Texto de José Pedro Castanheira, lido na sessão de lançamento do livro.
O livro começa com uma dúvida, assim formulada pela autora: «Pode parecer estranho» um trabalho desta natureza, sobre um personagem que «deveria ser remetido ao silêncio».
Percebo a dúvida, ou a interrogação, mas ela é, a meu ver, descabida. Para conhecer em profundidade um regime autoritário, um governo ditatorial ou um sistema, seja fascista ou comunista, é necessário estudar com detalhe as suas principais estruturas repressivas. A começar pelas respectivas polícias políticas, sejam elas a PIDE/DGS, a Gestapo ou a KGB. E conhecer também o perfil exacto dos seus principais responsáveis. Perfil político, ideológico, profissional, humano, psicológico. Só assim poderemos compreender com rigor não só o que, e como fizeram, mas sobretudo porque o fizeram. É a esta abordagem que se devem alguns dos melhores trabalhos biográficos de figuras como Salazar, Franco, Hitler, Estaline ou Mao, ou, num outro plano, Eichmann ou Mengele. É neste contexto que me parece absolutamente normal e necessário este estudo sobre Fernando Gouveia. Pelas razões que qualquer leitor compreenderá.
O homem
«O reconhecimento de que os criminosos são seres humanos acarreta terríveis conclusões acerca da natureza humana» – escreve Irene Pimentel.
Alcino Ferreira, militante do PCP detido em 1951, descreveu Fernando Gouveia como um sujeito magro, de altura média, meio careca e conhecido pela forma de pôr o chapéu e de usar gabardina clara e fato azul. Na opinião do mesmo Alcino, Gouveia era um tipo «muito perigoso e um cínico puro, que estava na PIDE principalmente por amor à arte e era incontestavelmente a cabeça da luta contra o partido».
Deveras interessante é a descrição da vida familiar de Fernando Gouveia, recolhida a partir do testemunho de uma dos sete filhos – Fernanda Maria, praticamente a única que o visitou na cadeia.
De personalidade complexa, Fernando Gouveia nasceu em 22 de Julho de 1904, na freguesia do Socorro, em Lisboa. Filho ilegítimo de um capitão médico, que se envolveu com uma criada, fez apenas a instrução primária. Estas origens humildes – muito semelhantes, por exemplo, às do seu colega Rosa Casaco – irão marcar profundamente a sua vida.
Nos primeiros anos da ditadura militar revelou «alguma simpatia» pelo Movimento Nacional-Sindicalista, de Francisco Rolão Preto. Fanático de Salazar, participou nos serviços de vigilância ao ditador, acompanhando-o quando se deslocava a Santa Comba Dão. Membro da Legião Portuguesa, recebeu instrução militar e desfilou em vários aniversários do 28 de Maio.
A sua vida afectiva e familiar foi marcada pela instabilidade: três (ou quatro?) casamentos, sete filhos, de cinco mulheres diferentes.
Vivia numa casa alugada, no Areeiro, e não tinha conta bancária. Ouvia os Companheiros da Alegria no Rádio Clube Português, gostava de música clássica, entretinha-se com o teatro radiofónico da Emissora Nacional, era furioso do Benfica, coleccionava num caderno receitas de cozinha que copiava dos jornais.
Só em 1962, e obrigado por Silva Pais, é que passou a ter telefone em casa e a deslocar-se numa viatura de serviço, com motorista. A filha, Fernanda Maria, aluna do Liceu Rainha D. Leonor, frequentava a Livraria Barata, onde comprou dois dos mais célebres livros de poesia de Manuel Alegre – o que lhe deu direito a uma violenta bofetada por parte do pai, que a proibiu dessas coisas. Como a proibiu de seguir advocacia – «todos os advogados são comunistas além de serem uns unhas-de-fome». Também não permitiu que seguisse Histórico-Filosóficas – acabando por enveredar pela hotelaria.
O pide
Autodidacta, Gouveia subiu todos os patamares da polícia política, até chegar ao posto de inspector-adjunto e técnico superior. Teve, contudo, um percurso muito pouco linear.
Entrou na polícia em 1929. Os seus sucessos no combate contra o PCP datam de 1932, quando conseguiu detectar quase toda a organização do partido. E foi também nos anos 30 que se iniciou na violência sobre os detidos.
