As minhas primeiras palavras são para recordar aqueles que, neste lugar, nesta rua, no dia 25 de Abril de 1974, foram barbaramente abatidos a tiro pela PIDE/DGS. Todos sabemos que a mais tenebrosa das polícias do regime levou a sua sanha criminosa até ao fim.
Ainda hoje, a 36 anos de distância, me custa pensar que as últimas vítimas do fascismo foram jovens, nossos irmãos na esperança de Democracia. Jovens que desejavam ver a sua terra libertada. E não lhes foi permitido. Sobre o que seria viver em Liberdade, não chegaram a saber mais do que o que ouviam dizer, e talvez tivessem lido, acerca das democracias que havia por esse mundo fora. Morreram precisamente quando acreditaram que o seu sonho se tornava realidade.
O tempo corre, falamos, escrevemos e não se esgotam as más memórias. Quando passo ali por trás, junto ao Teatro São Carlos, ainda recordo a força que me chegava de longe, nas vozes do coro em ensaio, enquanto eu procurava não adormecer na frente da agente policial. Alucinação ou magia.
Foi exactamente neste espaço que, durante décadas da ditadura, esteve sediada a polícia política. De tempos a tempos, o seu nome mudava, mas o martírio dos portugueses que se batiam pelos seus ideais e pelos seus mais básicos direitos prosseguia.
Agora, uma gente de negócios endinheirados quis trazer para o imaginário lisboeta uma história de sonhos, apagando uma história nacional de pesadelos e, sobre os escombros dessa sede, ergueu um condomínio de luxo, atribuindo-lhe uma designação que soa indecorosa aos nossos ouvidos de resistentes: “Paço do Duque”.
Olho do exterior a construção faraónica, repudio as pichagens que começaram a aparecer, mas a verdade é que me trazem o encarnado dos pingos de sangue e os desenhos indutores de alucinação que manchavam as paredes enegrecidas das salas de interrogatório. Olho este portão e quase tremo. Não se me apagam as emoções e os medos com que o atravessava, sentada por trás da grade de uma carrinha, vinda do Forte ou já de regresso a Caxias, entalada entre duas agentes da policia. Porque as mulheres, jovens ou não, eram presas na condição de revolucionárias, em igualdade de circunstâncias com os homens, mas depois, uma vez chegadas aos interrogatórios, tinham tratamento suplementar especial. Eram chantageadas na sua dignidade de mulheres, humilhadas, violadas no seu pudor feminino. Atingidas emocionalmente e ameaçadas, nos laços de maternidade. Ainda estão vivas, e festejam hoje o dia da Revolução, algumas companheiras da luta anti-fascista, cujo testemunho pessoal ultrapassaria o que, algum dia, eu poderia contar-vos. Outras já desapareceram: Sofia Ferreira muito tinha para contar. Morreu na semana que hoje termina, com uma impressionante história de vida, dedicada à Resistência.
Não têm conta os portugueses anónimos que aqui permaneceram noites e noites, submetidos à tortura do sono – às vezes, dias e dias de pé, impedidos de se sentarem. Poderão hoje estar mais, ou menos, satisfeitos com o estado do Estado Democrático, poderão divergir mais, ou menos, nas suas posições políticas actuais, mas estou ciente de todos eles se emocionam quando passam neste local.
O regime era sustentado pelo terror, pensado, organizado, concretizado, espalhado a partir da Rua António Maria Cardoso. Era aqui que, diariamente, 24 horas em 24, eles escutavam telefonemas, eles interrogavam, ameaçavam, espancavam, torturavam cidadãos que iam prender a todo o país, acusando-os das suas ideias democráticas, da sua acção política ou de iniciativas de cariz meramente associativo. Ou acusando-os de práticas religiosas que Salazar e Caetano não aceitavam. Ou acusando-os de quererem a libertação das colónias ou de participarem em greves ou de exprimirem livremente o seu pensamento – ou de, ou de, ou de, ou de. Iam buscá-los ao romper do dia e enfiavam-nos, como animais, nesta casa de pesadelo.
