Em 2005, a Revista Seara Nova, então dirigida por Ulpiano Nascimento, publicou uma conversa com José Manuel Tengarrinha, um dos dirigentes que mais se destacaram na liderança da oposição democrática, em 1969 e 1973. Dessa longa conversa, em que o político e historiador reflecte e relata na primeira pessoa factos da resistência anti-fascista ao longo dos 48 anos da ditadura, transcrevemos a parte relativa ao movimento CDE.
Seara Nova – Em 1969, surge a Comissão Democrática Eleitoral (CDE). Todos estes aspectos que já abordámos influenciaram a CDE?
José Manuel Tengarrinha – Daí a necessidade de compreender as características que a CDE tem em 1969. É evidente que é fortemente marcada pela queda política de Salazar e pela pretensa esperança na abertura do regime. Todos nós fomos embalados nessa esperança, embora uns mais que outros. Na nossa área, a esperança era limitada, mas a área socialista estava eufórica. Mário Soares, que tinha estado no exílio em São Tomé, foi amnistiado por Marcelo Caetano e regressou. Este facto é importante para se perceber o contexto em que nasce a CDE. Mário Soares pretende apresentar-se como o dirigente máximo da oposição e como o interlocutor legítimo para Marcelo Caetano dialogar com a oposição. Nesse sentido, elabora um documento que é tornado público e enviado para Marcelo Caetano, em que diz que é preciso encontrar forças políticas capazes de ter visibilidade, e dando como completamente excluída a hipótese de o PCP desempenhar qualquer acção relevante no panorama da oposição portuguesa por se encontrar praticamente extinto. Ou seja, apresenta-se como o único capaz de ser a face da oposição democrática. Esse documento reúne cento e vinte assinaturas, entre as quais as de Urbano Tavares Rodrigues, Rogério Fernandes e outros.
SN – Que importância tem nessa altura e nesse contexto o II Congresso de Aveiro?
JMT – Era aí que queria chegar. Nota desta evolução que tenho estado a assinalar são as características dos três congressos de Aveiro. Os dois primeiros são congressos republicanos, só o último se designa Congresso da Oposição Democrática.
SN – O que denota o peso do republicanismo histórico.
JMT – Exactamente. O primeiro é inclusive presidido por um antigo ministro da Primeira República.
SN – Mas Mário Sacramento já participa.
JMT – É a condescendência porque não tinham ninguém que o conseguisse organizar. Reconheciam o Mário Sacramento e respeitavam-no, embora soubessem que era militante do Partido Comunista. Havia uma enorme admiração intelectual por Mário Sacramento, que foi o secretário do Congresso e teve grande influência em toda a sua organização, ainda que este primeiro congresso se tivesse limitado a fazer a denúncia política, com intervenções dispersas e com um acento mais «comicieiro» do que propriamente de reflexão sobre os problemas. O segundo congresso, em 1969, realiza-se já com o Marcelo Caetano como presidente do Conselho de Ministros e, nessa altura, a intervenção dos elementos da área comunista, digamos assim, tanto os intervenientes como os que estão na organização, já é mais forte. E tem esta característica que é interessante: está dividido em secções e com a preocupação de análise das situações concretas do País. Não é já apenas a proclamação política, como no primeiro, e no velho estilo da retórica republicana, mas um congresso em que se pretendeu estudar problemas e encontrar soluções. Dado que a participação foi muito mais diversificada que no primeiro congresso e dado que a nova situação política, com o Marcelo Caetano, trazia algumas perspectivas de que a oposição se apresentasse como uma força que exercesse influência na condução política, elabora-se a Plataforma de São Pedro de Moel.
SN – A Plataforma de São Pedro de Moel assenta num acordo, mas nas legislativas de 1969 a oposição concorre em duas listas distintas.
JMT – Chegou-se a acordo, mas havia questões em que as divergências eram grandes e são estas que acabam por vir a determinar a existência da CDE e da CEUD (Comissão Eleitoral de Unidade Democrática). Primeiro, a questão da guerra colonial com o reconhecimento do direito das colónias à independência que era visto pela corrente socialista de uma forma mais recuada, assente num estatuto de certa autonomia, diria que um neocolonialismo encapotado. Para isto, havia duas razões, uma delas por quererem captar sectores moderados da oposição, ainda na área próxima do republicanismo histórico que era colonialista; outra prendia-se com a pretensão de serem elementos válidos para o diálogo com Marcelo Caetano e, obviamente, se defendessem a independência das colónias não o conseguiriam, uma vez que para aquele a defesa das colónias era ponto de honra e quem defendesse a independência e o diálogo com os movimentos de libertação era, pura e simplesmente, considerado traidor. Recordo-me que nessa altura Mário Soares chegou a ter reuniões com o presidente da Acção Nacional Popular (ex – União Nacional) para tentar acertar posições.
SN – A transição do regime pela via democrática também era motivo de divergência. Porque é que a área da CDE considerava que tal não seria possível?
JMT – O nosso corte com o regime marcelista eliminava liminarmente essa possibilidade. O nosso programa – aliás, essa parte foi escrita pelo Jorge Sampaio, naturalmente com a contribuição de todos – logo no início dizia que não era credível que o regime marcelista pudesse conduzir a uma democracia. (O que veio a verificar-se logo no final de 1971, com o recrudescimento da repressão).
Havia uma outra divergência. Nós defendíamos que o regime fascista estava alicerçado num poder económico que era preciso destruir, e que a ligação/relação entre poder económico e poder político estava de tal maneira entrelaçada que considerávamos ser impossível “deitar abaixo” apenas o poder político, conservando as estruturas do poder económico em que o regime fascista se apoiava: os monopólios, os latifundiários, o capital financeiro. Na Plataforma de São Pedro de Moel, após uma violenta discussão, ainda conseguimos incluir uma referência à necessidade fundamental de limitar os monopólios.
SN – Como é que o problema da guerra colonial foi resolvido no documento da Plataforma de São Pedro de Moel?
JMT – Negociações com os movimentos de libertação, não mais do que isso, e via política para a solução do conflito. Pela primeira vez – e o documento produzido prova-o – a oposição, numa perspectiva programática, apresenta-se com uma certa visão conjunta sobre os problemas, mas era evidentemente frágil.
SN – Essa fragilidade, por assim dizer, impede a unidade nas eleições legislativas de 1969?
JMT – Quando se começam a preparar as eleições havia todo este lastro positivo e negativo. Além disso, havia um programa de estratégia de organização e de movimentação política que esteve muito na origem distintiva da CDE e da CEUD. Em Julho de 1969, decorrente de algumas reflexões que tínhamos feito no ano anterior, discutimos na organização do PCP – e tínhamos a sorte de o dirigente do partido responsável pela região de Lisboa ser um homem extraordinariamente inteligente e aberto, o Pedro Ramos de Almeida – a ideia de que deixar que a direcção de todo o movimento político se cristalizasse nas figuras políticas habituais, tanto dos ainda recuperados do republicanismo histórico, como do Mário Soares e outros, seria reduzir a capacidade de mobilização do próprio movimento. Daí o símbolo da CDE, o conhecido «pé de galo» que simboliza as bases a crescer para o topo, concebido pelo José Carlos Ary dos Santos.
SN – Ao longo da luta anti-fascista nunca houve nada parecido com o movimento CDE?