Aquando da fundação da PVDE, em 1933, Gouveia não foi incluído. Antes, fora alvo de dois processos disciplinares – talvez seja essa uma das razões. Ou porque a nascente PVDE fosse, no essencial, tutelada por militares. Ingressou, então, na delegação de Coimbra do Comissariado de Desemprego, onde esteve cinco anos.
Viciado no jogo, perdeu uma propriedade em Coimbra numa noite de casino. Geriu uma mina de magnésio, na Mealhada, que exportou durante a Segunda Guerra Mundial para a Alemanha nazi.
Afastado da polícia política durante onze anos, só ingressou na PVDE em 1944, com a categoria de agente de 1ª classe. Trabalhou sob as ordens do capitão José Catela, que classificou como «o maior polícia, com P, de todas as nossas polícias». Fez parelha com o seu amigo de sempre, o famoso José Gonçalves, de quem dizia que «distinguia os elementos comunistas só pelo cheiro».
Em 1958, passou a dirigir o Gabinete Técnico. A partir de 1962, com a entrada de Silva Pais, Gouveia perdeu poder e fulgor. Era o início da curva descendente da sua carreira. Ainda assim, não deixou de participar em interrogatórios e até em detenções. Foi ele, por exemplo, quem conduziu o inquérito interno à evasão de Palma Inácio da delegação da PIDE no Porto, em Maio de 1969.
Nesta época, porém, Gouveia não estava nas graças do novo director-geral, Silva Pais, nem do número dois da PIDE, Barbieri Cardoso. Além disso, mantinha uma relação de rivalidade e crítica com os Serviços de Informação, dirigidos por Pereira de Carvalho.
Trabalhou até 25 de Julho de 1971, quando foi internado no Hospital da Cruz Vermelha, em estado grave, e onde permaneceu cerca de nove meses. Não voltou a trabalhar na DGS, mas mesmo assim foi promovido, em Fevereiro de 1973, ao posto de inspector-adjunto.
O especialista no PCP
Fernando Gouveia foi o maior especialista, na PIDE, sobre o PCP.
A partir de 1945, esteve ligado a quase todos os processos relativos à detenção de militantes e funcionários do PCP. Desmantelou várias casas clandestinas. Descobriu várias tipografias onde era impresso o Avante.
Prendeu, interrogou, espancou ou torturou figuras como Fernando Piteira Santos, Cândida Ventura, Francisco Miguel, José Vitoriano, Guilherme da Costa Carvalho (que acabou por ir para o Tarrafal), Sofia Ferreira, Carlos Brito, Severiano Falcão, José Manuel Tengarrinha, José Magro, Jaime Serra, Fernando Blanqui Teixeira, Rogério de Carvalho, Carlos Aboim Inglês, Domingos Abrantes, tantos outros. A sua agressão ao advogado de Santarém Humberto Lopes valeu-lhe mesmo uma suspensão de exercício e vencimento. Por Júlio Fogaça revelava «um grosseiro desprezo», a que não era alheia, obviamente, a homossexualidade do dirigente comunista e que, como se sabe, viria a ser um dos fundamentos da sua expulsão do PCP, em 1961. O próprio Mário Soares enfrentou Gouveia (e dele fala no livro «Portugal Amordaçado»).
Esteve ligado, directa ou indirectamente, a vários assassínios, como o de Alfredo Dinis («Alex»), em 1945; ou de António Patuleia, detido em Junho de 1947 e «que morreu na sede da PIDE, às mãos de Fernando Gouveia e do chefe de brigada Mário Silva» (infelizmente, o livro pouco adianta sobre este crime); aquando do assassinato do escultor José Dias Coelho, em Alcântara, foi Gouveia quem identificou o cadáver.
Mas felizmente que Gouveia não foi sempre bem sucedido. Conheceu vários desaires e derrotas, como a absolvição de Armando Bacelar ou de Francisco Ramos da Costa; ou a incapacidade em deter o tão procurado Manuel da Silva Júnior, «Ricardo», membro do CC, jamais preso; ou a fuga de Dias Lourenço, de Peniche. Ou outras fugas, sentidas sempre como desaires e verdadeiras humilhações.
