De há muito que embirro com fardas. Ficou-me desde que fui (mal) fardado pela primeira vez. Acho que a farda tira ao comum mortal a sua diferente identidade e torna-o demasiado parecido com outros tantos, sempre demais. E será para isso mesmo que existem e servem – transformar o indivíduo numa peça de uma instituição, ostentando a fidelidade obediente como valor.
O certo é que a maior parte dos miúdos passam por uma fase em que adoram fardas. Seja de bombeiro, de polícia ou músico de banda. Provavelmente porque os fardados lhes aparecem como adultos especialmente vocacionados para mandarem mais, até que os adultos. Talvez porque gostassem de ser adultos com super autoridade para escaparem à autoridade dos adultos que neles mandam.
Também tive a minha fase de adorar fardas e sonhar com o dia em que tivesse direito a uma. A minha grande oportunidade surgiu cedo, quando tinha os meus dez anos. Na altura, era obrigatório pertencer-se à Mocidade Portuguesa e logo a partir dos dez anos de idade. Todos os sábados havia instrução para-marcial (aprendi cedo a marcar passo) e mais umas tretas de actividades desportivas e lúdicas. Lá consegui que me comprassem a fardeta: calções e meias altas castanhas, camisa verde com emblema, bivaque na cabeça e cinto castanho com uma fivela branca com o enorme S metálico incrustado a simbolizar a fidelidade a Salazar. Farda nova enfiada, saí orgulhoso rua fora a entornar vaidade naquela minha novíssima qualidade de cidadão fardado. Claro que esperei e ansiei por olhares de inveja e espanto dos míseros passantes reduzidos à condição de anónimos e inferiores civis.
Vivia então o Barreiro uma altura em que a repressão estava na exacta medida da energia das lutas operárias por melhores condições de vida. Eu não sabia na altura, mas o Barreiro (assim como a Marinha Grande) eram vilas operárias sob ocupação militar (entregue à GNR). Não sabia nada disso, não queria saber e não entenderia se isso me explicassem. O que sabia é que o Barreiro era, como a maioria, uma terra de fardas – uma série de bandas de musica, os bombeiros, os escuteiros, os GNRs por tudo quanto era sítio, mais as fardas de ganga do pessoal das fábricas. E, em terra com fardas, eu tinha a minha, a de lusito. Que, é claro, achava mais catita que todas as outras.
O meu orgulhoso e inaugural desfile fardado não teve grande sucesso. Pior, foi um verdadeiro fiasco. A malta graúda assomava às portas das tabernas, desatava a rir-se, chamava-me piolho verde e, pior, escarnecia-me nas costas com olha mais um que é da bufa. Naquela terra com fardas, não entendi porque é que a minha farda merecia aquele tratamento, bem longe dos desejados suspiros de admiração e inveja. Bom, o certo é que rapidamente conclui que não ganhava nada com o negócio de me fardar na miragem de conseguir olhares com palmas. Encurtei o trajecto. E respirei de alívio ao desfardar-me. E disse para comigo: fardas nunca mais!. Longe estava de suspeitar que a farda me havia de vestir outra vez, mais um tanto de vida passado, sem poder despegá-la da pele. Verde, outra vez verde, era a farda. E pelo pior uso que se pode fazer de uma farda, o da guerra. No cú pior das cús das guerras do meu tempo de usar farda, o da Guiné.
Biografia de João Tunes.
Quinta-feira, 11.Dez.2008 at 01:12:46
Há muitas razões para os pré-adolescentes terem pertencido à MP. Apesar da presença da MP nas escolas secundárias e liceus, a obrigatoriedade não era uma das razões. A participação era facultativa, e quem não participava não era alvo de qualquer sanção. Podia ser assediado, mas não admoestado nem sancionado.
O deslumbramento pelas fardas, típico da infância, a curiosidade pelas aulas de ordem unida e por algumas matérias que por lá seriam ensinadas, o gosto pela pertença a um grupo coeso, disciplinado e com a sua hierarquia e também a aquisição de alguns privilégios (frequência da Casa da Mocidade, prática de alguns desportos, como as damas, o xadrês, o ping-pong e a vela, por exemplo, e a participação nalgumas passeatas), motivava alguma criançada.
Não pertenci, por oposição dos pais e também por fraca disposição para a vencer. Outros houve que gostariam de pertencer, e a quem os pais não negavam tal pretensão, mas não dispunham de posses para adquirir a farda (mesmo em 2.ª mão). E outros, ainda, pertenceram por imposição dos pais, assumindo o encargo como frete (acabando alguns por fazerem tropelias que levariam à sua expulsão). Para alguns mais fervorosamente religiosos dos não pertencentes, a adesão ao escutismo, nos sítios onde existia, era a alternativa.
O regime era corporativo-fascista, mas às suas organizações só pertencia quem queria. Mesmo que apenas por deslumbramento juvenil.
Quinta-feira, 11.Dez.2008 at 02:12:36
Sou do tempo das fardas corporativas pois entrei para o ensino primário decorria o Outono de 1967, mas não sei porque nunca vesti farda, a não ser aquela que também era verde mas já no tempo do voluntário-à-força no pós-25 Abril. Nunca tive nenhum “fetiche” por fardas ou pelo que elas posam representar. Sou anti-fardas, por isso. Recordo-me, no entanto, de ter sido recrutado para assistir à catequese, onde um dia a minha mãe me foi buscar pelas orelhas, arrastando-me pela nave central da igreja de S. Domingos de Rana, nesse lindo preparo. Uma vergonha. Só voltei a entrar em igrejas muitos anos depois, agora por questões de arte, arquitectura e história. Deduzo pelo que é explicado que lá em casa ninguém quis que eu vestisse uma farda. Ainda vou a tempo de lhes agradecer.