JMT – Nunca. A grande originalidade da CDE é a inversão completa de todos os critérios até então utilizados para a organização dos movimentos de oposição.
SN – Para esta inversão não teve igualmente importância o papel dos católicos?
JMT – Ainda não. Eles aparecem inicialmente mais ligados à CEUD. Na CDE tem importância um outro factor, o Maio de 68. É que aqueles jovens, e muita daquela gente que entra na CDE por via dos movimentos estudantis e dos católicos progressistas são fortemente influenciados pelo Maio de 68 e pelo seu carácter «basista». Por isso é que a nossa proposta de formar um movimento que partisse das bases vai encontrar receptividade em todos esses movimentos que nada tinham a ver com o Partido Comunista.
SN – Não deixa de ser curioso o facto de essa não ser a forma de organização de um partido comunista.
JMT – Tratava-se de duas realidades diferentes. Uma é a realidade do PCP como organização e como partido; outra é a promoção de movimentos políticos e sociais contra o regime. E, de facto, o carácter basista da CDE é impulsionado pelo PCP, nasce das reuniões que mantivemos com inúmeras pessoas de diferentes ideologias. Claro que o PCP tinha um objectivo que não podia ser confessado: desta maneira, reduziam-se as personalidades a um papel menor e o movimento oposicionista não ficava preso às orientações reformistas e oportunistas dessas personalidades.
SN – Esta forma de organização revelou-se importante para conseguir uma participação tão ampla quanto possível?
JMT – Sem dúvida. Lembro-me da primeira Assembleia realizada em Lisboa, no Palácio do Marquês da Fronteira, onde estavam mais de 400 pessoas. É a partir do movimento CDE que vamos ter um conjunto de pessoas a participar activamente e influentemente no movimento político, como nunca tinha acontecido. Eram pequenos comerciantes, operários e gente de camadas sociais que normalmente obedeciam às ordens dos senhores republicanos. Formaram-se comissões de freguesia, comissões concelhias, distritais e todas elas com uma influência fundamental na grande dinâmica que foi a CDE.
SN – Por que sucede a divergência e, em alguns distritos, se apresentam ao acto eleitoral a CEUD e a CDE?
JMT – Na referida reunião realizada no Palácio Fronteira ainda participam elementos da Acção Socialista, mas depois faz-se a «separação das águas» tendo em conta o carácter reformista e oportunista daquela linha que não se conciliava com a nossa. A deles continuava a ser a de uma organização de cúpulas, a nossa era basista. A CEUD concorreu apenas em Lisboa, Porto e Braga. Em todos os outros círculos eleitorais era a CDE. A movimentação que se conseguiu foi de uma amplitude que, a nós próprios, surpreendeu. Era gente tão diversa…Lembro-me do Nicolau Breyner vir com os seus cães fazer segurança à sede de Campo Pequeno. Era realmente impressionante. É deste movimento que nasce o MDM (Movimento Democrático de Mulheres), a Intersindical Nacional (uma das organizações da CDE eram as bases sócio-profissionais). Nessas reuniões de mulheres, havia pessoas de muito diferente nível social e cultural: ao lado de senhoras de casacos de peles estavam operárias fabris, discutindo em pé de igualdade. Um nível de democracia nunca visto. Aliás, a participação de mulheres foi espantosa. Os movimentos oposicionistas eram machistas, raramente havia mulheres. Havia a Isabel Aboim Inglês, a Maria Lamas, a Virgínia Moura, mas, em quantidade, as mulheres eram raríssimas. Na CDE não, e isso mesmo acabou por traduzir-se no número de mulheres que integraram as nossas listas.
SN – Em 1969, a CDE vai às urnas e mesmo estando impedida de falar da guerra colonial nos seus comícios e sessões…
JMT – …Era eu que abordava sempre o tema, pelo que era sempre o último orador. Na maioria das vezes, assim que começava a falar sobre a guerra colonial a PIDE e a polícia interrompiam a sessão. Na sessão inaugural da campanha eleitoral, na Sociedade de Belas Artes, falei agachado no meio de um fortíssimo cordão de segurança formado por companheiros. No final, houve pancadaria que foi uma coisa louca.
Uma última nota sobre 1969. Alguns sectores católicos e o próprio Mário Soares consideravam-nos uns tontos ou uns ingénuos manobrados pelo PCP. A verdade é que para a estratégia de Soares e Zenha não dava jeito nenhum ter qualquer aliança com a CDE. Pretendiam que a CEUD, a partir da grande projecção das personalidades individuais, pudesse ter uma maioria esmagadora no campo da oposição. Eu não era conhecido, o Pereira de Moura não era conhecido, o Jorge Sampaio era conhecido como dirigente académico mas, no país, muito pouco. Portanto, confiavam que a força atractiva das suas personalidades seria suficiente para alcançarem um bom resultado, com o qual se apresentariam ao Marcelo Caetano como representantes da oposição. Só que as contas saíram-lhes furadas. Em Lisboa, a CEUD teve cerca de 4 por cento e a CDE teve 19 por cento.
SN – Depois da derrota, Mário Soares vai para o estrangeiro e, no exterior, cria o Partido Socialista. Como se conciliam as posições nas eleições legislativas de 1973?
JMT – No final de 1971, há a grande repressão do regime de Marcelo Caetano provocada pela influência que os «ultras» tinham sobre ele. A ideia que alguns tinham de que o regime seria liberalizado e de que teria havido um encontro em Londres entre mandatados de Marcelo Caetano e representantes dos movimentos de libertação foram factos que agitaram muito os «ultras». Através do presidente, Américo Tomás, exerceram uma forte pressão sobre Marcelo que faz uma viragem na condução do regime. As cooperativas são fechadas de forma brutal. Até a Cooperativa dos Trabalhadores de Portugal, que tinha sido sempre consentida mesmo durante o salazarismo, foi encerrada. As perseguições aos sindicalistas, como Daniel Cabrita e outros, traduzem-se no encerramento de vários sindicatos. Nessa altura, as movimentações que se fazem são essencialmente ao nível das reivindicações dos trabalhadores porque a oposição ficou politicamente muito limitada na sua capacidade de intervenção.
SN – Mas em alguns distritos a CDE mantinha uma organização activa.
JMT – Sim. Nunca morreu e até assumiu formas de luta muito concretas, como a da luta contra a censura. O Fernando Namora, por exemplo, fazia parte do secretariado da luta contra a censura. A luta pela libertação dos presos políticos, com a constituição da Comissão de Socorro aos Presos Políticos, e diversas lutas contra o aumento do custo de vida são outros exemplos.
SN – A percepção de que Marcelo Caetano não estava disposto a qualquer abertura democrática foi um factor importante para a unidade da oposição?
JMT – Em 1973, as condições alteraram-se. Os dirigentes socialistas que estavam em Portugal viviam muito intensamente a situação do País. Para estes era claro que as propostas que a CDE tinha feito em 1969 se mantinham perfeitamente válidas. Todos reconheciam – aliás, isto está documentado nas teses do Congresso da Oposição Democrática de 1973 – que, ao contrário do que a CEUD dizia em 1969, e de acordo com o que dizia a CDE, Marcelo Caetano não significava uma alternativa democrática para o País. Não havia qualquer esperança de que, através do regime marcelista, Portugal pudesse atingir a democracia. Segundo aspecto em que agora todos estavam de acordo era o de que a guerra colonial já tinha atingido tais proporções que era impossível, por via militar, resolver o problema. Por outro lado, homens como Salgado Zenha já tinham percebido que nunca Marcelo Caetano permitiria que fossem alternativa dentro do regime. Portanto o entendimento estava facilitado.