Cometeu erros, alguns crassos, como a acusação formulada a Salgado Zenha de ser «membro da organização clandestina do Partido Comunista» – a que, como se sabe, nunca pertenceu.
A sua maior decepção – para além do próprio 25 de Abril -, terá sido a de não ter instruído o processo a Álvaro Cunhal.
O livro não é só uma biografia de Fernando Gouveia.
É, de certa forma, a história paralela e necessariamente entrecruzada da PIDE e do PCP, num país pequeno, onde quase todos se conheciam, e em que era possível a dois irmãos, Agostinho e António Saboga, ambos funcionários clandestinos do PCP, terem do outro lado um irmão, Tomás Saboga, funcionário da PIDE.
O livro aborda, ainda, dossiês complicados, na guerra de morte travada entre a Pide e o PCP e a Oposição em geral. É o caso de dois assassínios, ambos cometidos em Belas. Um, de Manuel Domingues, em 1951, atribuído ao PCP; outro, de Mário da Silva Mateus, executado em 1965 por um comando da FAP.
Extremamente interessante é a polémica sobre o comportamento exigido aos militantes comunistas na prisão. A tese do jornal «O Militante» era a de que «um homem honrado e digno pode suportar todos os tormentos até à morte sem fazer qualquer declaração». O assunto foi depois abordado no famoso documento «Se fores preso, Camarada…», redigido por Álvaro Cunhal. «Falar na polícia é perder o honroso título de membro do PCP, é deixar de pertencer ao destacamento de vanguarda da classe operária». Este texto viria a ser criticado por um outro documento, atribuído por Pacheco Pereira a Francisco Miguel, que criticava Cunhal de «concessões à traição e tolerância para com a fraqueza». Em resultado, na terceira edição da célebre brochura, em 1959, foi eliminada a palavra herói.
Sei que à Irene não faltam projectos de novos trabalhos. A ela, ou a outros historiadores, sugiro que não se esqueçam de tratar do problema, extremamente melindroso, do relacionamento do PCP com os militantes, quadros e dirigentes que não suportaram a tortura e que falaram na prisão. Uns, foram «recuperados»; outros, foram marginalizados ou simplesmente afastados. Todos eles ficaram marcados por uma espécie de carimbo, como se fossem comunistas de segunda ou de terceira… Acreditem que, apesar de já terem passado quase 35 anos do 25 de Abril, a questão continua actual nas fileiras do PCP – e não só.
Depois do 25 de Abril
Gouveia foi um dos 200 elementos da DGS que se entrincheiraram na noite de 25 para 26 de Abril de 1974 na sede da rua António Maria Cardoso. Antes de se renderem, fizeram fogo sobre a multidão de populares, provocando 47 feridos, dos quais cinco viriam a morrer. Depois, foi para casa. Tal como aconteceu com muitos outros responsáveis pela polícia, foi-lhe oferecida a fuga do país. Recusou, tal como Silva Pais, mas ao contrário de Rosa Casaco. Deu entrada a 29 de Abril em Caxias, onde ficaria detido durante apenas dois anos e sete meses.
Saiu em liberdade provisória a 13 de Agosto de 1976. Nunca chegou a ser julgado pela sua actuação, como aconteceu com a larga maioria dos 6.215 elementos da PIDE/DGS a quem foi instruído um processo.
Em 1979 editou o primeiro (que acabou por ser o único) volume das suas «Memórias de um Inspector da PIDE. A Organização Clandestina do PCP». Morreu em 1990, com 87 anos. A sua morte foi ignorada pelos meios de comunicação social.
O torturador
Irene Pimentel escreve que Gouveia «foi um dos principais torturadores da PIDE». A autora detectou a sua presença logo nos anos 30, em que os métodos predilectos eram o espancamento e a tortura da estátua – que há-de ser substituída mais tarde pela tortura do sono. Voltou ao activo, com uma fúria, um poder e uma desumanidade acrescidas, em 1944. Nos anos 60, a sua actividade é mais desconhecida, mas nem por isso deixou de ser acusado por elementos do PCP de os ter torturado. Esta acusação viria a ser confirmada, depois do 25 de Abril, por alguns elementos da DGS então detidos.