Quinta-feira, 11.Dez.2008 at 02:12:25
Só uma correcção ao CL: embora eu nunca tenha vestido a farda da MP enquanto jovem liceal, no 3º e 4º anos do liceu num colégio particular de Lisboa e apesar da minha recusa, fui obrigado em participar (desfardado) nas actividades locais da MP. Mais tarde, por ter chumbado um ano, cheguei ao 7º com 18 anos e aí fui obrigado a ir para a Milícia e a vestir uma farda (esta já pré-militar) da Mocidade Portuguesa: calça comprida e bivaque, embora castanho, igual ao dos soldados. Valeu-me um médico amigo que descobriu um modo de eu ficar dispensado da Milícia quinze dias depois de aí ter entrado. Mas a farda militar tive de a envergar uns anos mais tarde, assim como a mobilização para Moçambique…
Quinta-feira, 11.Dez.2008 at 04:12:19
Obrigado a Jorge Conceição pela correcção. De facto, pelo menos na fase forte do salazarismo (sei que, mais tarde, o regime forçado foi atenuado e quse diluído na fase do fascismo marcelista), e eu apanhei-o na escola secundária no início da década de 50, a frequência da MP era OBRIGATÓRIA (com ou sem farda, a qual era adquira a expensas da família do “lusito”). Foi essa a minha experiência, no Barreiro e na Escola Alfredo da Silva. Dava-se até o caso de Adragão, então presidente da C M Barreiro, acumular com as funções de Comissário local da MP e ser ele a dar o tom, alçado num varandim, dos gritos de “Salazar, Salazar, Salazar”, de barço estendido, para a miudagem formada na parada da Escola responder à pergunta “Quem manda?”. Por ali praticávamos “ordem unida” nos sábados à tarde, havendo inclusivé um “pelotão disciplinar” (a que, com honra, vim a incluir-me nas suas fileiras, após a minha decepção com a farda) para os que menos bem se comportavam nos preceitos dos lusitos. E a hierarquia era estabelecida de uma forma engraçada: ao fim do primeiro ano de “bufa”, fui promovido a “chefe de quina”, apesar de marchar mal, como “castigo” (disseram-me na entrega do diploma e das divisas que não era por me portar mal que conseguia evitar a “promoção”!). Aliás, no Barreiro e na época, com um controlo policial apertadíssimo, terra de antifascismo que deu dois chefes supremos da PIDE (Homero de Matos fora comandante da GNR no Barreiro; Silva Pais era natural do Barreiro), quem conservava o emprego e se livrava da indagação policial se um filho seu se recusasse, afrontando uma obrigatoriedade, a frequentar a MP?
Felizmente, hoje em democracia, podemos até brincar aos “branqueamentos”. E deles discordar. Mas na fase dura da ditadura, o verde era obrigatório e até de um clube vestido de vermelho dele tinha de dizer-se que era … encarnado.
Quinta-feira, 11.Dez.2008 at 11:12:15
Tinha deixado aqui um comentário um pouco mais extenso e diversamente estruturado, que pelos vistos se perdeu (porque simultaneamente a ligação à net falhou). Não tentei reproduzi-lo, mas reescrevi-o, de forma mais sintética.
O meu comentário inicial não foi motivado por qualquer intenção de “branqueamento” do regime corporativo-fascista, nem se insere em qualquer “brincadeira” desse tipo. Não costumo brincar com coisas sérias. Invocar o “branqueamento”, mesmo como “brincadeira”, é pelo menos um completo disparate, de todo despropositado. Nem tão pouco foi motivado por qualquer relevância que tivesse (que não tem) o facto de muitas crianças e adolescentes terem pertencido à Mocidade Portuguesa. Foi apenas motivado pela referência feita pelo autor do texto ao carácter obrigatório da pertença àquela organização doutrinária e para-militar do regime. Também não foi inspirado em qualquer conhecimento da legislação que regesse a MP, que desconheço por completo. Foi somente inspirado nas minhas memórias de infância e de adolescência. A História não se faz através da consulta das leis, mas das práticas sociais que ocorreram, dentro da letra ou do espírito das leis e contra eles. E o facto é que sendo obrigatória por lei, ou não o sendo, muita juventude não pertenceu à Mocidade Portuguesa, mesmo onde ela existia institucionalizada desde há muitos anos; e a “obrigatoriedade” não foi certamente a razão principal pela qual alguma outra a ela pertenceu.
Entre 1956 e 1968, frequentei a escola pública onde a MP estava presente. Não pertenci à MP e portanto nunca frequentei as suas actividades (nem tão pouco a Casa da Mocidade), embora tivesse colegas (e vizinhos de poucas portas adiante) que por lá andaram (e alguns que nela singraram), assim como também tinha muitos outros na minha situação. Ainda hoje, contudo, recordo partes (poucas) do hino da organização, aprendido, à mistura com canções tradicionais, nos tempos reservados às actividades de iniciação ao canto coral, em qualquer período em que durou a instrução primária, na parte das manhãs de sábado a isso reservadas (actividades que também não sei se existiriam noutras escolas oficiais, existindo naquela porque a terra tinha maestro com obra feita) ou nas aulas de canto coral dos primeiros dois anos da escola secundária (não consigo precisar). Posso afiançar que não fui sujeito (nem meus pais) a qualquer admoestação ou sanção de qualquer natureza por não ter pertencido à dita organização. Tenho sérias dúvidas de que naquele período a pertença àquela organização fosse obrigatória. Se por acaso assim era, o regime não aplicava sanções aos que não cumpriam a lei que o determinava, o que muito me admira, mas também isso terá as suas causas.