SN – Esse entendimento foi conseguido no Congresso de Aveiro de 1973?
JMT – O Congresso de 1973, o primeiro designado por Congresso de Oposição Democrática e diferentemente do que tinha acontecido antes da constituição da CDE, foi um congresso amplíssimo, com uma muito vasta organização. Desde as freguesias, às concelhias e distritais, realizaram-se reuniões muito participadas de preparação que levaram a que o Congresso fosse organizado com a mesma filosofia da CDE: das bases ao topo. A própria composição social dos delegados dos distritos à Comissão Nacional Preparatória do Congresso se alterou profundamente: agora, eram agricultores, operários, pequenos comerciantes, intelectuais, profissionais liberais. Foi uma coisa única, que contrastou grandemente com os congressos republicanos, até ao nível das decisões, da estratégia. Tudo foi discutido pelo representante de cada distrito, eleito pelas concelhias, e com uma irrepreensível característica democrática: nunca houve a imposição de qualquer centralismo, de qualquer grupo de dirigentes que assumisse ou quisesse assumir a direcção do que quer que fosse. Mas é importante que se diga que este grandioso congresso só foi possível porque os socialistas que viviam em Portugal tinham então uma visão da realidade diferente dos que estavam no estrangeiro.
SN – Do Congresso de 1973 sai uma plataforma política, diferente da plataforma de São Pedro de Moel. É mais importante?
JMT – Muito mais importante e por várias razões. Por um lado, dava a imagem de uma oposição unida, não através de figuras, mas de um programa e das movimentações populares e de base que se geraram em todo o País. E isto porque as «comissões» da CDE não tinham morrido, estavam, quando muito, adormecidas. Por outro lado, havendo esta base política de apoio, estavam criadas as condições favoráveis para que a oposição se apresentasse em bloco nas eleições de 1973. Tínhamos também a noção – nas reuniões que já havia com militares – de que o facto de a oposição se apresentar com uma plataforma conjunta era um factor importante para que os próprios militares, nas suas diferentes sensibilidades e correntes políticas e ideológicas encontrassem pontos comuns de acordo. Aliás, fazendo a comparação entre o programa do MFA e a plataforma política resultante do Congresso de 1973, encontram-se evidentes semelhanças.
Segunda-feira, 26.Out.2009 at 08:10:09
Esta entrevista, as memórias e testemunhos que a antecedem, o próprio programa do MDP-CDE, vêm repor o que eu tenho para mim como um longo equívoco, que se mantém até aos dias de hoje, e que a nossa historiografia contemporânea ainda não esclareceu.
Refiro-me ao facto de, se todas as razões existiam, no tempo do anterior regime, para fazer passar sob o rótulo de luta pela democracia aquilo que de facto o não era, ou não o era pelo menos como objectivo principal, não entendo já que o mesmo truque se tivesse mantido posteriormente, concretamente até aos dias de hoje. Não existe efeméride, a começar pelas habituais comemorações do 25 de Abril, que não seja aproveitada por todas as forças políticas para lembrar “o nosso decisivo contributo na luta pela democracia”.
Ora, o que me parece evidente é que, luta pela democracia – ela própria – no contexto social que antecedeu o 25 de Abril, em boa verdade nunca houve. A “nossa luta pela democracia” teve sempre uma liderança que lhe era estranha, – o PCP, que sempre a entendeu como uma fase intermédia do seu projecto político, que visava a prazo (?) outros objectivos supostamente superiores: o socialismo e o comunismo. O que não constitui fenómeno propriamente estranho, se atendermos a que todas as lutas de emancipação dos povos tiveram lugar, ao longo do século XX, sob um pano de fundo de hegemonia ideológica socialista, com predominância para a sua matriz marxista. E o nosso país não constituiu excepção.
As referências próximas da “nossa luta pela democracia” nunca estiveram em Londres mas sim em Moscovo, e mais tarde também em Pequim (Beijing ?). Nos tempos que antecederam o 25 de Abril não houve uma organização onde, explicita ou implicitamente, a ideia de democracia, quando era referida, não estivesse antecedida pelo primado de um qualquer socialismo, por mais tímida e difusa que dele houvesse a ideia. Em meu entender a nossa democracia nasceu como um sub-producto da luta que se travava entre a esquerda e a direita, na sociedade civil, em geral, e em particular no seio das forças armadas. E, em si mesma, representou um empate dessa luta. O resultado que ninguém quis, mas a que uns e outros se foram acomodando, e mais tarde até passaram a reclamar como seu.
De há muito que a nossa história é feita de coisas “sem querer”. Foi sem querer que descobrimos – perdão, “achamos” – o Brasil. Fizemos filhos “sem querer”, no tempo em que ainda não havia pílula nem preservativos. Alguns de nós serão eventualmente ainda desses. E, quando éramos ainda crianças, todos nós alguma vez fizemos algo – o prato da sopa entornado em cima da toalha domingueira, ou o copo partido no chão por via de uma qualquer traquinice – a que de imediato, no intuito de aligeirar a pena que adivinhávamos, se seguia a declaração: “mãe, foi sem querer!”
A nossa democracia parece-me também mais uma dessas coisas feitas “sem querer”, do que propriamente resultado de luta por objectivo desejado e planeado. Aquilo que planeamos e porque nos batemos era outra coisa. Talvez Ortega e Gasset tenha razão: “As revoluções são sempre pós-revolucionárias”.
A democracia que nos aconteceu nasceu em noitadas de quartel e de bordel, pocker, king, bridg e garrafas de whisk, por desfastio da guerra que então se travava nas colónias. E assemelha-se também, no que respeita a sua génese, a um desses filhos de beco, não desejados, feitos “sem querer”, e criados com ranho no nariz, pão numa mão e porrada na outra.
Por mim, contudo, não vejo o mal nas origens. E, por noitadas de quartel e de bordel também andei. O mal está em disfarçar e iludir essas origens, por um lado, e por outro na escassez em criatividade e audácia para superar o estigma do berço. E continuarmos a regozijar-nos com esta democracia-sobra, com sabor a restos de fim de festa e tristeza de pós-coito, pela qual de facto não lutamos. Como um relógio habitando um tempo sem história, e sem outra coisa para celebrar que não sejam os seus próprios ponteiros.
nelson anjos
Segunda-feira, 26.Out.2009 at 04:10:11
Nelson Anjos:
Talvez coubesse, antes de mais, ao José Tengarrinha ou a alguém ligado ao PCP entrar no debate, mas como foi minha a ideia de transcrever esta entrevista não resisto a deixar aqui a minha opinião (muito sucinta) acerca do essencial do seu comentário. É facto que as cadeias não estavam cheias de comunistas por estes terem sido encontrados a jogar à sueca ou a distribuir roupas pelos pobres – e, no entanto, faziam-no. É facto que é do conhecimento geral (e era-o, então, quer dos fascistas, quer dos democratas) que o PCP tinha um papel muito relevante no desenvolvimento de muitas das lutas travadas durante o fascismo (greves económicas e sociais,lutas pelas liberdades, contra a guerra colonial)e na dinamização de movimentos cívicos e políticos. É facto que não escondia a designação de comunista, mas estava remetido à clandestinidade pelo regime e não por vontade própria. Se, antes do 25 de Abril, o PCP dirigia uma luta na Covina por melhores salários; ou, nos professores, uma luta pelo direito às férias pagas; ou, nos escritores, contra a censura; ou, no País, pela libertação de presos políticos ( tantas vezes, democratas não comunistas); ou pelo direito de associação nos estudantes; ou contra a guerra conial, ou, ou, ou… não seria, como reconhecerá, para servir Moscovo, mas as populações, as pessoas, independentemente de serem, ou não, comunistas ou democratas ou reaccionários.
