9 de Outubro de 1910
Oh, meu Deus; nestas ocasiões é que eu queria ver por dentro estes homens lívidos e com um sorriso estampado na cara, que sobem as escadas dos ministérios para aderirem à República!
É este e aquele, os que estão ameaçados de perderem os seus lugares, as altas situações, o Poder. Os tipos não importam – o que importa é o fantasma que transparece atrás da figura; o que importa é o monólogo interior, as verdadeiras palavras que não se pronunciam, o debate que não tem fim, o que nestas ocasiões de crise ruge lá dentro sem cessar. Escutá-los a todos! Possuir o dom mágico de ouvir através das paredes e dos corpos!…Toda a noite, toda a noite de Cinco de Outubro, quantos perguntaram, ansiosos: quem vai vencer? Onde é o meu lugar? …Bem me importam a mim as tragédias e as mortes!… Interesses, ambição, medo, tantos fantasmas que nem eu supunha existirem e que levantam a cabeça!…
Não há nada que chegue a estes momentos históricos em que o fundo dos fundos se agita e remexe, para cada um se avaliar e saber o que vale uma alma…
E o desfile segue – o desfile dos tipos que sobem as escadarias dos ministérios, dos que descem as escadarias dos ministérios, uns já com o olhar de donos, mas vacilantes ainda, sem poderem acreditar na realidade, outros com um sorriso estampado que lhes dói. Estamos todos lívidos, por fora e por dentro…
Raul Brandão, Memórias (13º Volume)
Quarta-feira, 10.Fev.2010 at 10:02:13
Primeira, segunda e terceira república. Ou, espere…não me diga que este ano não se comemora o centenário! Quer ver que houve suspensão do regime entre 1926 e 1974! São apenas 52 anos de república?! Ah mas entre 1926 e 1974 não se aboliu a figura do presidente, nem os símbolos urdidos pela revolução de 1910, apenas se governou em ditadura pessoal… mas até essa fórmula já tinha sido experimentada entre 1910 e 1926…
Sábado, 13.Fev.2010 at 05:02:58
Andam numa fona, tentando fazer passar a mensagem da inexistência de república entre 1926 e 1974. Como se Carmona, Gomes da Costa ou Mendes Cabeçadas não tivessem sido republicanos, assim como o próprio presidente da Assembleia Nacional…. Como se o trapo hasteado durante 40 anos na António Maria Cardoso, não fosse o mesmo escolhido pelo Afonso Costa e que ainda ondeia na frontaria de S. Bento. Como se não tivesse sido o Estado Novo a consolidar a república… Enfim, estamos em plena “estória oficial” que substitui a a História que é bem conhecida.
Quinta-feira, 18.Fev.2010 at 02:02:03
Não sei se andam ou não ‘numa fona’para silenciar o exemplar’regime republicano’ que floresceu entre 1926 e 1974… E, ne verdade, pouco me interessa a tal ‘estória oficial’ que parece substituir-se à ‘História bem conhecida’ de quem e por quem?
Mas tenho alguns argumentos para não chamar República à mais longa ditadura da Europa Ocidental do sec.XX. E são argumentos também ‘históricos’ e também ‘conhecidos’ A saber:
1. Uma Constituição que não foi elaborada por uma Assembleia Constituinte e que era uma espécie de Carta Constitucional.
2. Um chefe de Estado que não era Presidente da República.
3. Uma Assembleia Nacional que não era um Parlamento.
4. Um governo que não respondia perante a Assembleia Nacional.
5. Um Presidente do Conselho de Ministros com mais poderes do que o Chefe de Estado e a Assembleia da República.
6. Tribunais que não eram independentes.
Enfim: uma ditadura pessoal servida por uma polícia política implacável para com qualquer tipo de oposição.
Vários nomes pode haver (e não é mera questão semântica!) para um tal regime, numa escala gradativa que vai do autoritarismo anti-parlamentar e anti-liberal, ao totalitarismo ou ao fascismo. É assunto que tem feito correr muita tinta, e que remeto para os historiadores mais ou menos oficiais…
Aliás, a ruptura com o regime republicano é claramente assumida pelo próprio salazarismo (outro nome possível…). A auto-designação de Estado Novo, criada por razões ideológicas e propagandísticas pretendia assinalar a entrada numa nova era aberta pela chamada ‘revolução Nacional’ de 28 de Maio de 1926.
Embora haja quem chame ao Estado Novo de Salazar e ao Estado Social de Marcelo Caetano II República, nem os próprios adoptaram a designação. É que eles sabiam que o regime que criaram, apesar do hino, da bandeira e de tantos outros símbolos (tantas vezes meramente instrumentais) nada tinha a ver com um regime republicano, livre, democrático, pluripartidário. Este só se recuperou em 25 de Abril de 1974, em muitos aspectos herdeiro e continuador do projecto republicano de 1910. É esta a história que conheço, e na qual me fundamento para chamar ao regime iniciado em 1974 II República.