Admitindo que “no início da década de 50, a frequência da MP era OBRIGATÓRIA”, como afirma em comentário o protagonista da história e autor do texto, em 1956 já não o era, ou, sendo-o, o assunto era encarado com pouco rigor ou muita displicência. De facto, como veio a comprovar-se, o regime foi incapaz de enquadrar ideologicamente a juventude, e também outras suas organizações (como o partido político único e a Legião Portuguesa) nunca chegaram a ser verdadeiras organizações de massas (mesmo nas grandes cidades e, até, na capital), a não ser, eventualmente, durante o período que decorreu entre a sua institucionalização e o fim da segunda guerra mundial (correspondente ao período mais negro e repressivo da sua história). Como em muitos outros aspectos, certamente por múltiplas e diversificadas razões, o regime corporativo-fascista fracassou na sua pretensão de edificar o sonho idealizado pelos seus ideólogos e organizadores. Mas teve amplo apoio de massas, durante grande parte da sua existência, pela acção da constante propaganda e da difusão do culto do chefe, na pessoa do ditador Salazar, apoio esse, se não activo, pelo menos passivo; assim como beneficiou da resignação deste povo, pelo medo que lhe incutia, e da sua tradicional apatia.
Acho contraproducente qualquer tentativa de “branqueamento” do regime corporativo-fascista, assim como acho desnecessário o seu “enegrecimento”. E a cantiga, intencional em muitos casos, de fazê-lo pior do que foi tem sido a mais ouvida nos últimos trinta e cinco anos, inclusivamente por muitos daqueles que já adultos pertenceram às suas organizações, e que depois do 25 de Abril se transformaram, de um dia para o outro, em democratas dos quatro costados. Ele já foi suficientemente mau como foi. Valeu que alguns tiveram a ousadia de se lhe opor, activa ou passivamente, simpatizantes ou militantes comunistas, social-democratas ou apenas simples democratas. Alguns desses não pertenceram nem consentiram que os seus filhos, em qualquer época, pertencessem à Mocidade Portuguesa.
Sexta-feira, 12.Dez.2008 at 12:12:41
Cito:
“O processo de institucionalização legal da MP prosseguiu nos meses finais de 1936 e iniciais de 1937. A obrigatoriedade de filiação nas suas estruturas foi estabelecida, para o 1º ciclo do ensino secundário, pelo diploma de reforma do ensino liceal, o Decreto Lei nº 27.084 de 14 de Outubro de 1936 («é desde já decalarada obrigatória para os alunos do 1º Ciclo, tanto do ensino oficial como do ensino particular, a inscrição nos quadros da Mocidade Portuguesa, sem prejuízo da educação pré-militar a que todos os alunos estão sujeitos»)”
transcrito de “Mocidade Portuguesa, Homens para um Estado Novo”, Joaquim Vieira, edições “a esfera dos livros”.
Sexta-feira, 12.Dez.2008 at 12:12:53
João,
Tinha encontrado há meia hora essa informação no livro citado e ia pô-la aqui…
Sexta-feira, 12.Dez.2008 at 01:12:21
Não compreendo aonde o autor e a comentadora antecedente pretendem chegar.
Tão pouco vejo que valor poderá ter a citação de um texto cujo autor se refere ao decreto que institui a MP tornando-a de inscrição obrigatória. Um tal relato é História? Ou é estória ou reportagem diferida?
Já imaginaram a dimensão de massas que aquela organização teria tido se além de obrigatória na lei ela tivesse sido obrigatória na prática? A realidade é o que alguém desejou que fosse ou pretende que tivesse sido ou foi o que foi? E o que foi está espelhado nas leis?
Pelo que me lembro, e ainda me lembro bem, numa escola com mais de trezentos alunos, a MP não tinha nas suas fileiras, na melhor das hipóteses, nem perto de 20% deles (rapazes e raparigas). Acham, por acaso, que seria por ser de inscrição obrigatória? Ou de inscrição e frequência obrigatória?
O regime foi mau. Não é necessário enegrecê-lo. A não ser que enegrecê-lo desempenhe qualquer função útil, como tem acontecido em muitos casos.
Sexta-feira, 12.Dez.2008 at 01:12:03
É um assunto que não merecerá polémica, mas do qual acho que (como outros assuntos do nosso passado) se deve falar para, por exemplo, se retirarem experiências e referências como as escritas por João Tunes, quer no texto base, quer nos seus comentários. Não apaguemos a memória!
No que respeita ao que escrevi no meu comentário anterior, existiram esses dois factos de obrigatoriedade: 1º – como aluno interno no Colégio Manuel Bernardes nos anos lectivos de 1954/55 e de 1955/56, frequentando o 3º e 4º anos liceais, não me perguntaram se eu queria ou não pertencer à MP; apenas me arranjaram um cartão de identificação da organização e puseram-me (vestido à civil, como os demais alunos) a fazer práticas semanais na MP do colégio; alguns de nós, à nossa maneira ainda muito infantil e por diversos modos tentàmos fugir às pràticas, pelo que fomos castigados. 2º – Como liceal com a idade de 18 anos (no Liceu Alexandre Herculano, no Porto) fui obrigado a ir para a Milícia da Mocidade Portuguesa, como todos que tinham 18 ou mais anos e ainda frequentavam o Liceu; a contrapartida era a futura redução de 15 dias na recruta militar.