Na formação do Movimento CDE, houve, obviamente, a intervenção activa do PCP na clandestinidade(raramente ficou à margem de iniciativas ou de lutas importantes…),tal como houve de outra forças políticas. Contudo, pessoalmente, não tenho dúvidas (nunca tive) que, depois, já com a campanha eleitoral a decorrer, se criou uma dinâmica de unidade anti-fascista tão forte que escapou às direcções das forças que estiveram na origem. Justamente pelas características excepcionais a que alude José Tengarrinha na entrevista, e de que fui testemunha próxima.
Segunda-feira, 26.Out.2009 at 04:10:56
Nelson,
A Helena já me poupou muito trabalho, mas queria acrescentar só seguinte: lê-me há suficiente tempo para saber que nunca serei eu a dizer que participar em eleições, em tempo de ditadura, era «tiro e queda» para fazer uma revolução ou mesmo para chegar à democracia – mas daí a dizer-se que se chegou a esta «sem querer» vai um abismo…
Como o José Tengarrinha refere – e devia ser objecto de muitos e aprofundados estudos -, a CDE desencadeou uma série de processos individuais e colectivos, imprevisíveis à partida, que foram muito importantes nos anos que se seguiram – até para os militares.
Dou-lhe só um exemplo pouco «ortodoxo»: dizia-me há poucos meses alguém que conheci no PRP e que, mais tarde, até esteve cinco anos preso por ser acusado de pertencer às FP25, que foi a participação nas acções de base da CDE de 69 que o acordaram para a política. Como qualquer exemplo, vale o que vale…
Um abraço
Quarta-feira, 28.Out.2009 at 12:10:33
Antecipadamente, uma desculpa pelo tamanho do texto.
E já agora um outro caso. Durante a campanha, aqui em Arroios, apareceu um grupo de jovens, muito agitados, muito dispostos à militância. Pareciam que andavam a uma só voz. Seriam quatro ou cinco, incluindo uma rapariga. Enfermeira, se não estou em erro. Tão agitados estavam, que um deles chegou ao ponto de contactar, em sua casa, pelas 3 ou da manhã, um pacato cidadão, já com uns anitos, que era o nosso delegado de base e isso por um fútil motivo qualquer. Julgo não errar, se afirmar que um deles se chamava Manuel Guerreiro e tornou-se membro da ARA. Eram dois os Guerreiro que eram membros da ARA e não sei qual deles era o nosso. Esta é coisa de que tenho quase a certeza. Quase.
No amadurecimento de todo aquele movimento da CDE, um dos elementos de Arroios foi para o MRPP. Aqui também uma quase certeza. E quanto desconhecerei eu de coisas do mesmo género.
A campanha da CDE de Lisboa foi uma festa. Lastimo não ser capaz de mostrar o quadro: a participação livre, quase lúdica, a criatividade, a afirmação pessoal, a maneira como se articulavam os pequenos grupos, a camaradagem e a irreverência, a rebeldia, os radicalismos, a esperança a irromper, quase a explodir na sua exuberância, a recusa aos controlos, o enjoo pelos “patrões”, a chacota (que a Helena Pato me desculpe) com aquela coisa do Comissão de Mulheres. Era a alegria. Uma grande alegria.
Aquilo ultrapassou tudo o que se poderia esperar. Força liberta vinda também do Maio de 68, do guevarismo, das lutas estudantis, do horror das guerras coloniais, do que aquilo representava para a vida dos jovens. Força mais personalizada pelos jovens, tocava também os velhos. Salazar tinha “morrido”, o sucessor, calças na mão, lá ia fazendo o gesto de entreabrir a porta. E quantas ilusões Caetano e a sua primavera criaram. Até onde nem devia aparecer uma só sombra de tais fantasias.
O movimento arrastou o PC, fê-lo aceitar uma linha que nem estava nas suas tradições, nem nos seus propósitos à época. Fez as suas provas. E para encurtar, parece que, nestes seus traços, até marcou as eleições de 73. Eu estava noutra e não o sei de forma directa. Mas, a propósito, é bom lembrar que aí, a essas eleições, já se foi em unidade com Soares e os seus amigos. O que seguramente dificultaria a afirmação daqueles mesmos traços.
E aqui eu estou completamente de acordo com a Joana. A importância daquela campanha, de quanto a engendrou e de quanto veio a criar, a mover, a definir, a amadurecer foi enorme e está por apurar. Foi uma experiência de cidadania, de muitas centenas, com um grande ímpeto inovador e contestatário. Haveria que estudar seriamente esta campanha e os anos que se seguiram. Haveria que testar atrevidas perspectivas interpretativas e desenvolvê-las em estudos e ensaios.
Eu, por mim, propendo a admitir que o PREC deve bastante àquela campanha e àquele período e que, sem eles, talvez tivéssemos que aguentar uma espécie de cesarismo spinolista. Por algum tempo. E com que saída? O que, de resto, andava, em parte daqueles tempos, num aparecer como possível e num sumir-se como tal. E isso de forma constante. Admito, e julgo que tu também, que aquele radicalismo teve um efeito nefasto. O tão promissor MES ter adoptado o marxismo-leninismo. Sabe-se lá se, se não se orientasse para aquele lado, não sairia dali uma força socialismo, força tal que não viesse a meter o Socialismo numa gaveta. Apesar da situação que se vivia.
E os militares e os milicianos. Se quisermos ter uma percepção do peso daqueles tempos, nesse campo, basta compararmos o que escreve o Vasco Lourenço (com todo o respeito que me merece) acerca da sua condição de democrata e o que víamos, anteriormente, da formação política e da experiência naqueles milicianos que vieram a engrossar –e como vieram a contar com a sua participação– aquele conjunto de oficiais abrilistas.
Quarta-feira, 28.Out.2009 at 02:10:02
O José Eduardo de Sousa que me desculpe mas não estava à espera de o ver vir imitar o falecido Bénard da Costa e outros do mesmo grupo quando opina que o movimento «arrastou» etc. e tal o PCP.
A própria entrevista do Tengarrinha ilustra bem quem é que criou mais e mais pujantes estruturas de base e basta ter acompanhado em que sentido é que os representantes dessas estruturas se pronunciavam nas reuniões e plenários para se perceber que corrente é que mais investiu nessa área e aí dispunha de maior influência.
Quanto à dúvida do José Eduardo de Sousa sobre foi em 1973, ele sabe muito bem como era até sair e posso garantir-lhe que nada mudou quanto à metodologia de organização e funcionamento e que a unidade com os socialistas (importantíssima e rigorosa a destrinça de Tengarrinha entre os do «interior» e os «lá de fora»)não provocou nenhum recuo nessa matéria.