A página 361 do livro inclui uma lista impressionante de 54 nomes, que acusaram Gouveia de os ter submetido ao «sono», à «estátua» e a espancamentos. São 54 nomes, alguns bem conhecidos, e para a qual remeto todos os presentes e os leitores – sobretudo os que se apressaram a criticar o livro, antes mesmo de o ler.
A acusação de tortura foi confirmada por um detalhado relatório da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos. Nas suas memórias e nos interrogatórios a que foi sujeito, Gouveia negou sempre as acusações de maus tratos, violências ou torturas. Mas quanto mais Gouveia nega, menos se acredita nele.
É pena, muita pena, que não tenha sido julgado. E por mais voltas que dê à cabeça, não consigo descortinar razões válidas, legítimas, suficientes, para que o regime democrático não tenha procedido ao seu julgamento. Ao seu e de muitos outros elementos da Pide e de outras instituições repressivas.
A ausência de um julgamento de Fernando Araújo Gouveia, que não deixaria certamente de escapar a uma pesada condenação, ainda mais justifica esta biografia. Este livro, com efeito, para além de ser um livro de História, acaba por constituir um verdadeiro libelo acusatório: ao homem, à PIDE/DGS e ao regime que serviu.
Muitos parabéns, Irene.
Muito obrigado.
José Pedro Castanheira
(Lisboa, 6 de Novembro de 2008)
Irene Flunser Pimentel, Biografia de um inspector da PIDE. Fernando Gouveia e o Partido Comunista Português, A Esfera dos Livros, 2008, 396 p.
Terça-feira, 11.Nov.2008 at 03:11:46
Irene Pimentel é péssima a escolher os detergentes que usa para branquear o fascismo (perdão, a ditadura), especialidade que é sua, como diria um émulo do Procurador Vichinski, mas em cuja arte é uma incompetente contumaz, numa demonstração de vocação perdida. Não limpa nada a Irene, as nódoas ficam todas e ainda mais realçadas. Até a do Gouveia, um dos alter egos de Salazar e Caetano. Como este seu livro o demonstra.
Noutro registo, sugiro a Irene Pimentel que não atenda ao conselho de JPC de se meter nesses assados de “tratar do problema, extremamente melindroso, do relacionamento do PCP com os militantes, quadros e dirigentes que não suportaram a tortura e que falaram na prisão”. Disso não reza, não pode rezar, a história autorizada, interdita a violadores do silêncio dos tabus. Pois que, mesmo sem “pacto de silêncio” à espanhola, Iejov vive e não dorme entre nós.
Terça-feira, 11.Nov.2008 at 04:11:32
João,
Quanto ao último parágrafo do seu comentário, eu sei que é puramente irónico, mas não consigo passar à frente sem me meter na conversa.
Não sei se é a Irene Pimentel que deve pegar no tema (seria, para ela, apenas mais um…), mas esta questão do «julgamento» partidário de quem falou ou não na PIDE, feito pelo PC mas não só, é algo que nunca «digeri». (Aliás, nós trocámos uns mails sobre este assunto há cerca de um ano e meio.)
Não me conformo com o facto de estes «silenciados» só terem como alternativa de resgate o horizonte da sua própria morte.
Terça-feira, 11.Nov.2008 at 05:11:56
Obviamente que estou de acordo consigo, cara Joana. E Vc disse no sério o que eu quiz dizer recorrendo ao meu habitual domínio incompetente da suma arte, que não é para todos, da ironia.
Domingo, 16.Nov.2008 at 08:11:22
“Biografia de um Inspector da Pide”
É sempre respeitável a opção, sobre o tema ou os temas, que cada um pretenda dar a público.Não quero entrar por aqui…
Deixar uma questão destas “na sombra”, reconheçamos que seria um “crime”…Então em que ficamos!?… Apoiar o esforço da autora e de todos aqueles que trazem ao conhecimento dos mais jovens e também o de reavivar a memória daqueles que viveram esses tempos sempre com a angústia e o temor dos riscos assumidos, tantos, com sacrifícios pessoais muito elevados, prisões, castigos violentos, destruição familiar, etc,etc,etc.
Afinal!? e, para aqueles que cometeram todos esses crimes, seus mandantes e responsavéis pessoais e políticos, nada!