Sexta-feira, 12.Dez.2008 at 01:12:48
Relativamente aos comentários gerados pelo excelente post de João Tunes, pode-se dizer que todos têm razão. Pode-se considerar o regime de obrigatoriedade das MP um factor de «totalização» da juventude por parte do regime ditatorial, mas lembre-se que a filiação acabou por só ser de carácter obrigatório para a juventude escolarizada até uma certa idade e por ser mitigada ao longo dos anos. Quando o regime terminou em 1974, já estavam longe os anos trinta, em que, influenciado pelo fascismo italiano e pelo nacional-socialismo alemão, o Estado Novo tinha pretendido arregimentar a «Juventude de todo o Império» dos 7 aos 14 anos. Além disso, não só as MPs nunca estiveram implantadas em todos os estabelecimentos de ensino, como porque muitos jovens arranjavam maneira de não frequentar as actividades dessas organizações. É assim um facto que dos propósitos do regime à prática efectiva, houve uma distância e que tanto maior à medida feminina. Veja-se de que forma se foi atenuando o carácter obrigatório de filiação na MP e em particular na MPF, que conheço melhor
Tal como já o tinha feito em 1936, relativamente à Mocidade Portuguesa (MP), o Decreto-Lei n.º 28 262 de 8 de Dezembro de 1937, que regulamentou a Mocidade Portuguesa Feminina (MPF), estabeleceu a obrigatoriedade de inscrição na MPF a todas as portuguesas, escolarizadas ou não, desde os 7anos até aos 14 anos, bem como às que frequentavam o primeiro ciclo dos liceus, oficiais e particulares. Depois, a partir de 1942, houve diversas etapas que reforçaram o poder das «Mocidades». Nesse ano, foi instituída a quotização obrigatória para as MPs nos ensinos primário e secundário e todas as associações e serviços escolares foram integrados nos centros dessas organizações estatais de juventude. Além disso, a actividade de todas as organizações educativas e juvenis não estatais foi submetida à direcção e à fiscalização da MP, que ficou com a incumbência de aprovar os respectivos estatutos. Finalmente, todas as associações que não transmitissem aos seus sócios «o sentimento patriótico e o culto dos ideais do Estado Novo» podiam ser dissolvidas; uma situação que quase aconteceu com o escutismo. No caso da MPF, as alunas das Escolas do Magistério Primário e dos Liceus Normais passaram, em 1943, a frequentar obrigatoriamente cursos de dirigentes de centros escolares da MPF. Em 1947, o Estatuto do Ensino Liceal determinou a integração das actividades das Mocidades nos planos escolares e atribuiu, no caso da MPF, a fiscalização e orientação da educação física, do canto coral e dos lavores femininos. Também as educandas das associações particulares de assistência e de benemerência internadas nos asilos do «Conselho Tutelar do Exército» e da «Direcção Geral da Assistência Pública» foram enquadradas nas Mocidades. Pelo seu lado, as professoras passaram a ser obrigadas – caso fossem para isso «convidadas» –a colaborar nas actividades escolares da MPF.
No entanto, a partir desse “cume” a que chegou o regime de obrigatoriedade em 1947/48, o carácter compulsivo de filiação e de frequência ir-se-ia depois esvaziando ao longo dos anos. No seio do próprio regime, começaram a levantar-se vozes contra o regime de obrigatoriedade, como aconteceu em 1952, quando o deputado da União Nacional, Jacinto Ferreira, propôs, na Assembleia Nacional, que as Mocidades deixassem de ser obrigatórias, «quer na filiação quer na contribuição para os seus fundos». Segundo esse deputado, essas organizações poderiam ser mais úteis à educação da juventude e menos pesadas ao erário público, se fossem esvaziadas da sua «ânsia quase totalitarista de absorção em relação a outras obras similares» e se fosse «aliviada a obrigatoriedade» que as tornava instituições antipáticas e não lhes possibilitava a formação de uma elite. Outro argumento contra a obrigatoriedade era o que se relacionava com a falta de dirigentes para atingir cerca de meio milhão de filiados. Essa situação também referida, em 1953, pelo deputado Moura Relvas, num estudo apresentado na Assembleia Nacional onde se concluía que as Mocidades enquadravam cerca de 544 000 filiados – 105 000 do sexo feminino e 439 000 do masculino –, mas só influenciavam de facto os 76 000 alunos do ensino secundário, ou seja, um sétimo de toda a juventude escolarizada. No caso da MPF, a obrigatoriedade nunca se tinha chegado a generalizar por várias razões: por um lado, não havia centros da MPF em todos os estabelecimentos de ensino; por outro lado, as dispensas de actividades solicitadas pelas famílias das filiadas foram sendo cada vez mais numerosas. A fuga à obrigatoriedade de frequência às actividades da MPF pela via da dispensa foi uma das armas utilizadas, por vezes com êxito, por essas famílias mais informadas da média e da alta burguesia. As outras, de estratos sociais mais baixos, não tinham esse poder de resposta e só em silêncio podiam rebelar-se, por exemplo, contra as quotas e a compra do fato de ginástica ou do uniforme, que representavam despesas acrescidas para os já fracos orçamentos familiares. Por seu turno, as professoras utilizaram, crescentemente, as mais variadas estratégias para fugir à obrigatoriedade de prestar serviço à organização.
A questão da obrigatoriedade foi depois discutida no II Congresso da MP, realizado em 1956, onde foi decidido que apenas se mantivesse o regime obrigatório no ensino primário e no primeiro ciclo dos liceus (1.º e 2.º ano), mas, no caso da MPF, a filiação compulsiva permaneceu ainda no 3.º ano do ensino secundário. Dez anos depois, em 1966, o ministro da Educação Nacional, Inocêncio Galvão Teles, transformou as MPs em centros circum-escolares, sob autoridade da Escola, para as quais transferiu o regime de obrigatoriedade. Ao explicar essa transformação, o ministro reconheceu que havia uma «limitação da filiação efectiva da obrigatoriedade», que «dos factos» tinha passado «ao próprio campo dos princípios». A obrigatoriedade só em 1971 seria porém oficialmente extinta, com um decreto do ministro Veiga Simão que transformou as MP em associações voluntárias de juventude.