Dito isto, é evidente que certas comparações entre 1969 e 1973, no que toca designadamente a Lisboa, têm de ter em conta que as eleições de 1973 decorrem numa clima imensamente mais violento e repressivo que as de 1969.
Abraço para o José de Sousa.
Quarta-feira, 28.Out.2009 at 03:10:29
Dois em um: respondo ao J. de Souda, tendo em conta o que diz o V. Dias.
Zé: não me atribuas o que não disse nem penso: «que aquele radicalismo teve um efeito nefasto. O tão promissor MES ter adoptado o marxismo-leninismo.» Nunca fui do MES e sei lá se foi um efeito nefasto ou, na época, exactamente o contrário! Há muito quem tenha a tua opinião, mas eu não tenho certezas embora conheça bem a questão. Mas isto levar-nos-ia muito, muito longe nesta discussão…
Sem o PCP não teria existido CDE coisíssima nenhuma e o resto são histórias – claro como água. O movimento que foi gerado ultrapassou o que todos esperavam no início, incluindo o próprio PCP, mas dizer que este se «colou», à partida a meia dúzia de honrosos «responsáveis» pelos católicos progressistas e aos chamados socialistas independentes herdeiros de 62 (dois grupos que funcionavam já em conjunto) não faz sentido. E olha que fala quem estava precisamente nesse grupo compósito e bem por dentro. Mas que o «sucesso» da dinâmica que foi gerada transbordou, por exemplo, para grupos de católicos então em crise e em guerra com os bispos e a «acordar» para a luta política (grupo do Pe. Felicidade, entre outros) é indiscutível – assunto que tenho entre mãos porque dele falarei no próximo Sábado.
Quarta-feira, 28.Out.2009 at 07:10:03
Já não é a primeira vez que o faço. Não me lembro das outras, mas esta é indesculpável, Nada me permitia intercalar aquele “julgo que tu também”. O meu “admito” anterior colocava o que escrevia como uma hipótese e só assim o queria apresentar. Eu também não sei nada e pouco cogito sobre tal coisa. Essa coisa do radicalismo e do marxismo-leninismo do MES. As minhas desculpas, Joana. Não avanço muito com as minhas “causas” : talvez uma vaga e errada ideia a tal respeito, obrigatoriamente uma distracção, etc..
Já agora, Joana, repito que não tenho, verdadeiramente, uma opinião a respeito da evolução do MES. Nem conheço quem a tenha de forma desenvolvida. E, assim, até parece que preciso de saber mais algumas coisinhas.
É evidente que sem o PCP não teria existido coisa alguma. Eu ouvi conversas sobre a tendência que o PCP mostrava, nessa altura, para se aliar com a ASP e que teriam sido os outros, os que nem eram dum lado, nem eram doutro, que fizeram pender o PCP para a fórmula da CDE de Lisboa. Conversas que, de resto, não me convenceram. Apesar de só terem havido 3 listas daquelas. O dilema teria sido: com eles ou connosco, se com eles, ficam sem nós. Claro que as coisas não são assim tão simples. E não adianto mais. Mas há algo que eu dou como certo. Sem o PCP a CDE não teria existido, mas sem os outros que foram candidatos e de quantos participaram, sem estarem partidariamente enquadrados, a CDE não teria sido o que foi. E não estaríamos, agora, a pensar na necessidade de trabalhos e estudos sobre essa campanha e sobre os tempos que se seguiram.
Tenho pena de não ir no Sábado aquela sessão. Teria gosto em te ouvir, a ti que, em relação a estes começos da CDE, estás muito melhor informada do que eu. E em que participaste, o que não foi o meu caso. A ti, que falarias desse teu sector de que sou muito ignorante. Enfim, espero que esse material seja editado.
Depois da campanha eleitoral e de todo aquele entusiasmo, a CDE foi-se estiolando e era com muito esforço que ainda se mantinha qualquer coisa como uma “organização”. A Devir animou aquilo um pouco. Até bastante. E as coisas estavam tão mal que lá pelos fins de 72 (ou 71, a minha cabeça para datas é uma desgraça) a Executiva de Lisboa da CDE cooptou elementos como Saramago, Pereira de Moura, Areosa Feio e nem sei quem mais.
E vou mesmo mais além: se o PCP foi indispensável para o lançamento da CDE, continuou a sê-lo, na sua fase de recuo, para a aguentar. Depois, nesta história, há outras histórias que não cabem aqui.
Por curiosidade e para ilustrar os efeitos dos novos métodos e do novo pessoal da CDE de Lisboa, lembro dois episódios. Algum tempo antes das eleições, fui a um plenário numa colectividade (?) na parte oriental de Lisboa, com bastantes dezenas de participantes. Na mesa, entre outros, estavam, lado a lado, o Tengarrilha e o Pereira de Moura. O Tengarrinha parecia ia esclarecendo, dava sinais claros disso, o Pereira de Moura sobre quem participava. Nesse reunião foram discutidos alguns pontos do programa e eu, por essa e outras experiências, sempre fiquei convencido que a participação das “bases” tinha tido uma grande importância no conteúdo e nos princípios de tal programa.
Às tantas apareceu, na OT, a escolha duma candidata a deputada (admitamos que fazia falta para completar a lista) e surgiram duas candidaturas. A da Glória Marreiros e a da Maria Luisa (?) Areosa Feio. Esta última era tida como cristã. E foi ali que foi feita a escolha, por votação aberta, e foi ali, e daquela maneira, que foi escolhida a Glória Marreiros como candidata. Que, por acaso, até é aqui da Freguesia de Arroios.
Mais tarde, passadas as eleições, e quando aceitei ser sujeito a votos como delegado da “base” à coordenadora (?) deu-se algo interessante. Aconteceu que primeiro votou a maior parte dos elementos da base e eu escrutinei esses votos. O voto era fechado. E só depois votou um grupo de jovens cristãos, rapazes inteligentes e com sinais de militâncias anteriores, Eram uns 4 a 6. Quando fui escrutinar esses novos votos, vi que eles tinham votado em Nuno Teotónio Pereira, que não tinha nada a ver connosco naquela comissão, e que não tinha havido um único voto nem para mim, nem para a Glória Marreiros. Porque o teriam feito?
Responderei noutra ocasião ao Vitor Dias a quem dou, desde já, razão pela inapropriada expressão que utilizei com aquela do “arrastar, etc.”.
Quinta-feira, 29.Out.2009 at 08:10:12
Não, Vítor Dias, eu não estava a imitar o Bénard da Costa. Não o conheci pessoalmente e, se porventura vi a capa desse seu livro –o que esqueci– muito menos cheguei a lê-lo. De resto, eu não estaria com grande receptividade para o João Bénard da Costa, em qualquer discurso ou análise políticos, porque não lhe conhecia, nesse campo, nem méritos, nem posicionamentos que considerasse acertados. Talvez seja uma manifestação de estupidez ou de grande ignorância, claro que minhas.
Com isto, não estou a diminuir o Bénard da Costa. A sua estatura intelectual e humana e a sua singularidade eram tais que, hoje, não encontramos ninguém que, nem pouco mais ou menos, o faça lembrar. Passe o lugar comum, o Bénard da Costa faz falta. É um dos homens insubstituíveis.
