Há precisamente 40 anos, Alberto Martins, então presidente da Direcção-Geral da Associação Académica de Coimbra (DG/AAC), levantou-se para pedir a palavra em nome dos estudantes na cerimónia de inauguração do Departamento de Matemática. O gesto havia sido previamente combinado nas cúpulas dirigentes, mas o impacto que causou foi imprevisto. Na mesa, Américo Tomás dá a palavra, balbuciante, a Rui Sanches, ministro das Obras Públicas, acabando por encerrar a sessão sem a conceder aos estudantes. À saída, a comitiva é vaiada pela multidão de estudantes que decide fazer a sua própria inauguração após a retirada das autoridades. Havia começado a «crise».
Nessa mesma noite, a PIDE prende Alberto Martins. Durante a madrugada registam-se confrontos com a polícia de choque. Na manhã seguinte, o presidente da DG/AAC é libertado e à tarde realiza-se uma Assembleia Magna na qual se exige a participação dos estudantes no Senado Universitário e o reconhecimento de estruturas representativas estudantis como a Junta de Delegados. A 22 de Abril, quando a situação parecia tender para a normalidade, alguns dos principais dirigentes académicos são informados da sua suspensão da Universidade enquanto durasse o inquérito aos acontecimentos ocorridos a 17 de Abril. Logo nesse dia, uma Assembleia Magna decreta luto académico, exortando-se os estudantes a transformar as aulas, sempre que possível, em debates sobre a actual situação. No dia 30 de Abril, o ministro da Educação Nacional, José Hermano Saraiva, vai à televisão apontar o dedo à «onde de anarquia que tornou impossível o funcionamento das aulas» (dando a conhecer, inadvertidamente, a agitação que os jornais, a rádio e a televisão não mostravam).
A 6 de Maio a Universidade de Coimbra é encerrada por decisão ministerial, sendo mantido o calendário de exames. No dia seguinte, a Queima das Fitas é anulada, num gesto simbólico que se inscrevia na decisão já tomada de manter o luto académico. A DG/AAC publica então a Carta à Nação, numa estratégia de abertura do movimento ao exterior. Aí se afirma que «a nossa luta só poderá fazer tréguas quando tivermos atingido uma Universidade Nova num Portugal Novo».
Nos círculos de discussão e convívio que então substituem as aulas, a greve aos exames é equacionada. A nova opção táctica é problemática, pois a sua viabilidade estaria dependente de uma ampla adesão. Caso falhasse, a proposta teria não só efeitos desgastantes a título pessoal – a reprovação e um possível passaporte antecipado para a guerra colonial – como a título colectivo – o isolamento e uma efectiva sentença de morte para o movimento. A 28 de Maio, uma concorrida Assembleia Magna ratifica por ampla maioria a proposta de «abstenção aos exames». Com a parte Alta da cidade militarmente ocupada, os estudantes organizam um complexo esquema de piquetes de greve e accionam uma série de iniciativas arrojadas e em sintonia com o «espírito do tempo»: soltam balões na Baixa coimbrã, distribuem flores à população, armadilham com tachas as zonas onde os carros da polícia circulavam.
A 22 de Junho, na Final da Taça de Portugal, numerosos estudantes deslocam-se ao Estádio Nacional para assistir à partida que oporia Académica e Benfica. De Coimbra levam cartazes e comunicados que distribuem à população da capital, por entre palavras de ordem entoadas em coro. No final, a equipa da Luz venceria por 2-1 com um golo marcado por Eusébio já no prolongamento. O encontro não é televisionado e, pela primeira vez, o presidente Américo Tomás não está presente para entregar a Taça.
Em finais de Julho, a percentagem de exames boicotados era de 86,8%. Como facilmente se conclui, a grande maioria dos estudantes adere à difícil estratégia da greve aos exames. Aqueles que rompiam – muitos por pressão familiar – viam o seu nome inscrito em listas públicas de «traidores» e eram alvo das mais variadas formas de ostracismo por parte dos colegas. A polícia efectua dezenas de prisões que se prolongariam pelos meses de Verão. Já no início do ano lectivo seguinte, 49 destacados activistas estudantis são incorporados nas fileiras do exército. No momento da despedida, na Estação de Coimbra-B, gritam-se palavras de ordem contra a guerra colonial. O tema havia estado ausente do catálogo explícito das reivindicações, mas a partir daí segue-se um caminho que em Lisboa já se havia começado a trilhar: contestar a guerra e contestar o regime tornar-se-iam faces da mesma moeda.
Sexta-feira, 17.Abr.2009 at 02:04:40
69-Coimbra é uma fase de importância maior no alargamento do fosso entre o regime e as elites. Aí, milhares de futuros “doutores” tornaram-se irremediavelmente antifascistas. E a maioria deles iriam “continuar Coimbra” como milicianos do exército colonial. A efeméride merecia muito mais eco que aquele que está a ter. Salvou-se, na maré de desimportância, Cavaco Silva que não deixou de lhe prestar o preito devido ao dedicar-se, nestes dias, à denúncia da ileteracia matemética, uma metáfora sofisticada para comemorar os 40 anos passados desde as peripécias do seu antecessor Tomás na inauguração do Departamento de Matemática da Universidade de Coimbra.
Sexta-feira, 17.Abr.2009 at 08:04:44
O que aconteceu a Alberto Martins?
Quinta-feira, 12.Nov.2009 at 03:11:01
Está no Governo PS, pois claro! O homem que pediu a palavra para os estudantes em 69 está agora com o mesmo governo que reduziu à quase nulidade a representação dos estudantes nos órgãos e que fez da Universidade uma fábrica de precários e uma escola de elites!
Sexta-feira, 17.Abr.2009 at 09:04:49
E eu que nada sei, aprendi aqui, mais um pouco sobre o Meu país…
Sábado, 18.Abr.2009 at 10:04:48
António Says:
Sexta-feira, 17.Abr.2009 at 08:04:44
O que aconteceu a Alberto Martins?
Veja em:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Alberto_Martins
Sábado, 18.Abr.2009 at 10:04:13
é o mesmo Alberto Martins que é hoje o líder da bancada parlamentar do PS
Sábado, 18.Abr.2009 at 01:04:25
Sim, o que aconteceu a Alberto Martins?!
Sábado, 18.Abr.2009 at 02:04:52
Alberto Martins foi preso na madrugada em que pediu a palavra, sendo libertado no dia seguinte. Como presidente da DG/AAC, coube-lhe realizar aquele gesto, mas o sucesso da crise – como penso ficar evidente no texto e é geralmente acentuado pelos próprios “dirigentes” – apenas se compreende se tivermos em conta o empenhamento colectivo da ampla maioria dos estudantes nos diferentes momentos: logo no 17 de Abril, mas também nas Magnas, na greve aos exames, nos múltiplos empenhamentos sectoriais…
Alberto Martins é hoje um destacado quadro do Partido Socialista. Muitos outros activistas mantiveram ou mantêm protagonismos semelhantes. Para uma boa parte destas gerações formadas nos anos sessenta e setenta, a política aparecia como uma segunda pele. E as universidades, mais do que hoje, eram os raros espaços dessa aprendizagem.
Uma outra questão consiste em saber qual o percurso que individualmente cada antigo activista estudantil trilhou (e parece-me importante atender não apenas aos percursos efectuados pelos de “1.ªlinha”, mas também pelos activistas de “2.ª linha” – e por aqueles que canalizavam o grosso do seu activismo para as diferentes áreas culturais, por exemplo). Só que essa é uma questão vasta, que não ganha em esclarecimento se entrarmos em retóricas de fulanização.