Sexta-feira, 12.Dez.2008 at 05:12:20
A pátria portuguesa nasceu em 1142.
De entõpar cá tudo mudou radicalmente. Menos o conceito de pátria…!
Porquê?
Porque é este conceito que se enfia na cabeça das crianças aos 6 anos de idade em vez do de solidariedade?
Porque este é o que vai condicionar todas as nossas cabeças a aceitar os poderes instituídos: PR, governo, assembleias, militares… todos aqueles que sem produzirem, vivem – muito bem – dos nossos impostos.
Mas os miltares ão têm só ordenado.
Também têm material de guerra.
Que custa os olhos da cara!
Um submarino – como sabemos muito útil, especialmente ao dr Portas, – custa o mesmo que uma ponte sobre o Tejo, sem falar de helicópteros, misseis,aviões, enfim um fartar vilanagem.
O dinheiro para esta gente é tanto que se o poupássemos deixaríamos de ter déficit e poupar quase todos os dias 1 milhão de euros.
Pensem nisto!
Sábado, 13.Dez.2008 at 12:12:16
Só posso agradecer a Irene Pimentel ter acrescentado sumo a um post despretensioso com um relato simplório de memória de experiência infantil de uma pessoa singular que, não se envergonhando da idade avançada que conta, não consegue conformar-se que o acaso de nascimento no sítio e data erradas lhe tenha imposto que metade da sua vida tenha sido passada em ditadura. Faço a gestão possível deste sindroma pós-traumático tentando equilibrar-me face ao fascínio invejoso que me habita perante as gerações que tiveram a “sorte” (só relativa) de nascerem e viverem em democracia. Nesta gestão, considero que todo o testemunho que sustente a memória da pré-democracia é necessário. Não só para que a memória histórica, embora essencialmente descontínua e construída na contradição dos olhares sobre o passado, o presente e o futuro, tenha um fio condutor no estar e no ser-se português mas, sobretudo, para que a energia cívica da indignação impaciente perante as inevitáveis imperfeições democráticas não alimente utopias oportunistas de substituir (superar) a democracia por “algo mais perfeito” mesmo que em tirania iluminada, pugnando eu que os problemas da democracia só se resolvem com mais democracia. Não sendo teórico nem pregador, quando calha falo do que vivi, aprendi e desaprendi. Neste blogue, em que colaboro com todo o gosto mas por convite, não imponho o meu megafone. Quando me pedem uma colaboração, dou-a, em submissão tácita aos critérios do corpo redactorial. E basta uma luz com uma tonalidade ligeira de amarelo para meter a viola no saco (aqui, só aqui, porque no “meu palanque” mando eu).
O post que coloquei sobre a minha experiência com a MP seguiu caminhos de discussão que não imaginava. Diga-se que aquilo que considerava como mais impressivo na experiência que retratei era, é-o para mim na retroactividade da minha memória de infância, o facto de numa vila operária e combativa no início da década de 50, em pleno vigor normativo do fascismo, se manifestar viva a repulsa popular perante as manifestações também vivas da arregimentação miliciana pelo salazarismo. Esse fenómeno de nojo popular barreirense perante a exteriorização do ritual fascista (que, com 10 anos, entusiasmado por me fardar, constituiu uma decepção que muito me marcou) foi uma lição precoce de antifascismo difuso e um dado que racionalizei mais tarde na percepção do podre e contraditório em que assentava a ordem social e política com a solidez aparente do regime de ocupação militar, atribuída à GNR, que o Barreiro viveu desde as greves de 1943. E que gerava vários fenómenos contraditórios: o “Avante” tinha uma circulação enorme, os operários da CUF alternavam os seus cultos perante Estaline e Alfredo da Silva, as bancadas dos populares jogos de futebol eram vigiados por GNR’s de espingarda a tiracolo de metro a metro e com os olhos vigiando os entusiasmados pelos dribles, a par da forte militância comunista clandestina enxameavam os bufos e os legionários (os quais, sendo numerosos, nunca apareciam fardados, por falta de imunidade relativamente à repulsa social, parecido ao que senti na minha experiência de lusito) e cuja fidelidade ao salazarismo acabava ironicamente por ser clandestinamente parecida com a dos militantes comunistas. No fundo, era uma micro-sociedade cheia de representações e que só conseguia cohabitar num equilíbrio precário, mantido pelo comando militar e por uma exibição permanente do aparelho repressivo, a que as levas periódicas de presos pela PIDE davam a nota maior sobre quem ali mandava.