Pela noite dentro, chegavam carrinhas vindas do Alentejo ou de qualquer outro lado, carregadas de gente de todas as idades: homens, mulheres e, quantas vezes, crianças que acompanhavam as mães. Em vésperas das farsas eleitorais fascistas, ou em ocasiões de grandes lutas de massas, assim era. Depois, nos intervalos, dia sim, dia não, este portão abria-se para entrar alguém detido para averiguações.
Directores e inspectores iam daqui, ou aqui chegavam, a qualquer hora, com fato completo e engravatados, como se fossem para um acto público. Não, senhor: iam prender ou vinham torturar pacatos cidadãos. Lançar o terror nas famílias portuguesas. Agentes e informadores (homens e mulheres, claro) agitavam-se neste edifício, num vaivém sem fim, de subidas e de descidas de escadas, de entradas e saídas de carros, de mudanças de turno para sucessivos interrogatórios.
Com o 25 de Abril de 74, o País descansou. Mas, com a Paz, veio algum apagamento da memória histórica e o caso da sede da PIDE/DGS é paradigmático. Trinta e tal anos depois, uma construção urbana, um condomínio de luxo. Felizmente, em boa hora, irrompeu um movimento de indignação.
Hoje, o NAM (Movimento Não Apaguem a Memória) tem que se regozijar por ter contado com a persistência e a determinação de muitos milhares de portugueses que não se conformaram com o prolongado silêncio dos poderes públicos democráticos. O mundo da comunicação virtual jogou na batalha real da memória.
Pessoalmente, quero agradecer a esta Câmara Municipal de Lisboa a disponibilidade e o empenhamento que tem manifestado para o tratamento da questão da memória histórica do fascismo.
A memória da resistência não cabe em memoriais como este, é certo. Mas, por meu lado, depois desta iniciativa sinto-me mais reconfortada. Creio que foi dado um pequeno passo no cumprimento de um dever de cidadania. Se este rectângulo de memória é estreito, que se sigam muitos outros, por esta cidade fora, que não faltarão lugares históricos na vida da resistência anti-fascista.
Sei que devemos, pelo menos isto, aos milhares e milhares de combatentes pela democracia e pela libertação das colónias, já desaparecidos.
Por outro lado, estou certa de que os jovens desta geração e das gerações vindouras compreenderão que estes memoriais lhes são endereçados. O período histórico do fascismo, em que muitos de nós nasceram e viveram grande parte das suas vidas, dificilmente se descreve aos que agora crescem em democracia. Mas talvez muitos memoriais como este lhes lembrem que a Democracia plena não lhes será oferecida sem esforço e sem persistentes combates. Acredito nisso.
Rua António Maria Cardoso, 25 de Abril de 2010.
Helena Pato
Terça-feira, 27.Abr.2010 at 07:04:16
Ao contrário de outros da Helena, deixou-me este texto, algures na boca, um estranho sabor, misto de “politicamente correcto” e odores de sacristia em dias de via sacra. Caracterização confusa; tanto quanto o é o meu sentimento. Se não vejamos:
É sabido que – e Irene Pimentel deixa o assunto claro no seu livro sobre o tema – o PCP foi tido, durante muitos dos anos do tempo da ditadura, pela PIDE, como o seu principal inimigo, a pontos de lhe ter inclusivamente moldado a estrutura e formas de actuação.
Ora, acontece que, ao explicitar alguns exemplos dos que nesse tempo passaram pelo agora Paço do Duque, a Helena lembra-se apenas de “pacatos cidadãos”, de “acusados de práticas religiosas” não aceites pelo regime, de “lutadores pela libertação das colónias”, de “acusados de participar em greves”, de “portugueses anónimos”, todos eles tendo como denominador comum a defesa dos mais nobres ideais democráticos. E, quando cita nomes, omite a sua condição de militantes comunistas, e o seu partido – o Partido Comunista Português; que não podem sequer ser subentendidos no número dos tais genéricos lutadores pela democracia, já que o eram, antes de mais, pelo comunismo e pelo socialismo, e consideravam a democracia uma construção da burguesia. Aliás, a palavra “comunismo” e a sigla “PCP”, não entram uma vez sequer no texto da Helena. Como explicar isto, se estas duas palavras e os seus significados são indissociáveis da história da própria PIDE? – amnésia, num movimento que luta pelo não apagamento da memória, não será certamente.
