Na historiografia do 25 de Abril são ainda dominantes as teses de que 1. A revolução apanhou de surpresa as diplomacias mundialmente dominantes, especialmente a Norte-Americana. 2. A intervenção dos Estados Unidos em todo o processo, particularmente no Verão Quente, e a sua influência no seu desfecho (25 de Novembro de 75) são de reduzida importância.
A obra Carlucci vs. Kissinger, patrocinada pelo Instituto Português de Relações Internacionais e pela Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, que o veterano Bernardino Gomes assina em co-autoria com Tiago Moreira de Sá, desmonta de uma vez por todas essa visão ingénua de uma revolução estritamente nacional, que se faz e desfaz nas barbas do gigante americano, sem que este levante um dedo… numa imaginosa reactualização de David contra Golias, ou numa mais moderna versão do famoso slogan small is beautiful…
A partir de agora, sempre que se fale de intromissões e pressões estrangeiras na nossa revolução, ou de apoio norte-americano às forças democráticas portuguesas na transição para a democracia (e a opção por uma ou outra formulação não é, naturalmente, mera questão de semântica!) não se poderá mais argumentar com o estafado fantasma da teoria da conspiração…, o que significa que reflexões por muitos consideradas fantasiosas, como as de Varela Gomes (Revista História nº66, Abril de 1984, por exemplo) e outros, são hoje estudos credíveis, assim provando que também na história, como dizia Vergílio Ferreira, «um erro é uma verdade à espera de vez».
Contudo, entre tantas revelações surpreendentes, confesso que a maior surpresa para mim foi o modo natural e totalmente desinibido com que os autores relatam a intervenção americana em Portugal, como procedimento trivial, burocrático, de mera rotina… e que, sabe-se lá porquê, me fez presente a imagem de Carlucci, (afinal o verdadeiro herói desta história) num programa da RTP, em 1991, no qual, com visível bonomia e desprendimento, se prestou a falar das «brigas» daqueles bons velhos tempos….
E dei comigo a pensar que entre a grave «neutralidade» dos estudiosos rendidos à verdade dos arquivos e a desarmante ligeireza dos protagonistas que transformam em inofensivas «brigas» o que foi a formidável movimentação em que se jogou o destino deste pais, uma falsa distanciação – objectiva no primeiro caso, subjectiva (subjectivíssima!) no segundo – empurra os acontecimentos para um passado remoto, estranho e até bizarro, quando eles permanecem nas nossas vidas e na vida colectiva deste país como algo de próximo e intimo. Marca traumática ou exaltante de um tempo que ainda ensombra ou ilumina o presente.
Escreveu a genial Agustina em Adivinhas de Pedro e Inês, que «a história é uma ficção controlada. A verdade é coisa muito diferente e jaz encoberta debaixo dos véus da razão prática e da férrea mão da angústia humana».
Este Carlucci vs. Kissinger narra com total sucesso o imenso poder de uma certa «razão prática» e faz uma história de dentro do seu próprio cenário e dos seus próprios actores, mesmo se sabemos que ela foi, em objectivos e meios, muito além dos normais contactos diplomáticos.
Entretanto, fora das chancelarias e embaixadas, à revelia dos seus ofícios e relatórios, outros cenários se erguiam, ocupados por outros actores, como outra era a mão que os guiava: «a férrea mão da angústia humana». Não é história arquivada e documentada, e muito menos de sucesso, mas nem por isso menos verdadeira.
Bernardino Gomes e Tiago Moreira de Sá, Carlucci vs. Kissinger. Os EUA e a Revolução Portuguesa, Dom Quixote, 2008, 488 p.
Terça-feira, 25.Nov.2008 at 11:11:05
Eu era vereador em 1975 numa cidade continental portuguesa do interior e – e não por acaso – tive de almoçar com Carlucci.
Navios de guerra americanos estiveram ao largo da costa portuguesa.
E depois os americanos intervieram claramente por interpostas pessoas no que viria a dar este país. Mas isto não poderá ser provado (?) e logo não pode pertencer à História, dirão.
Terça-feira, 25.Nov.2008 at 10:11:32
Não entedo esse tipo de dúvida relativamente à enorme importância que os EUA tiveram no chamado “verão quente” de 75! Os que o viveram sabem que essas notícias corriam e não era à boca pequena. Aliás, só quem andasse distraído da história (sobretudo) da 2ª metade do Século XX poderia ter a veleidade que uma acção como a do 25 de Abril pudesse passar ao lado do poder e da interferência dos Estados Unidos da América. Ainda pouco tempo antes, em Setembro de 73, tínhamos tido a experiência chilena (de onde, aliás, ficou impune a Administração Americana, não apenas cúmplice, mas motora do que ali sucedeu). E as denúncias filmadas que Costa-Gravas efectuou, não eram passatempo…