Mas a discussão sobre o post decidiu não ir por aqui, optando antes pela querela sobre a obrigatoriedade da pertença dos jovens à MP. A Irene Pimentel enquadrou esta questão com toda a propriedade e nos seus contextos e sobre a MP masculina, aconselho vivamente a leitura do livro recém-editado de Joaquim Vieira. Mas sobre o que escreveu, permita-me a IP que lhe chame a atenção para uma generalização que julgo ela ter comungado sobre o fenómeno da obrigatoriedade da militância na MP. Para além do regulamentar e sua dinâmica de eficácia da obrigatoriedade legal da participação dos jovens nas actividades da MP, quem decidia, de facto, se o miúdo ou miúda alinhavam ou não com a “bufa”? A equação era resolvida pelo miúdo e pela miúda com 10 anos e num tempo de sociedade autoritária, patriarcal e ideologicamente vigiada (nos anos 30, 40 e 50)? Então, um miúdo de 10 anos chegava a casa e dizia ao pai (então, a mãe pouco riscava) “ó pai, na escola dizem que é obrigatório ser da MP, mas eu já decidi que não vou” e o pai respondia “pois sim, querido filho, então não vás, eu cá me entendo com o padre, o patrão e a PIDE”? Naturalmente, o cumprimento do “obrigatório” da filiação na MP foi gerido de uma forma descontínua (e definhante com a senilidade do regime) no tempo e nos espaços territorial e social. Nas urbes maiores e com tecido social mais amplo e mais difuso, onde inclusive abundava uma camada liberal com peso que lhe possibilitava ter uma vida social e política “paralela” à do regime, logicamente que o controlo tinha de ter margem de benevolência e perdia parte da sua eficácia, proporcionando margens de ambivalências comportamentais perante os “deveres” de participação nos rituais do regime, não sendo raras as escapatórias (como houve não poucos que, com a guerra colonial acesa, conseguiram “livrar” os filhos). Mas nos meios pequenos e controlados, numa concertação de controlo que metia o patrão, o padre, o chefe da GNR e o pide, sobretudo se a população estava sob particular vigilância (Aljustrel, Marinha Grande, Couço, Barreiro, Baleizão, etc), a iniciativa paternal de desrespeitar a frequência legalmente obrigatória pelos filhos das actividades da MP implicava necessariamente a medição do risco de sofrer a retaliação do regime. O que eu quis dizer sobre isto, sub-tema que ingenuamente não valorizei face à dimensão que aqui adquiriu, foi que, no Barreiro, nos anos cinquenta, não havia criança com autonomia para dizer não à MP e não havia pai que achasse que valia a pena a repressão certa para poupar os filhos à condição de “piolho verde” (os pais que tinham consciência e militância política antifascista achavam que havia formas mais nobres e eficazes de arriscar a perda de emprego e a prisão, ou sequer de chamarem a atenção policial para o seu antifascismo). Eu, com 10 anos, não disse que não (nem imaginava que o pudesse dizer). A minha família, que era antifascista, também não disse não (o único salário que entrava em casa vinha da CUF e devem ter entendido que um conflito por aquele motivo não compensava). O resultado foi aquele que pretendi contar. E foi bom, como vacina.
Sábado, 13.Dez.2008 at 10:12:32
Está mais do que visto que a História tem de socorrer-se de fontes muito diversificadas. Se as memórias de cada um são o que são quanto a reinterpretação dos passados, imagine-se o que seria ficar-se pelos registos das leis e dos discursos. Discordo que a história das organizações, da MP ou de qualquer outra, ou das sociedades possa ser feita pela letra das leis e dos regulamentos que lhes respeitavam. Assim como discordo de algumas reinterpretações acerca das práticas sociais concretas feitas pelo filtro da opção ideológica ou política, que considero enviesadas e abusivas. Por isso, penso ser espinhoso o exercício do ofício de historiador, nomeadamente por quem se esforce por transmitir um relato sobre o passado que se aproxime daquilo que ele foi, fixando a complexidade dos contextos derivada da interrelação da objectividade dos factos com a das múltiplas subjectividades que os originaram, interpretaram, viveram e recordaram.
Em relação à questão da filiação de jovens pré-adolescentes na MP, quero uma vez mais reafirmar que ela não tem qualquer relevância. A questão que levantei prende-se com a “obrigatoriedade” dessa filiação referida pelo autor do texto. O assunto está esclarecido, pela invocação da lei e das diversificadas experiências pessoais relatadas, mostrando a diferença entre o espírito ou a letra da lei e as práticas sociais concretas. Escusava de voltar a ele, não fora a distorção da realidade que o autor comete no seu último comentário, que me parece elucidativa do olhar enviesado sobre o passado que tem conduzido à diabolização do regime corporativo-fascista do Estado Novo. Neste caso, essa distorção transparece quando ele refere que a filiação na MP, para além do natural fascínio que as fardas despertavam em muita criançada, seria como que uma fatalidade, pela obrigatoriedade legal, pelo oportunismo de muitos pais, que não desejariam arranjar “chatices” por tão pouco, ou pelo medo da “retaliação” que o regime exerceria e das suas dramáticas consequências.
O que contesto é que no Barreiro, ou em qualquer outro sítio, “nos anos cinquenta, (…) não havia pai que achasse que valia a pena a repressão certa para poupar os filhos à condição de “piolho verde” (os pais que tinham consciência e militância política antifascista achavam que havia formas mais nobres e eficazes de arriscar a perda de emprego e a prisão, ou sequer de chamarem a atenção policial para o seu antifascismo)”. E faço-o por diversas razões. Por um lado, como ficou demonstrado pela minha experiência pessoal e pela de muitos outros milhares de crianças e de jovens, a “repressão certa” não era assim tão certa; por outro lado, havia pais (como houve) que achavam que valia a pena correr riscos e recusar a filiação dos filhos numa organização nacionalista e de cariz fascistóide, até contrariando o seu eventual deslumbramento infantil pelas fardas; por outro, ainda, havia pais (como houve) com consciência política que achavam aquela também uma forma nobre e eficaz de exercerem o seu anti-fascismo ou a sua oposição a um regime ditatorial (porque mesmo só por isso o consideravam suficientemente abjecto); por fim, havia pais (como houve) que julgando ter consciência “política anti-fascista achavam que havia formas mais nobres e eficazes de arriscar”, mas não achavam a filiação dos seus filhos numa organização daquele tipo tão pouco nobre para a recusarem.
