo, Picão de Abreu, e pela Joana Lopes que nos dera uma conferência mais que esclarecedora na sexta-feira anterior sobre o regime ditatorial, a repressão e a respectiva resistência, etc, enfim, um cheirinho introdutório à «matéria», que deixava de o ser. Segundo, foi a primeira vez, em doze anos de escola, em que assisti a alunos de outras turmas pedirem para nos acompanhar numa visita de estudo. Deixou, assim, de ser uma «aula» de História e passou a ser um passeio cultural, para formar cidadãos, pôr gente a pensar e confrontar meninos – porque o somos! – com a sua própria história.
Na minha cabecinha ingénua, encontraríamos, portanto, um Museu «decente» – ou seria mais apropriado dizer Museu, simplesmente?! – e teríamos, aliada a toda uma panóplia de documentação e afins, a grande oportunidade de ouvir a experiência de pessoas ligadas ao local. Seríamos, portanto, a minoriazinha mais pequena, e mais sortuda.
Bem tento encontrar palavras para descrever o que encontrei, mas é-me difícil, tal a decepção. Depois de uma pequena introdução, visitámos o pátio: «Muito bem, começo como todos os outros, uma explicação do que se passava quando ali funcionava o pátio da prisão…». A partir daí, só consegui achar «deprimente», acho que é o termo, toda aquela instalação.
Visitámos as antigas celas: além de documentos que poderiam ser muito mais aproveitados, em placards piores que os existentes das escolas (eheh), quase invisíveis a quem passasse, nas paredes, as celas não têm nada. Ou melhor, antes não tivessem. Um bonequinho, sentado a uma secretária, vestido e composto, de ar sereno, é a única presença naquele espaço. Saí dali com um único sentimento: que maneira de ridicularizar, de infantilizar todo aquele local que se anuncia, e não poderia ser de outra forma, pesado e sóbrio, carregado de história(s) dura(s). Da salinha com os desenhos de Álvaro Cunhal, nem vale a pena falar: ficar mais de 20 segundos ali era acto heróico, tal o cheiro tóxico a tinta que pairava.
O «Segredo», a cela de isolamento da prisão, tem como única informação uma placa que nos dá o resumo de como foi orquestrada a fuga de Dias Lourenço. Nada mais. Mesmo assim, não deixa de ser arrepiante visitar o espaço; imaginar-me dias e dias fechada naquele cúbiculo, sem luz, sem vozes, sem nada.
Por último, somos de novo confrontados com bonequinhos, desta feita sentados como um preso que espere a família ou a visita, no «Parlatório». Ultrapassado o novo choque, e esquecendo o tal rídiculo, quedo-me a observar os documentos que ilustram as paredes: cartas censuradas, de filhas para pais na prisão; regulamentos de visita; castigos aplicados… Não me consigo imaginar num local assim, num país de regime como este que me é apresentado, sofrendo castigos por me expressar, por dar largas àquilo que mais prezo, à minha liberdade individual. O «Parlatório» e a sala contígua, com documentação sobre o Estado Novo, parecem-me (ainda!) mais subaproveitados que a restante prisão. Ou melhor, os documentos que aí estão exibidos, que não têm melhor tratamento do que aqueles que forram a ala das celas, nos belos placards.
Por isso tudo, esperava algo diferente, algo melhor. Foi uma desilusão, depois de toda a enorme expectativa que criara. Mas não posso dizer que não foi produtivo. Saí de lá, embora o pudesse ter atingido em qualquer outro local, um bocadinho mais consciente de quão dura, opressiva e cruel era a opressão do regime. E todos aqueles com quem falei me afirmaram o mesmo.
Saí de lá um bocadinho mais crescida, mais pensativa, mais crítica. Para isto não contribuiram os bonequinhos ou as celas, os documentos em exposição, mas sim os testemunhos que ouvi; a reacção que podemos imaginar de quem teve, de alguma forma, uma relação com aquele local.
Sexta-feira, 12.Dez.2008 at 07:12:00
’tou orgulhosa, pois claro que ’tou.
Sexta-feira, 12.Dez.2008 at 10:12:52
Gosto muito deste post da Sarah. Dá para perceber o muito que está por fazer para não deixar morrer a memória da ditadura. E para não a transformar numa coisa patética, ridícula, que acaba por levar muitas pessoas a não lhe dar o menor valor.
Sábado, 13.Dez.2008 at 01:12:13
Realmente, Sarah, já não vale dizer mal das visitas ao Planetário ou ao Jardim Zoológico…
Sábado, 13.Dez.2008 at 03:12:53
Tive a sensação de recuperar a visita que fiz àquele espaço, há uns anos atrás, acompanhando o olhar atento da Sarah. Na altura também não fiquei muito melhor impressionado… Belo texto.