Sou insuspeito: não sou nem nunca fui comunista. Apenas não afirmo que nunca o serei, dado o meu actual interesse por Marx e também porque o futuro a Deus pertence. (Se até o Aguiar Branco cita Lenine, porque não hei-de eu, agnóstico das profundezas, citar Deus?)
nelson anjos
Terça-feira, 27.Abr.2010 at 12:04:07
A intervenção foi suficientemente clara, sem equívocos para os ouvidos dos que se bateram contra a Ditadura. Mas, naquele exacto momento, na frente de centenas de lisboetas, meus companheiros da resistência,com diferentes opções ideológicas, o meu espírito era o da canção que, na unidade dos combates pelo fascismo, tanto cantávamos:
“Nas escolas, nas ruas
Campos, construções
Somos todos soldados
Armados ou não
Caminhando e cantando
E seguindo a canção
Somos todos iguais
Braços dados ou não…”
Coisas que quem por lá andou compreenderá…
Terça-feira, 27.Abr.2010 at 05:04:58
Olá AMIGA!
Hoje foi um dia muito importante para MIM! Para TI seguramente também! Senti-o!
Muito OBRIGADA!
Também eu revivi as 2 vezes, antes e depois da Capela do Rato, com 14 anos, a ser interrogada naquele edifício ((com mais uma colega de Colégio, a Fátima Nery, de quem não sei o que é feito!), levada do Largo do Leão, num carro cheio de homens!
Tinha comigo uma lista telefónica, sabes? “tipo” armónio, como as cábulas que em princípio não eram para consultar! Mas eu não tinha memória, tinha a mania de dedusir as fórmulas! Não conseguia decorar quase nada, tirando poemas porque tinham lógica, eram como as fórmulas, dedutíveis! Agora, moradas e números de telefone!… Jamais!
Engoli-os logo que entrei no carro preto, com 3 homens esquisitos!
“Não entro em carros de desconhecidos! E muito menos de homens!”” – Disse logo eu quando me (nos) abriram a porta!
– “Deixa-te de parvoíces miúda! (identificação de agentes da PIDE!)
Entrei! Entramos!
Tinha por AMOR uma pessoa que podia SER PRESA (era Frade Dominicano!); tinha GRANDES AMIGOS E PAIS presos ou a caminho de o serem: Nuno Teotónio Pereira, Frei Bento Domingues; Luís de França; Luís Moita: Luísa Teotónio Pereira; Xaxão Moita… sei lá mais quantos! Todos tão crescidos e eu tão pequenina! Será que seria capaz de estar à altura deles? Eles eram os meus MESTRES!
Tinha tantas BAC’s comigo ((Boletins Anti-Coloniais!)! E Amava tanto, a CAUSA mas o MEU PRIMEIRO AMOR!
Deus me livre trair!~
Nem o nome disse! (Que disparate!): “Se vocês me prenderam devem saber como me chamo!)
Tenho que dizer que nem um estalo levei! Mas fiquei (ficamos, eu e a Fátima), em salas separadas, a ser interrogadas, com simulações de choro e de confissões (mútuas) que nunca existiram!
Foram só duas 24h! Mas tenho uma GRANDE HONRA: Não conhecia NINGÙÉM; NÃO CONHECIA as CASAS; só tinha IDO AOS DOMINICANOS para ir À MISSA; SENTIA-ME MUITO CRISTÃ! E SINTO! Não tenho vergonha de o continuar a assumir!
Foi das PIORES (na altura!), mas (hoje) das MELHORES experiências que posso ter: apesar de muito nova (na altura!). Hoje, com 51 anos, penso que estes momentos me fizeram crescer mais depressa! Eu e a Fátima eramos miúdas a sério! Nada saíu da nossa boca!