Nem o regime era tão totalitário e repressivo que perseguisse e reprimisse sistematicamente quem dele discordava, porque tomava como seus inimigos declaradamente os comunistas, e a estes apenas perseguia e reprimia os que sabia ou suspeitava manterem a condição de militantes activos duma organização clandestina e revolucionária, simultaneamente subversiva da ordem estabelecida, do capitalismo e ao serviço duma potência estrangeira, sendo bem poucos no contexto da população; nem o anti-fascismo clandestino era qualquer forma nobre e eficaz de oposição ao regime, mas tão só fruto da inconsciência política ou a dissimulação da cobardia. Como tem sido claro nos últimos trinta e cinco, muitos destes militantes do anti-fascismo clandestino, para além dos militantes comunistas, têm sido os mais acérrimos difusores da diabolização do regime corporativo-fascista. Esta diabolização tem servido, para aqueles seus arautos, entre os quais se incluem alguns servidores ou subservientes do regime, que não passam de escroques e de oportunistas da pior espécie, para singrarem na vida no regime democrático; para estes, dos quais apenas uma parte sofreu represálias, tem servido para acentuar a sua condição de vítimas e para realçar o papel de heróis que julgam ter desempenhado. Não alcançam que se o regime tivesse sido como o pintam nem eles seriam as únicas vítimas da repressão nem os mais abnegados heróis da oposição.
Sábado, 13.Dez.2008 at 06:12:11
João Tunes
De dia para dia, vou ficando mais fascinada com a blogoesfera. Claro que se apanha aqui de tudo. Mas há textos magníficos, entre os quais se contam os seus, João Tunes, que em nenhum outro meio estão acessíveis (pelo menos em forma escrita) e passíveis de diálogo, discussão e até polémica. Que não é o caso. Este seu texto é belíssimo e certeiro a vários níveis. Um deles é quando avisa contra os riscos de generalizações. De forma indirecta, João, está a remeter para a discussão, que tanto gosto, da relação entre a Memória (memórias particulares) e a História (tentativa de generalizar a partir do singular e também de temperar as memórias particulares). Como se vê, neste caso da sua vivência particular na MP e em todos os outros casos, a História não existe sem a Memórias (memórias). De qualquer forma, como não se pode aqui desenvolver muito dessa questão, gostaria de responder às perguntas que coloca, que remetem para o concreto e tanto ajudam a «fazer» História(s).
«Quem decidia, de facto, se o miúdo ou miúda alinhavam ou não com a “bufa”? A equação era resolvida pelo miúdo e pela miúda com 10 anos e num tempo de sociedade autoritária, patriarcal e ideologicamente vigiada (nos anos 30, 40 e 50)? Então, um miúdo de 10 anos chegava a casa e dizia ao pai (então, a mãe pouco riscava) “ó pai, na escola dizem que é obrigatório ser da MP, mas eu já decidi que não vou” e o pai respondia “pois sim, querido filho, então não vás, eu cá me entendo com o padre, o patrão e a PIDE”?»
A forma como responde às suas próprias perguntas é exactamente como eu faria. Ou seja, na minha opinião, acho que tem toda, mas toda a razão. Por isso, para corroborar o que disse, dou-lhe só alguns exemplos concretos, dos quais tomei conhecimento através de investigação no arquivo da MP/MPF, onde este organização responde a pais que querem que as suas filhas não frequentem as suas actividades ao Sábado. Mesmo tendo em conta a cronologia e a variação da legislação sobre a MP/MPF, a todas estas perguntas eu de facto responderia: o Estado ditatorial, ou Novo, ou fascista, é que decidia se o miúdo de dez anos frequentava ou não a MP (ponto).
No arquivo da MPF, que conheço melhor, há muitas cartas de pais a pedir dispensa das actividades dessa organização para as suas filhas. Para já, quem ousava chegar ao ponto de escrever essas cartas à MPF eram unicamente, ou pais do regime que queriam ter as suas filhas disponíveis ao sábado (curiosamente) ou das classes média e alta (oposicionistas ou não, mas a maior parte das vezes sem religião ou professando uma religião diferente da católica) das cidades e nunca das urbes com tradição da oposição (Barreiro ou Couço, como muito bem diz João Tunes. Na maioria dos casos, embora alguns pais obtivessem essas dispensas (em particular os do regime, com acesso à célebre “cunha”) esses pais não obtinham as dispensas, e então nem eles podiam dizer às suas filhas que não frequentassem as ditas actividades, pois arriscavam-se a chumbar o ano. Ainda podiam recorrer à tutela das MPs – o Ministério da Educação Nacional -, mas esta no geral (a não ser que houvesse a tal “cunha”) corroborava evidentemente a decisão das Mocidades. Até porque se não o fizesse, estas perdiam a sua razão de existência. Em suma, no concreto… quem mandava era o Estado ditatorial.
Sábado, 13.Dez.2008 at 07:12:01
Estou estupefacto com os argumentos usados pela historiadora Irene Pimentel. A começar pela sua concordância com o exemplo descabelado, por irreal e falacioso, usado pelo autor, e também pela sua concordância com o uso das memórias na feitura do relato histórico e o uso que ela depois faz dos pedidos de pais requerendo a dispensa das filhas ao sábado para corroborar a sua tese de que “quem mandava era o Estado ditatorial”. Um primor.
Nem uma leve referência aos números, por exemplo, do universo a quem a filiação fora tornada obrigatória e os dos realmente filiados (que a própria trouxe à colação), e, ainda mais interessante, dos realmente frequentadores das actividades de tão excelsa organização, nem a lembrança de quanto seria interessante averiguar das sanções aplicadas a tantos prevaricadores e infractores da lei, mesmo nesses meios pequenos do “Barreiro ou Couço”, nem, por exemplo, a mais prosaica referência à proporção aproximada, mesmo por alto, entre o universo dos colegas de escola do autor a quem a obrigatoriedade era comum e o dos seus colegas na Mocidade Portuguesa. Sim, porque quem tão bem se recorda de tanta coisa e tão pormenorizada, também se deverá recordar se todos os colegas de escola seriam colegas “piolhos verdes”.
Isto da literatura tem muito que se lhe diga. O que fará da História.
Sábado, 13.Dez.2008 at 08:12:02
CL
Como disse, a blogoesfera tem de tudo!