Quarta-feira, 17.Dez.2008 at 02:12:22
Boa, Sarah! Mas não te esqueças de que há cerca de 30 anos q os “encarregados” (Câmara Municipal de Peniche), pertenceram ao PSD e PS, que, como sabes, são contra as “portas que Abril abriu”!
Quarta-feira, 17.Dez.2008 at 03:12:31
Só uma correcção ao Pedro Pessoa: pelo menos desde as últimas eleições autárquicas a Câmara é da CDU, sendo da CDU os seus Presidente e Vice-Presidente.
Quinta-feira, 18.Dez.2008 at 05:12:04
É importante ver quanto é que recebeu o “Museu Municipal” nesses trinta anos para a preservação da memória. A soma ridícula dos orçamentos durante 30 anos ninguém falou. Ninguém falou ainda do pouco que se sabe da fortaleza enquanto cadeia política, muitos falam, mas quantos fazem? A dificuldade de consultar documentos na Torre do Tombo é terrível. E existem placas em Peniche que são um insulto para todos! Não se queira em 3 anos fazer o trabalho de 30, nem desresponsabilizar, quem esteve à frente da CMP, até por que o ex-presidente tem na família exemplo valorosos de resistência antifascista!
Quinta-feira, 08.Jan.2009 at 10:01:33
O Pedro Pessoa é alguém revoltado com o regime actual, pois queria um regime soviético sem democracia onde os opositores seriam extreminados, concerteza seria isso, só pode. Nunca o PS e o PSD foram contra “as portas que Abril abriu”, pelo contrário construíram a democracia, ao contrário de um PCP (chamado CDU nas eleições)que desejava um regime comunista do tipo Estalinista. Era isso e foi o que aconteceu com a antiga União Soviética, onde inocentes, só porque não concordavam com Estaline e com o Regime Comunista eram mortos! Mais, este espaço há muito que está para ser reabilitado, onde irá ser construída uma Pousada de Portugal, aliado a um Museu da Resistência. Na verdade, ao longo dos anos, o Partido Comunista Português, nomeadamente através de um grupo de activistas de uma organização, têm demonstrado a sua discordância com a recuperação e valorização desta espaço. Assim, pretendem manter tudo como está!
Aproveito para dizer que não tenho Partido e até estou muito descontente com os políticos, apenas quis aqui repôr a verdade!
Domingo, 29.Nov.2009 at 05:11:23
Olá Sara
Para mim não é nenhuma admiração o que escreveste, actualmente trabalho neste Museu, já passou um ano, e mantêm-se na mesma. Concordo 100% com a tua opinião.
Faço as visitas guiadas e procuro fazer pesquisas de vária ordem, a fim de dar o máximo de informação,a quem o visita.
Apenas vou informar-te, caso não saibas, o Museu existe há 25 anos, e qd foi montado, tinha como objectivo de não voltar a ser novamente uma cadeia. Actualmente existem alguns projectos para o museu, um deles é destiná-lo só a resistentes anti-fascistas, q penso ser ainda mais interessante. Só que as coisas em POrtugal, demoram mt tempo a serem feitas, por é q o nosso Museu ainda está assim. Oxalá, que numa próxima vez que venhas a Peniche, as coisas estejam melhores.
Beij
Quinta-feira, 15.Abr.2010 at 12:04:32
Olá a todos.
Fui pela enésima vez visitar o forte de Peniche este fim de semana e pela 1ª vez apanhei o museu aberto.
Acho que apanhei a Isabel como guia!!
Mas também levei um guia privado (o meu pai) 82 anos de idade e os suficientes de regime.
Felizmente confesso, cada vez que visito Peniche e o forte tenho sempre surpresas positivas, podem até ser modestas, mas sempre positivas.
Felizmente a cidade tem a sua vida e a sua gente que não a deixa desaparecer nos nevoeiros das memórias.
Um bom museu (podia ser melhor podia, mas como andamos de cultura em Portugal…..bem haja), a cultura tambem se procura e dinamiza. Dos governos, sejam a cor que tenham, apenas se “governam” os politicos, por isso aproveitemos cada momento, cada explicação, cada pedra, concha, anfora ou cada sentido (os 5 que temos) e enrriqueçamos a nossa mente no despertar da novidade e do que a cultura nos traz de bom….o saber.
Já agora, com esta ida ao museu, a Isabel recomendou-me uma cayacada e passeio pedestre pela zona que já me inscrevi e vou aproveitar. Sigam a onda e vamos lá aprender um pouco mais destas terras e destas gentes.
Abraços
Sábado, 15.Maio.2010 at 08:05:22
Estou a chegar de Peniche onde também visitei o museu. Não precisei de visita guiada porque ali revejo o ambiente político e social em que cresci, visto que tenho 57 anos. O museu não está só dentro do forte. Toda a povoação guarda esse período da nossa história e sinto-me entre portugueses resistentes, solidários e que me ajudam a ter esperança no futuro. Bem hajam.