Vivemos tempos em que o combate pela memória exige doses suplementares de lucidez e coragem, não só para derrubar muros de ignorância, mediocridade e indigência mental, mas também para resgatar a densidade humana e ética de quantos no passado, mais distante ou mais próximo, fizeram das suas vidas lições de resistência e dignidade.
Desse imenso rosto colectivo, recortam-se vidas admiráveis de mulheres, sobre as quais o silêncio de hoje mais não é do que o perverso sucedâneo das circunstâncias inimagináveis (agravadas pelos gritantes constrangimentos da condição feminina e dos seus esteriótipos sociais dominantes) em que deram o seu contributo a um combate comum.
Sabemos todos disso, e até nomearemos sem dificuldade, alguns nomes de grandes portuguesas antifascistas. Mas será que alcançamos, por detrás de cada rosto público, as lutas interiores, as escolhas dilacerantes mas irreversíveis, a devastação humana provocada pela dor e pelo sacrifício extremos que suportaram anos a fio?
Não é possível olhar o «retrato» de qualquer dessas heroínas, sem a pergunta que nos conforta e inquieta ao mesmo tempo: «Que força é essa?»
Só acrescentando memória à história, nos aproximaremos da resposta. Memória que é, segundo Baptista Bastos, «relembrar, acaso com emoção e sempre com orgulho, aqueles que, antes de nós, ambicionaram mudar a irracionalidade das coisas, e atribuir à pátria uma fisionomia moral».
Por outras palavras, por distantes e já historiadas que sejam tantas lutas, e anacrónicos que pareçam os seus heróis, não será possível vislumbrar uma qualquer utilidade nessa pequena epopeia?
A nova rubrica de Caminhos da Memória, em que traçamos alguns percursos de mulheres de diferente notoriedade, mas de igual coragem e dignidade com que atravessaram esses tempos sombrios, é já uma resposta. Não obstante o destino trágico das suas vidas, elas permanecem como verdadeiro manual de sobrevivência contra o compromisso, a desmoralização e a apatia da conjuntura presente. É mais que uma lição de história. É o triunfo da memória.
TEXTOS PUBLICADOS:
Maria Natália Teotónio Pereira
Terça-feira, 23.Set.2008 at 09:09:12
“Sabemos todos disso, e até nomearemos sem dificuldade, alguns nomes de grandes portuguesas antifascistas. Mas será que alcançamos, por detrás de cada rosto público, as lutas interiores, as escolhas dilacerantes mas irreversíveis, a devastação humana provocada pela dor e pelo sacrifício extremos que suportaram anos a fio?”
Aconselho vivamente o livro Quadros da Memória da Margarida Tengarrinha.