Quando à minha «concordância com o uso das memórias na feitura do relato histórico», reafirmo-a.
Se está interessado em números, remeto-o para o livro que escrevi, só relativo à MPF, «História das Organizações Femininas do Estado Novo», passe a publicidade.
Se percebi o que quer dizer com a adjectivação («um primor», «descabelado», etc.), não percebo o que quer o anónimo CL dizer com a sua última frase.
Sábado, 13.Dez.2008 at 09:12:34
Irene Pimentel.
Há de tudo em todo o lado. É só questão de procurar. Aqui já deu para ver que a História também tem de tudo. E a História do regime corporativo-fascista, até ao presente, está recheada de coisas boas.
Pois claro que concordará com o uso das memórias, nem eu disse coisa contrária. Apenas lhe lembrei que neste caso concreto, e em relação à obrigatoriedade da filiação e às sanções pela não filiação (porque houve não filiações, pelos vistos, violando a lei), também poderia recorrer às memórias, porque ainda há viva muita gente contemporânea, e não apenas a requerimentos que nada dizem sobre elas. Assim como lhe lembrei o uso mais prosaico, neste espaço, ao apelo da memória do autor do texto quanto à proporção, aproximada, é claro, entre os seus colegas filiados e o universo dos seus colegas com obrigatoriedade de filiação, ou o uso do conhecimento que tivesse de qualquer sanção aplicada aos prevaricadores e violadores da lei (que num meio pequeno e hiper vigiado e reprimido, como o Barreiro, não deveriam ser muitos, mas sempre se saberiam em conversas de gaiatos).
Percebeu a adjectivação, ao menos. A última frase também não é de difícil compreensão. Faça um esforçozinho. Não compreendeu o significado das letras CL. Mas também não é difícil! É a sigla de nomes, não presumiu? Neste caso, de dois apelidos. Confundiu a sigla dos nomes com anonimato. Está curiosa por saber os apelidos? Melhora a sua compreensão do que foi dito? Então, para que nada fique por compreender, aqui vai: Cordeiro Lobo. Também compreendeu porque foi usada a sigla? Ou pretende que lhe explique melhor? Veja lá. É que me pareceu ter compreendido tudo um pouco mal.
Sábado, 13.Dez.2008 at 10:12:27
Como João Tunes referiu, a discussão saíu das linhas iniciais do “post” com a sua experiência pessoal no contraste entre a sua atracção infantil pelas fardas e o que isso representava para uma sociedade reprimida, “optando antes pela querela sobre a obrigatoriedade da pertença dos jovens à MP”. Apesar dessa opção parece-me que a ideia inicial não foi abandonada, tendo ficado sempre presente, embora com tomadas de posição diferentes. Por isso atrevo-me a repisar uma pequena referência que fiz nos meus comentários e que foi a da existência da Milícia da Mociddade Portuguesa, já não dirigidas a crianças e a pré-adolescentes, mas a jovens com 18 e 19 anos que ainda frequentassem estabelecimentos de ensino liceal. Pelo menos de estabelecimentos de ensino oficiais (liceus e escolas técnicas). E essa frequência era obrigatória. Mais: tratava-se de verdadeiro treino militar (com armas, claro) antes mesmo de os jovens se submeterem à inspecção militar. Não sei se a bibliografia já referida sobre a MP (perdõem-me a ignorância) contempla essa faceta da MP. Acho que era importante existir um estudo sobre isso. Talvez tenha sido uma tentativa sem grande êxito de garantir um futuro enriquecimento do número de efectivos da Legião Nacional. Ignoro-o, mas é uma hipótese. E que pode ilustrar uma tentativa de alguns sectores do regime de então de serem criadas estruturas para-militares mais organizadas, copiando o que havia sido feito nos países nazi-fascistas europeus antes de 1945.
Domingo, 14.Dez.2008 at 12:12:13
Caro Jorge Conceição,
O livro de Joaquim Vieira acima citado e acabado de editar pela “esfera dos livros” não só refere como documenta e enquadra a componente da Milícia da MP (que pretendia ser uma fase de preparação dos jovens em fase adiantada da escolaridade não só para o serviço militar como para a sua desejada e futura integração na Legião Portuguesa). Se o tema lhe interessa, recomendo-lhe não só este livro de Joaquim Vieira (sobre a MP – a masculina) como o de Irene Pimentel sobre a MPF. Têm os únicos contras de serem duros para carteiras com recheio precário pois, pela natureza das edições (em que abundam as reproduções de documentos e imagens), são livros caros, com preços acima dos normalmente praticados para livros históricos. Mas considero que para se estudar e enquadrar o fenómeno da MP (masculina e feminina) são ambos de consulta obrigatória. Talvez o Pai Natal possa ajudar.
Domingo, 14.Dez.2008 at 12:12:03
João Tunes: Obrigado pelas indicações que me deu. Verei se os orçamentos de cada um serão compatíveis com as minhas disponibilidades actuais.
Domingo, 14.Dez.2008 at 11:12:25
Também pertenci à Mocidade Portuguesa e a minha motivação foi sem dúvida o acesso a prática de desportos. No entanto a pertença à M.P. teve em mim um efeito inesperado. Eu devia ter uns onze anos e absolutamente nenhuma consciência política. Para ser Chefe de Quina tive de fazer um exame de “Formação Nacionalista”. Quando cheguei a casa disse à minha mãe: “Perguntavam quais eram as vantagens do Estado Novo e eu respondi a construção de escolas e de casas do povo, a estabilidade política e financeira e a educação. Está bem?” A minha mãe respondeu: É uma questão de opinião”. E o meu mundo desabou: havia coisas que não eram para decorar, como eram os afluentes do Tejo, eram para discutir! Tudo na minha cabeça mudou…