…os tenebrosos tribunais plenários!!!
Falando dos que sofreram na pele e em tantos projectos frustrados, mas também em tantos outros que por sorte, engenho, se conseguiram furtar à prisão e cá “dentro”, ou lá “fora”, fugindo nas veredas, conseguiram dar os seus contributos para hoje termos, isso sim, uma DEMOCRACIA, ainda que com jogos de tolerâncias a ultrajar aqueles que se arrastaram para a podermos viver nos dias de hoje.
Esta “porta” do NAM, escancarada, permite que cada um à sua maneira, possa expressar e transmitir duma forma fácil, o que conheceu e viveu no passado, dando à estampa essas vivências e transmitir aos mais jovens com dignidade a imagem do vivido, procurando que no presente e no futuro se não volte a tempos tão tristes.
Que se dê às questões éticas e sua defesa, o relêvo que a verdadeira democracia sempre exige.
Domingo, 22.Fev.2009 at 10:02:54
O “novo” livro de Irene Pimentel sobre o Inpector da PIDE de Fernando Gouveia suscita alguns reparos, importantes para quem viveu o Estado Novo/Fascismo e para quem teve a família perseguida, presa e exilada entre 1926 (isso mesmo) e 1974, ou seja atravessando todo o período saído do 28 de Maio de 1926:
1. Em primeiro lugar, é praticamente um trabalho repetitivo para quem leu o seu livro sobre a PIDE, editado um ano antes e segue a par e passo, sem espírito crítico e dúvida metodológica as Memórias de Fernando Gouveia, recorrendo aqui e ali a alguma ironia sobre as afirmações deste.
2. Mais uma vez, IP não recorre ao contraditório dos presos e perseguidos da PIDE, como faz José Pacheco Pereira, nem procura desmontar as suas opiniões. Temos aqui uma segunda versão das Memórias de Gouveia!
3. Na esmagadora maioria das páginas não traz nada de novo, não só por pegar nos ditos de Gouveia, como por muito do enredo já ter sido abordado exaustivamente por Pacheco Pereira, de forma mais abrangente e explícita.
4. Mas a maior desilusão deste livro é verificar que as personagens não têm alma, remetendo-se IP a um elencar exaustivo de nomes e mais nomes, sem qualquer enquadramento histórico ou contexto da luta política e social de cada momento. Este é preso, aquele é preso e este tornou a ser preso, sem se perceber o papel da cada um em cada momento, nem o que isso representou de sacrifício, luta, vitórias e desilusões na vivência individual e colectiva.
5. Obviamente que é uma opinião pessoal, mas penso que os “nossos” presos políticos,deportados, assassinados, torturados, perseguidos que lutaram por um país melhor mereceriam outro tratamento, outra “dignidade” na sua abordagem, mesmo aqueles que acabaram por falar sob tortura.
6. Neste livro, quem sai vencedor é afinal o carrasco Gouveia. Os outros,limitaram-se a ser perseguidos, presos e vencidos!
Quinta-feira, 26.Fev.2009 at 12:02:52
Embora com muito atraso,porque até ao momento não tinha ligado muito a este de espaço de escrita, nunca me dei conta de como se pode “branquear” o nosso passado recente. Vem esta introdução a propósito de algo que é escrito em 11 de Novembro de 2008 por um tal “João Tunes” sobre uma questão colocada pelo JPC na apresentação do livro Irene Pimentel.
Em resumo, se tanto se conhece e reconhece como genuina e “pura” intervenção do PCP no contexto português do antes do 25 de Abril(e não vou falar, por enquanto, do actual Secretário Geral desse Partido)então perguntê-mo-nos porque durante algum tempo tive como “presente” no meu gabinete da firma Irmãos Costa DIas,SARL, o embaixador Mário Duarte, ilustre conselheiro de Américo Tomás, que não fosse tâo somente o de ser “pombo correio” do que a ex-mulher de uma personagem que nunca soube quem foi e da irmã da Sª,membros do Comitè Central do PCP, oportunamente desaparecidos num acidente de automóvel após o 25 de Abril.
Como não há muito espaço de escrita também não se pode especular muito mais, salvo tudo o que pude apreciar à época. Claro que estou a falar de antes de 25 de Abril de 1974. Com os meus cumprimentos!