Como disse à Joana Lopes ouvi conversas, presumivelmente daquele género, mas não lhes dei crédito.
O PCP, com a influência que tinha, para não falar da sua força na altura, que não estou em condições de apreciar, com todo o seu significado mítico, etc. –e aqui incluo o Ramos de Almeida– nunca seria arrastado, arrastado no sentido que poderia ser (não sei, não li o livro) o do Bénard da Costa e o de algumas conversas que fui tendo. E reconheço, Vítor Dias, que é esse o sentido que parece ser o do meu texto.
Não quero estar com jogos de palavras. Nem com os das diferenças políticas. A mim pareceu-me que o PCP foi, no quadro da campanha e nos tempos imediatos que se seguiram, fortemente condicionado por aquela dinâmica, que a sua orientação se afastou, mais ou menos, do que era tradição (o que, possivelmente, aconteceria de qualquer maneira, claro –os tempos eram outros) e que não coincidiu com o que teria concebido e desenhado previamente, como linha a seguir. Isso não quer dizer que fosse arrastado ou dominado, que tivesse colocado a ponto zero o que tinha projectado anteriormente.
Não admitir isso, o que eu digo, parece-me uma falta de bom senso. No entanto, pensar que o PCP não pesou decisivamente em todo aquele processo, parece-me uma falta de bom senso ainda maior.
Contudo, aquele plenário que se fez num dos grandes salões do Palácio da Fronteira para, a par duma análise da situação, se eleger uma “direcção” para a CDE, parece mostrar o desejo do PCP de ter um controlo mais estrito e apertado. Demasiado, ainda por cima naquele ambiente de basismo que se vivia.
Lembro sucintamente, menos a ti do que a outros. Numa altura, depois das eleições, em que a CDE tinha um órgão coordenador, de constituição variável, com delegados das bases que, a cada momento, podiam mudar, um órgão coordenador quase completamente aberto a quem, da CDE, quisesse lá estar – e o Tengarrinha, um homem chave, ao ausentar-se, para “um doutoramento em Paris”, tornou ainda mais volúvel e difícil de obter uma coordenação necessária–; ora, foi, nessa altura, quando aquela coordenadora funcionava daquela maneira, que se organizou esse tal plenário.
Cada base só podia enviar um certo número de delegados (se não estou em erro, três), julgo que já aí, à partida, escolhidos –eu fui abordado por alguém que tinha (e era) do PCP e comprometi-me mais ou menos a ficar neutral. Os que apareceram em tal plenário não tinham nada o aspecto de delegados das bases. Era sobretudo gente conhecida da esfera do PC, acompanhada até por seus familiares. A sala estava preparada. Bancos corridos, mesa ao topo. O Joaquim Mestre fez aí uma interessante intervenção sobre o sector sócio profissional. E, ao fim, fez-se a eleição duma lista apresentada e previamente preparada. Eu não me lembro bem dos nomes e não quero dizer nenhum para não me enganar. O voto era fechado. A lista foi eleita com maioria esmagadora. Apareceram dois maduros a votarem no Mao, maduros que eram identificáveis e que, pelos vistos, se tinham infiltrado.
Parece-me que foi um enorme erro.
Julgo que aquela direcção nunca funcionou. E aquele esquema da coordenadora continuou até surgir o “documento amarelo” (1970-1) que mudou as coisas. Mas esta é outra história.
Desculpa Vítor Dias, e desculpem todos, se tenho aqui alguma coisa desacertada, mas é o que a minha memória me dá.
Aquilo que o Tengarrinha diz, no último parágrafo, é muito interessante e traz-me uma melhor compreensão daquela candidatura conjunta em 1973. E isso quer pelo que refere da evolução dos “socialistas”, quer daquela aproximação dos militares que já se sentia.
Em 1973, próximo da data das eleições, estive ausente e, quando presente, enormemente ocupado. Depois, estive uns 5 meses recolhido e isolado e isso até ao 25 de Abril. Fiquei sabendo muito pouca coisa do que se ia passando. E só me alegra o que dizes sobre aquelas questões de organização e funcionamento. Ainda bem. É curioso que, no final do parágrafo em que levantei essa questão, eu estive quase a escrever “ou talvez não”. Não o fiz para não parecer agressivo, o que, como sabes, não é da minha natureza.
Eu tinha tido na minha base, até ao Plenário do Pinhal, socialistas muito sociáveis e, entre eles, o Pedro Coelho, com quem me dei particularmente bem. O Pedro Coelho que teve a gentileza de me sugerir que o “protegesse” das coisas de agitação e daquelas que envolvessem um risco imediato. E que, no Plenário do Pinhal, me abordou para se informar e fazer uma rápida tentativa de nos reter ali. Tenho a impressão de estar a dizer algo que, por respeito ao Pedro Coelho, devia calar. Como passo a vida a pedir desculpas, lá vai mais um pedido, este com destinatário incerto.
Também, por isso não estranho o que dizes.
Sei, como disse, pouco sobre as eleições de 1973. Não sei apreciar a violência com que decorreram e muito menos ter isso em conta, mas tu conheces o decorrer das duas e aceito, por inteiro, a comparação que fazes e a ideia de que a essa diferença na violência corresponderam diferenças específicas.
Um bom abraço
Terça-feira, 27.Out.2009 at 02:10:50
A Lena e a Joana já disseram o essencial sobre os ofensivos dislates que Nelson Anjos aqui deixou a começar pela ideia abstrusa de que os objectivos de longo prazo do PCP em alguma coisa pudessem diminuir a sua contribuição e empenho na conquista da liberdade e da democracia.
Depois, só queria assinalar o que não é surpresa – isto é, a seriedade, o rigor e o respeito pela verdade histórica patentes na entrevista de José Tengarrinha.(uma breve chamada de atenção: quando J. Tengarrinha fala da sessão inaugural nas Belas-Artes está referir-se a 1973 e não a 1969).
Não digo que o Zé seja um caso raro ou único mas eu jamais esquecerei que se trata de uma daquelas personalidades que veio a fazer um trajecto políto diferente mas em que isso não teve qualquer consequência digamos «revisionistas» em relação às suas apreciações fundamentais de natureza histórica.
Finalmente, só quero dizer que é uma pena que não se encontre (eu não consigo encontrar e o próprio parece não ter) a excepcional comunicação que o José Tengarrinha fez, na presença do PR Jorge Sampaio, salvo erro na sessão em Aveiro comemorativa 30º aniversário do 3º Congresso da Oposição Democrática, abordando a história dos três Congressos.
O autor disse-me ter a ideia de que, além de ter sido editada pela Câmara de Aveiro. teria saído numa revista da Universidade de Coimbra. Quem sabe, talvez a Manuela Cruzeiro possa ajudar a descobrir esse texto cuja colocação online teria o maior dos interesses.
Por fim, mas mais para alguns amigos que aqui vêm, informo que, mais por graça do que por outra coisa, também resolvi contar em «o tempo das cerejas» como vivi o meu 26 de Outubro de 1969 e publicar em «os papéis de alexandria» o meu prefácio ao livro de Lino de Carvalho «1969 – um marco no caminho para a liberdade».
