Um texto de Eduardo Graça (*)
Em épocas de revolução, o tempo ganha uma dimensão proporcionalmente inversa ao empolgamento dos protagonistas. Quanto mais fervor revolucionário mais o tempo parece escasso. Todos os sonhos parecem realizáveis e as vozes conciliadoras, ou que se atrevam a apelar ao realismo, tendem a ser silenciadas ou desprezadas.
Apesar do seu temperamento afectuoso e, ao mesmo tempo, irascível, César de Oliveira, uma grande figura de intelectual da esquerda portuguesa do século passado, abandonou a direcção interina do Esquerda Socialista após a edição dos seus seis primeiros números, sob a pressão de uma maioria radicalizada que, considerava o jornal «politicamente ambíguo», «graficamente confuso» e «financeiramente desastroso».
Acusações tanto mais injustas, digo-o hoje sem contemplações, atentas as dificuldades em reunir, à época, as condições para erguer qualquer órgão de imprensa partidária (e mesmo generalista!), fora da esfera de influência do PCP e dos grupos marxistas-leninistas-maoistas, ainda por cima em oposição, ideológica e política, aos princípios essenciais da orientação político-partidária daquelas organizações.
Foram aliás essas dificuldades que explicam o longo tempo, quatro meses e dez dias (uma eternidade!), que mediou entre o surgimento público do MES, anunciado no pano artesanal que desfilou na grande manifestação do 1º de Maio de 1974, e o dia 11 de Setembro desse ano quando saiu do prelo o nº 0 do Esquerda Socialista. O cartaz dizia «Movimento de Esquerda Socialista (em organização)», uma fórmula impensável à luz das regras tradicionais do marketing político, mas que explica, em duas palavras, as delongas no surgimento do jornal.
Era preciso dar corpo a uma ideia que andava no ar, ou seja, estabelecer as bases programáticas e organizativas de um partido, criando-o de raiz, a quente, na bigorna da revolução, não deixando perder as energias de tantos e tão promissores movimentos de luta sectorial e o entusiasmo dos militantes que exigiam aderir a um movimento político que nem os seus fundadores sabiam muito bem ao que vinha e nos quais não constava, que me lembre, uma única personalidade relevante ligada à imprensa.
Que experiência mais apaixonante se poderia desejar na volúpia da revolução, que fervilhava nas ruas, do que responder ao desafio de criar um partido de «esquerda socialista» despojado, à partida, de recursos materiais e de apoios internacionais? Mas como encontrar energias para fundar, do nada, o mais depressa possível, um órgão de imprensa que lhe desse rosto e voz?
Ao fim de muitas e acesas discussões, nas quais o César de Oliveira se enfurecia amiúde, lançaram-se as bases de uma equipa de trabalho para elaborar o Esquerda Socialista, arranjou-se uma sede provisória na Rua Garrett, que a partir do nº 8 passou para a Rua Rodrigues Sampaio e a partir do nº 30 para a Av. D. Carlos I, convenceu-se a Renascença Gráfica a vender «fiado» os trabalhos de edição e impressão, contratou-se uma distribuidora e o Esquerda Socialista foi para a rua.
Esta aventura, FAÇA-SE JUSTIÇA, não teria sido possível sem o empenho do José Manuel Galvão Teles e como, ainda hoje, não sei se alguém lhe agradeceu o suficiente, daqui lhe envio o meu tardio obrigado!
No decurso da 2ª fase da sua existência, de Dezembro de 1974 a Julho de 1975, a direcção do Esquerda Socialista foi atribuída, pela Comissão Política Nacional (CPN), a Augusto Mateus, tendo sido editados mais 27 números, do nº 12 ao 38, com periodicidade semanal, compostos por 12 páginas a 2 cores e ao preço de venda ao público de 3$00. (a única excepção foi um nº especial, a propósito do 11 de Março de 1975, que saiu apenas com 4 páginas ao preço de 1$00).
Se não erro, pois não tenho a colecção completa na minha frente (não sei que é feito dela), foram editados, contando com o nº 0, quarenta números do Esquerda Socialista, com uma tiragem, no seu ocaso, entre 17.000 e 20. 000 exemplares, mesmo assim bastante relevante acerca da presença política do MES no processo revolucionário em curso, como era da praxe dizer-se.
O jornal Esquerda Socialista, carregando, em particular nesta derradeira fase, as marcas próprias da sua época, do meu ponto de vista, mais criativo e anarquizante na sua primeira fase, constitui um testemunho interessante para uma análise política, e cronológica, do período revolucionário compreendido entre o 28 de Setembro de 1974 e a aprovação do «Plano Aliança Povo-MFA», em Junho de 1975.
Mas ainda não tinha acabado a aventura do Esquerda Socialista e já tinha sido criado o Poder Popular, o outro órgão de imprensa do MES, que se pretendia mais próximo da luta das classes populares, porta-voz de um programa político do MES que nunca deixou de reflectir, a partir do final de 1976, embora sem expressão pública, uma intensa luta interna entre facções que se digladiavam no seu seio.
(*) Biografia de Eduardo Graça
Domingo, 28.Dez.2008 at 08:12:16
Só fiz o que entendi dever fazer e quiz fazer.Não há lugar a agradecimentos.De qualquer modo,um grande abraço para o
Eduardo.
JMGT
Domingo, 28.Dez.2008 at 08:12:16
Zé Manel,
Estranheza e espanto: ver um comentário teu NUM BLOGUE e tão pouco tempo depois de este texto ter sido publicado!!!
Abraço
Domingo, 28.Dez.2008 at 09:12:55
Tendo pegado no assunto da imprensa do MES, aliás escassa, desfilam na minha memória muitos rostos, nomes e factos, a maior parte deles de forma impressionista. Mas seria intolerável para a minha consciência deixar passar sem referência alguns nomes que, ao menos na minha apreciação dos acontecimentos, a tão grande distância temporal, foram determinantes para que alguns sonhos se tivessem tornado realidade. É o caso da participação do JM Galvão Teles. Vivemos enquanto a memória não nos abandona.
Segunda-feira, 29.Dez.2008 at 01:12:46
Acho que seria enriquecedor que, aos textos que têm vindo a surgir sobre o MES pela mão do Eduardo Graça, se viessem adicionar textos que trouxessem à luz da memória a justificação para as duas (para mim) mais importantes saídas em grupo de militantes, antes ainda das lutas internas referidas no final do “post”: a do grupo que então foi acusado de ser «social-demorata» (Jorge Sampaio, Nuno Brederote, etc.), que esteve na origem do GIS e a do que mais tarde deu origem ao efémero MSU e, mais tarde ainda, (embora parcialmente) à UEDS.