Quinta-feira, 26.Fev.2009 at 12:02:09
Não percebi nada deste último comentário além de uma forma estranha de trazer para aqui algo que parece estar relacionado com o casal Pedro Soares / Luísa Costa Dias, destacados militantes do PCP, com uma longa dedicação ao antifascismo e muito maltratados por longos anos na prisão (Pedro Soares foi um dos prisioneiros do Tarrafal). Nem compreendo que a morte deste casal, num trágico acidente de viação depois do 25 de Abril, leve a considerar Pedro Soares e Luisa Costa Dias como “oportunamente desaparecidos” (oportuno para quem?).
Há, neste comentário, demasiadas insinuações e mal amanhadas, sem se explicitar onde se quer chegar, quem se ataca e em quê. Não faz o meu estilo nem me desperta qualquer interesse. Ponto.
PS – Esclarecimento ao Sr. M. Jorge Ricardo: Os meus pais não me puseram aspas no nome nem elas constam do meu BI.
Quinta-feira, 26.Fev.2009 at 05:02:27
É talvez de assinalar que parte importante da família Costa Dias ligada à indústria conserveira, se não estou em erro, não partilharia as ideias da familiar presa, embora tivesse contribuído para o elevado montante no pagamento da fiança aquando da sua libertação enquanto presa política e quando corria grave risco de vida, pois já só pesava trinta e poucos quilos.
Sábado, 28.Fev.2009 at 04:02:33
Por incrível que pareça, a esmagadora maioria dos que desenvolvem trabalhos sobre o que foi a acção repressiva da PIDE durante o regime fascista, fazem-no “passando ao lado” da sinistra actividade daquela polícia nas então colónias portuguesas. Os próprios comentadores aos vários livros já escritos, esquecem-se frequentemente de referir a criminosa acção da PIDE naqueles territórios. Quem esquece o massacre da Baixa de Cassanje em Angola, que antecedeu os acontecimentos de 4 de Fevereiro e 15 de Março de 1961, e que em requintes de malvadez, excederam tudo o que se passou depois? Os presos que dos aviões era “despejados” no Atlântico, é outro dos aspectos da acção da polícia política. Por favor, escrevam a História sem que ao menos aqui haja discriminação. Saudações – Henrique Mota
Sábado, 28.Fev.2009 at 07:02:24
Por isso mesmo é que não se pode basear a acção da polícia política, da PVDE, da PIDE e da DGS tendo por base apenas os seus ficheiros ou os interrogatórios aos presos sem que se faça a sua desmontagem e o contraditório, palavra hoje muito em voga. Há muita história anónima envolvendo pessoas concretas que não se encontra nos respectivos ficheiros policiais. Também é preciso saber ir ao encontro do outro lado, neste caso o lado das vítimas. E aqui há muito, mas mesmo muito a fazer,a contar e a preservar a memória, até porque acabaram por ser poucos os que acabaram por ter coragem de assumir a luta contra o salazarismo, pondo em risco a vida e sacrificando bens, família e o próprio bem-estar.
Domingo, 01.Mar.2009 at 12:03:20
Peço desculpa a Irene Pimentel por responder, sem seu mandato, ao comentário de Henrique Mota que coloca a acusação aos investigadores sobre a PIDE de “passarem ao lado” da actuação desta polícia no espaço colonial. Mas porque a crítica me parece injusta em parte, faço-o.
Obviamente que muito há ainda a investigar sobre o papel da PIDE nas colónias, sobretudo a partir do início da guerra colonial (1961). Concordo até que tais trabalhos deviam ser prioritários por duas razões: a repressão da PIDE contra os nacionalistas africanos foi muito mais arbitrária, mais brutal e mais criminosa que a que exerceu sobre os prisioneiros metropolitanos; é menos conhecida (e arriscaria que mais “camuflada” dada a estreita ligação, nas colónias, havida entre a PIDE e os comandos militares). Não obstante esta carência de investigações e publicações sobre a PIDE nas colónias, não se pode desconhecer a importância de um excelente trabalho publicado por Dalila Cabrita Mateus [“A PIDE/DGS na Guerra Colonial (1963-1974), Ed. Terramar] que muito clarifica sobre a actuação da PIDE em Angola, Guiné e Moçambique no período da guerra colonial.