Um abraço sincero e fraternal para todos e todas – mas todos e todas – os que, mais e melhor do que eu, construiram essa grande jornada de luta democrática durante a farsa eleitoral de 1969.
Terça-feira, 27.Out.2009 at 03:10:56
Vítor Dias, obrigada pelo seu contributo.
Uma pergunta: não estará a referir-se ao 25º, e não ao 30º, aniversário do Congresso de Aveiro? Tenho uma longa reportagem do «Público» sobre essa comemoração, com depoimentos do Tengarrinha, do Jorge Samapaio e muitos outros, que o Vítor me enviou há um ano ou dois. Se estiver interessado, reenvio-lhe o pdf. Mas não tem o discurso do JT na íntegra.
Cumprimentos.
Terça-feira, 27.Out.2009 at 01:10:33
Tem razão, a palestra do JT a que se refere foi no 30º aniversário e teve como título:
“O congresso de Aveiro e o 25 de Abril”. Vou ver se a descubro.
Terça-feira, 27.Out.2009 at 03:10:03
Pois é, Joana Lopes, eu também estava na dúvida se era no 25º ou 30º aniversário. O título deve ser «Os Congressos …».
Os materiais que eu em tempos lhe enviei foram publicados nas vésperas de qualquer sessão solene.
Quarta-feira, 28.Out.2009 at 11:10:36
N.B. – Este comentário não é meu mas sim de NELSON ANJOS que está com limitações no acesso à internet, em Angola, e me enviou este texto por mail, com pedido de publicação.
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Tal como aconteceu, eventualmente, ao PCP, ter sido ultrapassado pela dinâmica de um movimento do qual teria sido, em termos de força organizada, um dos principais baluartes, – acontece muito na história – também eu fui ultrapassado pelos acalorados comentários a que o meu deu origem.
Encontrando-me em 69 fora do país – na Guiné – não possuo conhecimento, ao nível do pormenor que foi trazido para a discussão. Gostaria contudo de reafirmar o seguinte:
1 – De tudo o que foi dito, não consigo extrair argumentos que me conduzam a rever a minha opinião, no que se refere o que continuo a tomar como facto – o papel decisivo que o PCP teve em tudo o que foi luta que antecedeu o 25 de Abril;
2 – Que a luta pela democracia, em Portugal, não teve nunca uma liderança autónoma, própria, que não constituiu, em si mesma, objecto de luta por parte de qualquer força política organizada com esse objectivo, tendo antes sempre sido rebocada por uma qualquer ideia de socialismo à cabeça.
3 – Quanto a alguns comentários, onde me parece estar subjacente a ideia de que eu pendia a desvalorizar iniciativas como as da CDE, quero apenas esclarecer que, em minha opinião, a liderança e os objectivos últimos prosseguidos não diminuem em nada o valor dos resultados, e do capital que vieram a constituir para as lutas que lhes sucederam.
4 – Por último esclarecer que, a minha provocação foi, numa perspectiva mais de história do que política, dirigida aos historiadores, que estranhei nada terem dito.
Nelson Anjos
Quarta-feira, 28.Out.2009 at 03:10:28
Nelson Anjos:
Os historiadores andam, para bem das gerações futuras, entretidos a “historiar”. Os políticos e politólogos têm mais que fazer, pois que o período que atravessamos a nível mundial e mais a situação nacional – sempre fervilhante – não lhes dão margem a meter-se em discussões acerca do passado. Já nós, cidadãos comuns, que a achamos importante, felizmente vamos mantendo estes diálogos vivos, aqui pelos CAMINHOS DA MEMÓRIA. Diálogos correctos, sem agressões ou recriminações. Sobretudo os jovens podem ganhar com estes debates e estas evocações. Quanto a mim, é um prazer confrontar-me com opiniões diversas das minhas. Também foi por isto que nos batemos durante a ditadura.
Um abraço
Helena Pato
Quarta-feira, 28.Out.2009 at 05:10:50
Embora me custe porque é falar de uma pessoa estimada que já faleceu, uma vez que referi noutro comentário o João Bénard da Costa, aproveito para mencionar mais um pequeno episódio que ilustra as voltas que a vida dá.
Na verdade, num seu livrinho, salvo erro o «Os Vencidos de Catolicismo», o João Bénard referia duas coisas a que achei graça e de que nunca mais me esqueci.
A primeira é que ele confessava tranquilamente que tinham ido para a CDE convencidos de empalmariam facilmente o PCP mas logo reconhecia, com igual fair-play, que acontecera precisamente o contrário (tese que, como é óbvio, eu não subscrevo).
A segunda é que ele ridicularizava bastante um encontro de vários dias com Álvaro Cunhal e outros dirigentes do PCP, em Agosto de 1968 e em Paris, e em que, tal como Bénard da Costa, também participaram, entre outros, José Tengarrinha, Jorge Sampaio e Mário Sottomaior Cardia.
E eu lembro-me sempre de, ao ter lido essa passagem do livro de Bénard da Costa, ter desabafado para comigo mesmo: «pois, pois, bem podes ridicularizar essa reunião mas o que é certo é que, um ano depois, era connosco e não com Mário Soares e a ASP que estavas!»
Quarta-feira, 28.Out.2009 at 06:10:43
Não tem qualquer espécie de importância, Vítor Dias, excepto para alguns eventuais leitores mas julgo que, em «Os vencidos do catolicismo», JBC apenas aflora a questão de 1969.
Por exemplo, em entrevista a M.J.Avillez (1994), é bem mais claro na linha que refere.
http://www1.ci.uc.pt/cd25a/wikka.php?wakka=ejcosta
Quarta-feira, 28.Out.2009 at 07:10:08
Cara Joana:
Sim, mas é precisamente a 1969 que eu me refiro, pois situo a reunião de Paris em 1968 e o meu desabafo «era connosco que estava» reporta-se a um ano depois (logo, 1969).
De qualquer modo obrigado pelo texto da entrevista fo JBC a MJ Avillez.Aí ele diz que se afastou da CDE em 1970 e assim fico a saber o que não sabia: ou seja que ele se afastou da CDE quase 3 anos antes do J. Sampaio, do Galvão Teles, do V. Wengorovius, da Isabel do Carmo e claro da Joana Lopes.
