Entre a madrugada do dia 25 de Abril e o 1º de Maio de 1974 vivi enclausurado no Quartel do Campo Grande, em Lisboa, onde hoje funciona uma universidade privada e naquela época estava sediado o 2º Grupo de Companhias de Administração Militar. Lá entrei já a madrugada ia alta, tal conjurado, com o António Dias, após termos perseguido, de carro, a coluna do Salgueiro Maia desde a sua entrada no Campo Grande até ao Terreiro do Paço.
Já contei essa história. De todas as imagens que guardo na memória, a mais impressiva é a da fragilidade da coluna revoltosa. Não sabia quem a comandava mas o impensável viria a tornar-se realidade. E a vitória dos mais fracos deveu-se, tão-somente, à justeza das suas razões e à coragem do seu líder. Aos leitores mais ortodoxos do colectivismo assinalo que falo num símbolo. Também sei que, desde sempre, reinou a desconfiança, entre os «donos» da mudança, a respeito de Salgueiro Maia, como hoje reina a desconfiança a respeito de tantos que ousam tomar toda e qualquer iniciativa de mudança (o que é a mudança, hoje?).
Para os «donos» da revolução nem todos devem desfilar na Avenida da Liberdade mas quis o destino – ou a ordem de operações – que quem primeiro nela desfilou fosse Salgueiro Maia que, oferecendo o peito às balas, fez estalar o clic que mudou o rumo da história. Olhem com atenção para as imagens que, por vezes, passam na TV. Esse comandante, Salgueiro Maia, era um entre muitos e quem dirigia as operações era um comando com a seguinte constituição: Amadeu Garcia dos Santos, Hugo dos Santos, José Eduardo Sanches Osório, Nuno Fisher Lopes Pires, Otelo Saraiva de Carvalho e Vítor Crespo. O coordenador era Otelo por decisão do Movimento das Forças Armadas. [Ver a Fita do Tempo da Revolução – A noite que mudou Portugal.]
O tempo faz esquecer. O tempo é malicioso. O tempo mata a memória. Salgueiro Maia não era um oficial crente nos amanhãs que cantam, dizem até que era conservador mas, perdoem-me o plebeísmo, «tinha-os no sítio», estão a compreender! Para dar lume a uma revolução mais vale um conservador com «eles no sítio» do que um revolucionário desertor da coragem no momento da verdade.
Quem fez triunfar a revolução não foi Ramalho Eanes, nem Spínola, nem Costa Gomes, não foi nenhum General estrelado pelo Antigo Regime, ou promovido administrativamente pelo novo, quem decidiu o triunfo da revolução foram os «capitães» e o povo, que alargaram à rua o posto de comando e que tomando a rua para si tudo decidiram. Não cito mais nomes, pois todos sabem os nomes, e em nome do povo sempre, à distância de tantos anos, podem caber todos os nomes.
A revolução foi branda para com os seus inimigos, perdoou-lhes os crimes, ofereceu o seu sangue em troca da liberdade, ganhou a admiração do mundo e isso é o seu legado histórico mais valioso. Os antigos carrascos da liberdade: os PIDES, os censores, os legionários, todos os esbirros da ditadura, seus ajudantes e admiradores, ganharam o direito a viver em liberdade, ainda hoje se cruzam connosco nas ruas e nos locais de trabalho, emitem opinião, sendo detentores de todos os direitos cívicos e políticos.
Mas se a nossa revolução foi branda para com os carrascos da liberdade pode orgulhar-se da grandeza de lhes oferecer o bem mais precioso que eles sempre negavam aos seus benfeitores. Os verdadeiros comandantes da Revolução foram generosos. Mas que ninguém, verdadeiro amante da liberdade, espere que os aspirantes a tiranos lhes retribua tanta generosidade. Por isso é prudente que, para preservar a liberdade, a democracia não vacile no combate aos seus inimigos.
Biografia de Eduardo Graça
Quinta-feira, 16.Abr.2009 at 10:04:08
não acredito que ele fosse conservador. provavelmente Salgueiro Maia era de tal forma apartidário, que os elementos com ligações partidárias (quase todos…) desconfiavam dele.
ainda hoje é assim. raramente se acredita nas pessoas que dizem não sentir afinidades por qualquer força política (com os clubes de futebol ainda é pior…)
Quinta-feira, 16.Abr.2009 at 03:04:40
Posso confirmar que não era conservador.Conheciamo-nos de santarem,a ele e o major bernardo,marido da felisbela,minha antiga ,colega de liceu,há muitos anos.Durante a campanha de 1969 ,fui eleito membro da comissão executiva da cde de santarem e por essa altura tive imensos contactos com militares da escola prática.