Não se pode, em nome de prioridades de leitura e conhecimento, exigir ao historiador X ou ao investigador Y, como se a investigação histórica fosse planificada ou planificável, que, fora dos seus interesses pessoais e académicos e da sua gestão particular de tempo e interesses, que incida o seu trabalho sobre o tema Z no período W e no âmbito T. No caso dos trabalhos de Irene Pimentel sobre a PIDE, ela clarifica, com todas as letras, que o âmbito sobre que investigou foi da actuação da PIDE no espaço metropolitano. Que crítica se pode fazer a esta escolha de âmbito? Julgo que só uma (que já formulei publicamente no meu blogue): a escolha do título do seu livro que, por ter um âmbito parcelar sobre a actividade da PIDE, nunca devia chamar-se “História da PIDE”. E repito-a mesmo já sabendo que o título foi uma opção editorial e não sua como autora.
Mas se há défice dos historiadores que se debruçam sobre a actividade da PIDE quanto à sua actuação no espaço colonial, o que dizer da já relativamente extensa historiografia, na maioria da autoria de militares, sobre a guerra colonial e que “desconhece” o papel da PIDE no apoio desta frente, tudo se resumindo a militares portugueses de um lado e guerrilheiros do outro. Quando é impossível perspectivar-se a guerra colonial sem ter em conta o papel fulcral da PIDE, o verdadeiro suporte do serviços de informações das forças coloniais e a quem era entregue o “trabalho sujo” dos interrogatórios, torturas, assassinatos e “recuperações” dos guerrilheiros que os militares aprisionavam. Este silenciar sobre a colaboração entre as Forças Armadas e a PIDE na guerra colonial (e deve haver muito material nos arquivos militares portugueses acerca deste trabalho em rede íntima) talvez resulte da má consciência, suscitada após o 25 de Abril, de se constatar que os militares de Abril (parte deles, evidentemente), os que nos deram a liberdade, a democracia e acabaram com a PIDE (o que foi o resultado de um processo ambíguo e contraditório, como sabemos), nos anos anteriores, durante a guerra colonial, planeavam as suas operações com base sobretudo em informações da PIDE e à PIDE entregavam os prisioneiros que faziam.
Se a actuação da PIDE no espaço colonial até 1961, no início da guerra colonial, foi pontual, com pouquíssimos quadros, destinada sobretudo a controlar um ou outro nacionalista ou pequeno grupo de nacionalistas mais um ou outro oposicionista em algumas cidades africanas, portanto uma quase irrelevância histórica, o reforço e o apreciável aparelho da PIDE em África dá-se com a guerra colonial e ao seu serviço e tendo como alvos principais os guerrilheiros e os seus apoiantes. Daí que, necessariamente, a investigação sobre a actividade da PIDE neste espaço só pode contextualizar-se no quadro da guerra de contra-guerrilha e esta não se pode estudar sem se dar o papel de relevo que a PIDE nela teve. É aqui, a meu ver, que existe um lapso escandaloso, o cometido por aqueles que se têm dedicado a fazer, ou contribuir para, a história da guerra colonial e conseguem o milagre de dar a entender que ali a PIDE não existiu quando contaminou até ao tutano o aparelho de guerra militar da potência colonial.
Domingo, 01.Mar.2009 at 11:03:54
Só a título de exemplo, há pelo menos um trabalho de muita qualidade sobre o que foi a PIDE no espaço colonial, da autoria de Dalila Cabrita Mateus: “A PIDE/DGS na Guerra Colonial 1961-1974”, de 2004, publicado pela Terramar. A mesma autora tem ainda duas outras obras que ajudam a explicar a intervenção violentíssima e ainda mais desumana, se tal for possível, da PIDE nas colónias: “Memórias do Colonialismo e da Guerra”, de 2006; e A Luta pela Independência. As Memórias do Colonialismo e da Guerra é um conjunto de testemunhos de presos e torturados, antes e depois do período colonial.
Quarta-feira, 20.Maio.2009 at 08:05:34
essa entrevista deu para eu faxer um trabalho obrigado