Quarta-feira, 28.Out.2009 at 07:10:14
Confere: se JBC estivesse ainda na CDE, teria certamente pertencido ao «Grupo dos 16», o que não aconteceu:
https://caminhosdamemoria.wordpress.com/2008/09/10/o-%c2%abgrupo-dos-16%c2%bb/
Sexta-feira, 30.Out.2009 at 12:10:28
Caros amigos que por aqui se expressaram, a propósito da entrevista do José Tengarrinha:
Fico contente por ter despertado estas memórias e este confronto de opiniões. Valeu! – como dizem os nossos irmãos brasileiros. Mas quer-me parecer que não faltarão activistas da CDE de 1969 – agora, descontraídos observadores na “bancada” destes Caminhos da Memória – a lerem silenciosamente os nossos comentários e a pensarem, talvez com muita razão: “O que para aqui vai de ficção!”. É natural, a memória reescreve sempre a realidade. Neste caso, também por falta de “História”…
O silêncio das sucessivas direcções do PCP e dos seus mais destacados dirigentes, acerca das suas batalhas na luta contra o fascismo, e acerca de aspectos da sua organização, durante os anos que antecederam o 25 de Abril, é no meu modesto (ou ingénuo) entender inexplicável. A ocultação que parece deliberada de factos engrandecedores da sua história, de elementos e de documentos; a sua sistemática indisponibilidade para, no que concerna o passado, concederem entrevistas, para propiciarem narrativas, para comemorarem acontecimentos marcantes ou batalhas que, reconhecidamente, encabeçaram nos tempos da ditadura, espantam. Tudo isto parece atitude deliberada de quem pretende atribuir-se o exclusivo lugar de resistente face à repressão, e ponto final. Fica, assim, um enorme vazio que em nada ajuda os historiadores e que, muitas vezes, junto da opinião pública, acaba preenchido por mitos e por ideias falsas. No caso do Movimento CDE de 69, não falta na actual organização do PCP quem poderia testemunhar o que, à época, viveu ao mais alto nível de responsabilidade – não digo que o fizesse aqui, claro está, mas publicamente, algures. E, no entanto, o silêncio que é deixado cair por este partido sobre este importantíssimo acontecimento da história da última década do fascismo irá, uma vez mais, abrir espaço para equívocos e para considerações que vão passando, e vão ficando, objectivamente afastadas da realidade. O que foi o papel do PCP na criação e no desenvolvimento do Movimento CDE, qual foi a estratégia delineada, qual foi (foram) a orientação (orientações) da sua direcção, quer na campanha eleitoral, quer no decurso do período imediatamente seguinte – são questões para as quais apenas o J.Tengarrinha veio dar resposta. Mas as comemorações de que tenho conhecimento vão ter lugar no próximo sábado, dia 31, e, segundo me apercebi, sem a intervenção de gente do PCP. Do ponto de vista dos meus caminhos da memória, lamento. Na perspectiva da História, se calhar é pena.
Sexta-feira, 30.Out.2009 at 06:10:20
Da minha experiência de participação em actividades de carácter unitário – comissões de trabalhadores, organismos sindicais, cooperativas – em que estivessem também presentes militantes do PCP, a recordação que ainda guardo é que, regra geral, aquilo que não pudessem liderar desvalorizavam, denegriam, e por vezes, até, sabotavam, numa cultura do mais primário sectarismo.
As minhas calorosas saudações para as excepções que, como em tudo, também aqui as testemunhei.
Portanto, cara Helena, com todo o respeito pela sua opinião, não creio que uma escrita da história patrocinada pelos dirigentes do PCP, possa algum dia vir a constituir outra coisa que não seja a validação dos seus próprios mitos.
nelson anjos
Sexta-feira, 30.Out.2009 at 12:10:07
Helena,
De acordo com muito do que dizes mas sabes, bem melhor do que eu, que o Nelson tem 200% de razão no último parágrafo do comentário que enviou hoje. Hélas!…
Sexta-feira, 30.Out.2009 at 04:10:56
Não falava de uma História patrocinada pelos dirigentes do PCP.Falo, insistindo, na importância do contributo imprescindível do Partido Comunista Português para que se vá fazendo a História da ditadura fascista: no que respeita a documentação – muitas vezes, única! -, e ao testemunho de dirigentes e de activistas – quantos deles, actualmente, fora desse partido. A título de exemplo, será extraordinariamente parcial e lacunar a visão dada acerca do Movimento CDE de 69, se não se tiver em conta o livro do então activista Lino de Carvalho; e se, ou enquanto, não for ouvida a voz de Pedro Ramos de Almeida e de vários outros dirigentes clandestinos do PCP,na altura. Há objectivos erros de informação, em alguns dos comentários aqui deixados. Estou 100% certa do que acabo de afirmar, mas não tenho a intenção de os desfazer, até porque alguns tocam a vida pessoal de destacados elementos daquele Movimento…e, no entanto, são pontos de partida para algumas conclusões (Do meu ponto de vista, infundadas ou absurdas).
Reflectindo numa afirmação do Nelson Anjo,não posso deixar de dar razão aos que se ouvem dizer muitas vezes no PCP que não se lhes solicita colaboração em certas iniciativas para se apoucar (ou apagar) na história da luta anti-fascista o papel daquele que foi realmente o seu principal motor. E, retomando o tema Eleições de 69, que me levou a transcrever aqui a entrevista do J. Tengarrinha, volto às três frases finais do meu último comentário de ontem:
“As comemorações de que tenho conhecimento vão ter lugar no próximo sábado, dia 31, e, segundo me apercebi, sem a intervenção de gente do PCP. Do ponto de vista dos meus caminhos da memória, lamento. Na perspectiva da História, se calhar é pena”.
Sexta-feira, 30.Out.2009 at 04:10:12
Helena,
Tinha-me esquecido de tocar no último ponto que levantas neste comentário. Nada tenho a ver com a organização do evento do IHC, que tem lugar amanhã, excepto que fui convidada a participar ma mesa redonda final. (Antes de mais: trata-se de um Colóquio, não de uma comemoração…)
Se olhares bem para o programa, verás que as apresentações propriamente ditas serão feitas por historiadores, alguns dos quais nem eram nascidos em 69. Na tal mesa redonda, sim, estarão pessoas que os organizadores consideraram que podiam dar o ponto de vista das forças a que «pertenciam» EM 69. No meu caso, estarei lá para falar da participação dos «católicos progressistas» e já não sou católica há décadas. Eu não sei se o Tengarrinha era ou não formalmente do PCP em 69, mas era nele e no Cardia que todos nós «víamos e ouvíamos» aquele partido. (Também o Lino de Carvalho, certamente mas esse, infelizmente, já não está cá.) Querias que tivesse sido convidado quem, do actual PCP?…
Sexta-feira, 30.Out.2009 at 05:10:03
Joana:
A tua pergunta do último parágrafo está respondida no meu comentário “10”, mas ainda poderia juntar nomes de alguns jornalistas, cientistas, advogados,autarcas, etc., de quem me lembro como activistas do Movimento CDE de 69 e que sei que pertencem ao PCP. Até de um historiador me lembro…
Um abraço, Joana, e até amanhã.
Sábado, 31.Out.2009 at 01:10:09
Li um tanto tardiamente a republicação desta entrevista de Tengarrinha. Quero só assinalar duas afirmações com que não concordo, por não corresponderem à verdade, ou melhor, por corresponderem a uma percepção pessoal (da parte de Tengarrinha) da verdade e não à verdade objectiva. Refiro-me às afirmações de que inicialmente os católicos progressistas estavam mais próximos da CEUD e a que o Pereira de Moura era desconhecido antes de 1969. Quer os grupos de católicos progressistas do Porto, quer os de Lisboa com quem eu lidava nunca me pareceram próximos da CEUD. Aliás no Porto, já na altura em que houve a tal despedida do Soares no Aeroporto com rumo ao exílio em São Tomé, organizou-se uma sessão de esclarecimento com o Bernard da Costa e aí foram muito criticadas alguns modos de actuar do Soares e o Bernard da Costa não foi levado a sério, mais parecendo um vendedor de “banha da cobra”. Em relação ao Pereira de Moura, era desde 65 ou 66, pelo menos no Porto, o nome mais prestigiado dos habituais oradores nos encontros do Centro de Cultura Católica, no grupo de que também faziam parte Mário Murteira, Sedas Nunes, Miller Guerra e outros de que não me recordo agora os nomes.