Mas que sorte tivemos por partilhar com PESSOAS, CIDADÃOS, AMIGOS, CAMARADAS, toda esta HISTÓRIA! Sinto-me uma previligiada por ter partilhado convosco todo este TEMPO!
Isto não tem nada de saudosismo!!! “Vai de Retro!”!
Tem antes do mais um AGRADECIMENTO pelo facto de terem ACREDITADO em mim desde pequenina, me terem ADOPTADO, e de me terem AJUDADO a CRESCER!
OBRIGADA AMIGOS!
Hoje é o primeiro dia do resto da minha vida!
Ana Isabel Pena
Quarta-feira, 05.Maio.2010 at 06:05:16
Olá a todos! Chamo-me Joana, estou a uma semana de completar 18 anos e desde sempre me interessei por este tema da História de Portugal: a ditadura, a revolução, os presos políticos, toda a luta pela liberdade. O meu professor de História costuma dizer que, se eu tivesse vivido nessa altura, seria de certeza uma das resistentes. E eu também acho que sim!
Já li vários artigos deste blog e todos me pareceram impressionantes e fantásticos, pelas memórias aqui inseridas, mas decidi responder a este comentário da D. Ana Isabel Pena, pois era ainda mais nova que eu quando foi interrogada. Um dos meus irmãos tem agora 14 anos (a idade que a senhora tinha quando foi interrogada com a sua colega) e não o imagino, tão pequenino, a oferecer resistência. É de valor o que a senhora foi capaz de fazer. É de valor ter tido a coragem que teve e a sabedoria, atenção e maturidade necessárias para pensar de forma diferente, num país onde as ideias eram incutidas nas pessoas desde a primeira classe, naqueles manuais com as lições de Salazar!
Devo dar-lhe os parabéns porque resistiu e foi mais forte. Sou ainda jovem mas, na minha tenra idade, consigo ver a coragem que a senhora e todas as outras pessoas tiveram.
E espero um dia vir a ser como todos vós!
Bem hajam!
Joana Rosa
Quinta-feira, 06.Maio.2010 at 07:05:51
Olá Joana!
Muito obrigada pelas tuas palavras sentidas que, apesar de teres nascido muito depois do 25 de Abril de 74 (sorte a tua, independentemente das dificuldades actuais!),são de quem quer entender a História e que já percebeu que essa mesma História também se faz de “histórias das pessoas”. Também eu, ainda hoje, quando falo ou escrevo sobre este período até choro! Mas também quando vejo filmes sobre a 2ª Guerra Mundial (com “A vida é bela” misturei risos, sorrisos e choro!), massacres, holocaustos não consigo deixar de me sentir cúmplice com todas aquelas pessoas vítimas de tanta barbárie. Ainda bem que és assim! Ainda bem que somos assim!
Só te queria dizer algumas coisas.
Em 1º lugar que há 40 anos a noção de infância e de adolescência (sobretudo para uma rapariga!) não era a mesma que hoje (quase!) todos temos desses períodos da vida. Uma rapariga com 14 anos já era muito crescidinha face à Sociedade (responsável por irmãos mais novos, às vezes até de mais velhos rapazes; não foi o meu caso, mas muitas e muitos que conheci já trabalhavam desde os 12 anos; eu comecei aos 15 e mesmo assim licenciei-me e até tirei o mestrado; sei lá! Olha, tenho um cunhado que foi trabalhar para África com 12 ou 13 anos, saído de uma aldeia da Beira Alta e hoje é um caso de sucesso em terras do Oriente! O País era, na generalidade, muito pobre, analfabeto e com atrasos substanciais em relação ao resto da Europa e até à Espanha, mesmo com o franquismo!
Depois desta contextualização, gostava de te dizer que se não fossem os meus “mentores”, os meus “paizinhos da política e da minha formação”, teria sido impossível, ontem como hoje, ter a estrutura de valores e de maturidade que já demonstrava na altura. Se não fossem eles(as), e foram muitos!, nunca teria sido capaz de pensar, sentir, optar, agir e viver desde nova como, tendencialmente, julgo que o fiz: com os valores da Liberdade e pelo Respeito por Nós e pelos Outros. Muito Obrigada a Todos Vós, Amigos de Sempre!