Em 1971 é preso josé jaime fernandes no quartel de santarem e depois houve uma grande explosão ainda hoje não explicada.O jose jaime correu caxias ,peniche e passou pelo presidio militar de Santarem,onde através do apoio de diversos militares amigos fizemos chegar diversos materiais.Em 1972 ele e outros amigos fizeram um relatório sobre o presídio militar de santarem que poblicámos no boletim da comissão de socorro aos presos políticos.Para isso contribuiram varios amigos militares.Antes de Abril desertaram seis capitães de santarem ,entre eles o capitão vitor Pires,meu antigo colega de liceu ,para a Suécia e eu e jose jaime fizemos os contactos para os ajudar a desertar No congresso de Aveiro de 1973 eu era um dos responsaveis do gabinete de imprensa,tendo trabalhado em estreito contacto com a comissão organizadora do congresso.Eu a helena neves,joão paulo guerra e vareda pelo secretariado do MOD.Eu na altura pertenci tambem ao secretariado do Mod ,representando Santarem,com tengarrinha .Cardia,Helder madeira,Vareda e outos.Nessa qualidade tive contacos com varios militares em santarem que se queriam informar sobre o congresso de Oposição Democratica,em particular sobre a nossa posição sobre a guerra colonial..Diziam não ter posição politica mas queriam compreender a nossa posiçãoAntes de 25 de abril fui ainda contactado por um antigo colega de liceu ,militar ,que me quiz informar da amplitude do movimento militar e das suas esperanças.Durante a madrugada do 25 de abril,fui o primeiro a chegar á redacção do meu jornal ,pelas quatro horas da madrugada e já sabia por um telefonema que me acordou que devia ir para o jornal.Pelas cinco da manhã fui ao radio clube portugues por ordem do meu chefe de redacção e lá encontrei alem do meu amigo filipe costa o capitão da força aerea vitor cunha,meu antigo colega de liceu e meu amigo,mais tarde conselheiro da revolução.ficaram euforicos quando me viram.Precisamos do apoio das forças democraticas.A 28 de Abril levei ao rcp o primeiro comunicado da uec que me foi entregue pelo edgar valles.O vitor cunha e o sobral Costa cansadissimos pediram-me um comunicado dos “maioreszinhos”No Carmo durante a manhã de 25 abril tive todo o apoio de salgueiro maia que falou varias vezes comigo,mas quando Marcelo estava para sair no tanque,pediu-me explicitamente para eu falar á população como representante da oposição democratica.Expliquei.lhe que estava como jornalista e sugeri-lhe o “tareco” da oposição católica progressista que eu vira falar na manifestação que tinhamos feito no patriarcado contra a guerra colonial.Durante a noite de 26 ,passei a noite junto de caxias com Helena Pato,minha antiga colega de coimbra e subi de manha com os marinheiros para o patio de caxias ,onde cumprimentei os meus amigos presos e continuei contactos com militares.À tarde abri celas a presos e presidi com um militar de spinola e outro representando o MFa,por sugestão de advogados democratas presentes,em particular Wengorovius e Galvão teles á libertação dos presos politicos.Estou a escrever um livro sobre este periodo histórico mas gostaria de contribuir para mudar a imagem conservadora de Salgueiro Maia.
Domingo, 19.Abr.2009 at 04:04:35
Eu como jovem da idade da revolução sempre reconheci Salgueiro Maia como a pricipal figura desse dia e uma figura representativa de alguns ideais do 25 de Abril, já que sendo um jovem de 28 anos soube conduzir e ser lider numa acção bastante dificil e corajosa, nunca querendo e penso eu ganhando grandes coisas com a sua acção.
Revoltou-me quando após a morte teve que ser o Soares a dar uma pensão à viuva, enquanto que o Kaulza tinha uma reforma das boas. O portugues não há duvida que com os seus brandos costumes, tem esta mania de passar um pano por cima das coisas e depois ficam rancores.
Cumprimentos,
Paulo Maio
Segunda-feira, 01.Jun.2009 at 12:06:20
Não concordo com a brandura e complacência para com os pides, depois de tudo o que fizeram!Sim, muitos ainda andam por aí, como vulgares e comuns cidadâos e o nosso dinheiro ainda vai para lhes pagar as reformas, o que é ultrajante e inaceitável!
Uma revolução deve repor a justiça e esta não foi feita!
Este é um país de brandos costumes, sim, mas não devia ser de apatia!
Terça-feira, 16.Mar.2010 at 04:03:33
obviamente que os generais não foram os comandantes da revolução, como também tem tomado e exercido o poder em Portugal nem foram da Revolução se Abril, nem seus filhos são. A Revolução de Abril foi dia inteiro e aqueles senhores implantaram o dia de duas pates:meio dia de sol para os poderosos e meio dia de sombras para o Povo, e nesta tomada de poder destruiram, renegaram Abril e os seus capitães.
Uns receberam migalhas, mas a maioria foi tratada como párias, sei-o por dores e experiências vividas.
Para que conste.
andrade da silva