O centenário do 5 de Outubro está próximo e as comemorações do 5 de Outubro – e em especial o cinquentenário da comemoração da República, que coincidiu com a decadência do salazarismo – foram marcos na resistência. Todos sabemos isso. A contraposição do regime democrático do princípio do século ao regime autoritário vigente funcionava como um argumento chave na narrativa democrática.
O 25 de Abril teve essa componente ideológica e essa componente institucional. A comparação entre as liberdades republicanas e o autoritarismo salazarista era uma parte essencial do discurso oposicionista. Aquilo que sobrava dos políticos republicanos (alguns aderiram ao novo regime) teve uma importância idêntica na construção de uma alternativa: sempre que havia eleições e possibilidade de agitação, o PCP agia com a cobertura dos veteranos da República e dos republicanos pós-república.
Mas – e este mas não é uma mera restrição secundária – o 25 de Abril serviu também para demonstrar o vazio democrático da República.
Comecemos pelo 5 de Outubro que conhecemos da reconstituição histórica e façamos a comparação com o 25 de Abril: a revolta republicana teve o apoio dos republicanos e de uma parte do movimento operário. Nada que possa comparar-se ao extraordinário apoio popular, a mobilização total da rua a que assistimos no 25 de Abril.
Para não falar do sufrágio universal (só depois do 25 de Abril) ou do fim daquela tradição monárquica das eleições saírem dos governos em vez dos governos saírem das eleições. Outra novidade absoluta da política portuguesa. Na República como na monarquia imperava o caciquismo propriamente dito (com donos de votos) e as chapeladas eleitorais eram moeda corrente. O Morgado das Perdizes sobreviveu (com novas formas) à implantação da República e as consultas ao eleitorado continuaram a ser dominadas e predeterminadas pela manipulação dos governos.
Tudo isto deve ser recordado quando se comemora a criação de um regime republicano em Portugal: um regime democrático cujas fragilidades e fraquezas estiveram na origem do regime salazarista que foi o seu sucessor imediato.
Biografia de José Luís Saldanha Sanches.
Segunda-feira, 22.Set.2008 at 10:09:16
é muito entressante
Sábado, 04.Out.2008 at 08:10:41
Direi mesmo mais, espantoso
Domingo, 05.Out.2008 at 11:10:47
Não nas vésperas do seu centenário, mas quando a República ia fazer os seus 60 anos, uma idade suficientemente redonda para que a deixássemos passar no hábito de qualquer vulgaridade, numa reunião da CDE em Lisboa de algo que ainda poderia ser uma coordenadora, com elementos das suas bases e mais uns outros de acrescento, foi feita, para o documento político a emitir de comemoração, uma proposta que significaria, passar da exaltação de tal evento e, a seu pretexto, da crítica ao regime de então, para a afirmação , o desejo, a reclamação duma República de natureza socialista. Isso lá pelo ano de 1970. Fui eu que fiz essa proposta. Foi feita em termos moderados, julgo, e não me lembro se foi votada formalmente, o que não me parece, ou se foi aceite tacitamente. Mas foi aceite. Em consequência, era pois necessário que se preparasse tal documento aniversariante, a sua base, a sua substância, etc. e para isso se foi reunindo , numa cadência de 3 reuniões semanais, menos coisa que mais coisa, um grupo aberto para ir fazendo tal trabalho. Grupo aberto onde chegaram a participar uma Helena Neves e um Alberto Costa. Mas no corpo central juntavam-se o Lino de Carvalho, o Vítor Dias, o Pedro Goulart, o Humberto Machado, o José de Sousa, o Herberto Goulart e, pelo que me lembro, menos regularmente, a Isabel do Carmo e o Joaquim Mestre. Dezenas de democratas passaram por essas reuniões. Esta abertura num grupo de trabalho não seria habitual, mas estávamos ainda como que no rescaldo da campanha eleitoral, e de todo o seu basismo. Habitual, sim, foi o enorme atraso com que chegámos ao fim dos nossos trabalhos.
O que produzimos, a que passámos a chamar o documento amarelo, era muito mais do que uma simples redacção era quase uma reorientação política. Nas vésperas da reunião onde este documento devia ser apreciado (suponho que está claro de que não se tratava do documento político a difundir no aniversário da República que, de resto, já tinha passado há muito), numa reunião idêntica à primeira onde a proposta tinha sido apresentada, e, quando estávamos a ultimar esse texto, o Lino de Carvalho aparece com um outro documento, mais ou menos aparentado, mas com as alterações necessárias para que tudo voltasse aos bons, aos habituais carris. Os merceeiros e os velhos republicanos não estavam esquecidos. Tardiamente o P.C. apercebeu-se do que “aquilo” poderia representar. E, eu devo dizer, em obrigatório abono da verdade, que, quando fiz inicialmente a tal proposta, também não sabia ao que ia.
Isto vem a propósito do que escreves sobre o que deve ser recordado e pensado da Primeira República, neste novo aniversário e na ocasião do seu centenário. Como que parece que os mesmos problemas permanecem. É mais do que parvo dizer que os tempos mudaram, é parvíssimo, mas embora tivessem passado os tempos, dessas décadas de 60 e 70, em que se podia poder tudo, incluído o socialismo e mais e mais, até aos dias de hoje, em que estamos quase a contentarmo-nos em conservar apenas o mau que lá vamos tendo, vai uma tal distância em que mal se descortinam. E logo neste momento em que tudo, poderes, instituições, etc. se mexem e remexem, acorrem e se agitam a tapar os buracos que surgem de muitos lados, com a possibilidade final de sermos todos envolvidos nesta mesma e única insolvência. É a crise.
Apesar disso, o que lembras é, seguramente, oportuno, e útil. E essa República agora recomemorada e o quanto mais se lhe seguiu devem ser estudados, discutidos, analisados para ver se acertamos. Se tal for possível e na medida da eficácia da acção humana, no quadro em que a possamos ter. Afinal o que existe hoje não é tão dissemelhante do que havia na época.
Segunda-feira, 05.Out.2009 at 12:10:02
pois, é isso que, precisamente, inquieta…