Queria igualmente dizer-te que, hoje, com 51 anos (mãe de “uma jovem” de 33, avó de 2 netos de 5 e de 1, mas também Mãe de um jovem de 15) procuro passar aos meus filhos e, tanto quanto possível, aos netos estes mesmos valores.
A minha filha mais velha foi comigo ao 10º aniversário da Capela do Rato (onde conheceu o Zeca Afonso já doente, o Francisco Fanhais que cantou o “Caminhando”, a Isabel do Carmo, o Carlos Antunes, o Luís Moita, a Xaxão Moita, o Nuno Teotónio e tantos outros)aos 6 anos para perceber o que é que a Mãe andava a fazer nessa altura.
O meu filho mais novo, com 15 anos, é um “pequeno grande Homem” de quem muito me orgulho! No entanto, nem sequer o imagino a entrar para aquele carro, com aqueles homens, a ser interrogado mesmo que, como eu (nós, eu e a Fátima Nery), por uma “Pide boa” e por uma “Pide Má”! Este era outro método!
Acredita que se não tivessem sido todas estas pessoas que me ajudaram a crescer eu não teria crescido desta maneira!
Continua assim!
Nunca te esqueças de PENSAR e “Faz o Favor de Ser Feliz”!
Obrigada
Beijinhos
Ana Isabel
PS: O meu filho deu-me a ler, há pouco tempo, um livro de que gostei muito: “Ética para um Jovem”, de Salvater. Não sei se já leste!
Terça-feira, 27.Abr.2010 at 11:04:57
Tal como tenho gostado de outros artigos da Helena Pato, achei bem conseguida esta intervenção sobre o “rectângulo de memória” agora inscrito na cidade, intervenção esta lida perante um público em que, se tinha amigos e parceiros de cumpliciadade, também tinha desconhecidos e desconhecidas como eu.
O fundamental é não só situar o “dever de memória” como humanizá-la, nas suas dimensões individuais e colectivas, evocando o que sentiram presos e presos quando “aqueles” portões se abriam ou a força que, na solidão individual da tortura, conseguiam quando ouviam o longínquo eco das vozes do coro “daquele” S. Carlos. Fui também muito sensível à breve referência à repressão sobre as mulheres em Portugal(que Helena Pato até tem desenvolvido, na sua materialidade, nalguns posts, sendo a primeira pessoa que tenho lido a fazê-lo). Mas não era aquele o local e o momento para expor a humilhação que muitas mulheres foram sujeitas. Ninguém deve obrigar as vítimas a serem-no mais uma vez. O texto foi o que foi e está muito bem assim!
Quarta-feira, 28.Abr.2010 at 08:04:38
Uma das razões que mais me motiva – e creio que a muitos outros leitores – a comentar alguns posts que leio, é a possibilidade de, tomando como pretexto algum aspecto que me suscite particular interesse, alimentar e alargar a discussão. No âmbito e no número de participantes. E faço isso tanto mais quanto se trate de textos que ache interessantes, e se encontrem despidos de qualquer comentário (0 comentários: acho inestético). Não tanto para fazer valer as minhas supostas razões; que umas vezes tenho e outras não.
É dentro deste espírito que vou aproveitar a resposta da Helena ao meu comentário, como pretexto para colocar na fogueira mais uma acha. Gostaria contudo, antes disso, referir que, a unanimidade e a abrangência do aplauso ao texto, serve apenas, a meu ver, para confirmar a sua natureza de “politicamente correcto”. O que em si mesmo não tem mal algum, já que, por vezes, o “politicamente correcto” pode mesmo ser até correcto. O que, confesso, não é técnica que domine; como adiante se verá.
A propósito da cantiga que a Helena lembra, para explicar e justificar o sentido da sua intervenção, vem-me à memória uma ideia de que há muito estou convencido: pelas sequelas que deixou, muito pior que as infiltrações pidescas de que as organizações anti-fascistas eram alvo, e que é exaustivamente referido nos estudos sobre a matéria, foi a infiltração da ideologia do próprio regime. Principalmente – à semelhança do que acontecia com o agente infiltrado – aquele nível de ideologia de que as próprias organizações e os militantes não se davam conta, – para não me referir à sociedade em geral.
Nesta linha de pensamento, a meu ver, o hino que a Helena refere não anda muito longe, por exemplo, do espírito do hino da antiga Mocidade Portuguesa:
“ Lá vamos, cantando e rindo / Levados, levados sim / Pela voz de um som tremendo / … / (?)
Ou do hino da Acção Católica:
“ Abram alas terra …” (?) (deste é que já não me lembro patavina !)
…Pronto! – cá está mais uma vez a minha inabilidade política a manifestar-se. Partido que alguma vez caia na asneira de me admitir como militante, aumentará em elevada percentagem a probabilidade de jamais ver aceites as suas causas. Ainda um dia verei as portas deste respeitável blog fecharem-se-me para todo o sempre …! Não foi por acaso que vim desterrado para este fim-do mundo.
(Agora está-me a dar uma de auto-vitimização. Até já que tenho de ir apanhar a roupa, antes que chova… e desculpe qualquer coisinha, Helena. Com excepção deste texto, acho extremamente interessante toda a outra sua escrita.)
nelson anjos
Quarta-feira, 28.Abr.2010 at 10:04:47
Que me perdoe o Nelson Anjos!
Aquele não eram nem o local nem o momento indicados para fazer referência a qualquer Partido ou Movimento concretos.
A Sede da Pide/DGS constitui mais do que um edifício, mais que um espaço físico de barbárie. Mas sim um símbolo de memórias (tristes memórias!) de todos os resistentes que por lá passaram e de todos aqueles que, sorte a deles!, não foram “apanhados nas malhas” da Polícia Política mas que viveram a angústia de verem os seus familiares e amigos presos. Mais, também é um símbolo de memórias para os meus filhos (hoje com 33 e 15 anos)junto dos quais procurei (eu e o Pai) não apagar a memória.
Que me pordoe o Nelson!
O PCP teve um papel muito importante na luta pela Democracia e contra o Fascismo mas não foi o único!
O símbolo de memória da Sede da PIDE, de má memória, não é propriedade de ninguém, individual ou colectiva, mas sim de todos os que, de uma maneira ou de outra, lutaram por um País Livre. E, acrescento, mesmo daqueles que, tendo a sorte de nascer depois do 25 de Abril, continuam a ter consciência que a Democracia se constrói todos os dias (com o passado, presente e futuro) e que, também eles, não querem apagar essa memória.
Mais uma vez,Obrigada Lena pelo teu texto!
Não tenho vergonha de dizer que chorei e tremi muito! Chorar não é mau, mas sim uma forma de libertação!
Quarta-feira, 28.Abr.2010 at 12:04:59
Ó Nelson Anjos! A canção “Caminhando” de que retirei os versos que acima deixei foi em 1968, primeiro uma espécie de hino estudantil no Brasil, e depois, verdadeiramente, um hino de protesto contra a ditadura militar. Geraldo Vandré, seu autor, teve de exilar para o Chile, nessa altura. Chega?
Quarta-feira, 28.Abr.2010 at 01:04:23
Ó Nelson Anjos! A canção “Caminhando” foi cantada em diversas ocasiões de contestação e luta aberta contra o fascismo e a sua polícia. Nomeadamente quando, na Capela do Rato (em 72 e em 73)um grupo de Cristãos anti-fascistas se juntaram para, no dia Internacional da Paz (1 de Janeiro), exigirem o fim da guerra colonial. Muitos foram presos e todos interrogados. Cantamos todos este hino enquanto seguiamos para os interrogatórios policiais ou directamente para a prisão!
Como as memórias, mais uma vez certas canções deixam de ter “dono” porque passam a fazer parte das memórias dos povos ou, pelo menos, de parte deles!
Quarta-feira, 28.Abr.2010 at 02:04:01
Ana Isabel, está perdoada.
Helena, não chega.
nelson anjos